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Opinião

Grêmio é Bi-Hepta – artigo conta um pouco sobre estes dois momentos

Grêmio é Bi-Hepta – artigo conta um pouco sobre estes dois momentos

Artigo por RED
07/04/2024 16:47 • Atualizado em 09/04/2024 21:37
Grêmio é Bi-Hepta – artigo conta um pouco sobre estes dois momentos

De SOLON SALDANHA*

Eu tinha apenas dez anos de idade e morava em Caxias do Sul. Eram tempos difíceis e aquele ano de 1968 ficou marcado por uma série de acontecimentos, sem que eu tivesse condições de compreender todos eles perfeitamente. Meu pai aposentado e com uma renda ridícula, para quem antes ganhava muito como tabelião. Uma cidade diferente me obrigando a buscar adaptação também na escola, criar novos vínculos, fazer novas amizades – o que me tornou mais tímido e retraído. O país enfrentando uma ditadura implacável e o mundo vivendo novos tempos, em termos de costumes, coisas que fui descobrindo aos poucos. Mas, naquele caldeirão, gremista eu já era. E muito. O que me presenteou com ao menos uma grande notícia: fomos heptacampeões do Estado, um feito inédito até então.

Naquela ocasião estavam – como estiveram agora este ano –, frente a frente dois times que ocupavam e ocupam lugares especiais no meu coração. O Grêmio, maior e eterno amor; e o Juventude, da então minha cidade, com as mesmas cores e nome de outro do qual meu pai fora presidente, em Bom Jesus, onde nasci. Cenário perfeito, portanto, para que ocupassem nesta ordem as duas primeiras colocações ao final da competição.

Evidente que não teria como lembrar da escalação do tricolor, passados todos esses anos. Mas, fui pesquisar e o treinador Sérgio Moacir Torres levou para o gramado, naquela noite da quinta-feira, 25 de julho, Alberto; Altemir, Paulo Souza, Áureo e Everaldo; Cléo e Jadir; Babá, Joãozinho, Alcindo e Volmir. Houve apenas uma substituição na partida, com Beto entrando no lugar de Babá. O alvi-verde, que era comandado por Daltro Menezes, atuou com Gigante; Celso Cabral, Almir, Roberto e Macau; Nezito e Birinha; Juarez, Puccinelli, Laone e Balzaretti. Quem apitou foi José Carlos Cavalheiro de Moraes, auxiliado por Ronildo Storck e Libino Hahn. Essa no Estádio Olímpico era a partida do returno, sendo que no primeiro, também em um dia 25, mas em abril, o Juventude vencera no Estádio Alfredo Jaconi pelo placar de 1×0, gol marcado por Balzaretti, aos 21 minutos.

O empate com o alviverde deu ao Grêmio o último ponto que faltava para não poder mais ser alcançado por ninguém na tabela. Mas, foi no jogo anterior que tudo de fato se encaminhou. Era Grenal e um sonoro e implacável 4×0 mostrou quem mandava no Rio Grande do Sul. Esse eu também ouvira pelo rádio, atento e emocionado. Dois gols de Alcindo, um de Joãozinho e outro de Volmir destruíram quaisquer pretensões dos vermelhos e nos deixaram com a mão na taça.

Ontem foi diferente. Eu estava na minha cadeira, na Arena, ao lado de bons amigos, tão fiéis quanto eu nas partidas como mandante. Quem saísse de campo vencedor ficaria com a taça de 2024, sendo necessário cobranças de pênaltis se houvesse outra vez igualdade no marcador. Em Caxias do Sul, no sábado anterior, terminara 0x0. Agora, o que se repetiu neste sábado foi o fato rotineiro do Grêmio não vencer nunca com facilidade, quando são partidas decisivas. Parece estar no DNA do clube que a conquista precisa vir com certa dose de dramaticidade e de sofrimento.

Assim, os visitantes abriram o placar logo aos quatro minutos. E a tensão das arquibancadas parece ter contaminado o time em campo, uma vez que os jogadores passaram a errar lances simples, o que quase resultou em mais gols para o Juventude. Mesmo assim, aos 41’30 e aos 43’ dois chutes encontraram as redes da equipe caxiense, em virada relâmpago. E, na segunda etapa, em incrível coincidência em relação ao tempo de jogo, outra vez aos 41’30, veio o terceiro e definitivo tento da partida e do campeonato. Cristaldo, Diego Costa e Nathan Fernandes garantiram a taça e a faixa do inédito bi-hepta para o tricolor de Porto Alegre – aliás, nenhum outro clube brasileiro conseguiu isso ao longo da história. O que resultou em inigualável alegria para as 54.158 pessoas presentes.

Quem não gosta de samba, bom sujeito não é/ É ruim da cabeça, ou doente do pé”/, escreveu Dorival Caymmi, em Samba da Minha Terra. Então, o que dizer de quem não goste de futebol? Esse esporte é pura poesia, um prato cheio para as ciências humanas e inspiração enorme para outras artes que não ele próprio. “Se o futebol estivesse baseado na razão, não existiria razão para existir futebol”, sentenciou com exatidão certa vez o escritor mexicano Vicente Verdun. “Futebol é uma religião, mas sem mensagens de salvação”, acrescentou o antropólogo francês Christian Bromberger. E Luís Fernando Veríssimo, que talvez tenha um único defeito, que é ser colorado, afirmou que “só o que carregamos da infância é o futebol”. Lá na Arena eu pude outra vez confirmar isso, ao ver crianças de tantas idades diferentes. Inclusive da minha.


*Jornalista e blogueiro. Apresentador do programa Espaço Plural – Debates e Entrevistas, da RED.

Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades.

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