Opinião
Presidente Lula e os evangélicos
Presidente Lula e os evangélicos
De ONEIDE BOBSIN*
No último mês procurei acompanhar nas mídias que não se pautam pelos grandes jornalões sempre alinhados ao Império e contra o povo brasileiro, o debate sobre a aproximação de Lula aos evangélicos, um universo heterogêneo, afim e contraditório. Tal universo de milhões de pessoas está sob forte influência de lideranças religiosas empresariais midiáticas (certa fusão de mídia capitalista e carisma que se distinguem dos dons do Espírito Santo). Nestes espaços em busca de curas e superação da exclusão, via ritos mágicos, tudo é monetizado, o que Jesus nunca fez. Compreendo as dores do povo marginalizado, mas não aceito os aproveitadores desta miséria, mesmo que pobres paguem um preço alto para as supostas bênçãos.
Colocada esta noção geral, voltemos ao título destas reflexões: Presidente Lula deve fazer uma política de aproximação aos evangélicos? Este tem sido o debate no Governo. Soube que Lula, com a sua fantástica intuição de pessoas simples do povo, que merece ser escutada, tinha muitas resistências à aproximação instrumental, sempre eleitoreira. Se pudesse dizer algo a Lula, diria para não cair nesta cilada. As grandes lideranças pentecostais e neopentecostais se alinharam com os candidatos da extrema-direita, influenciando milhares de lideranças de pequenas igrejas cada vez mais fragmentadas. Hoje o caudilhismo é midiático e supera as frágeis lideranças dos políticos, mesmo do centro e da esquerda. Os pobres, aos milhões, buscam o cuidado de pastores, mas encontram líderes, grandes e pequenos, interessados em acentuar a derivação do poder religioso do poder político (Bourdieu). Portanto, o grande movimento nas igrejas cristãs em geral se resume na “descrucificação” da fé em Cristo. Como disse Paulo, gregos buscam a sabedoria e judeus pedem sinais, mas nós anunciamos o crucificado, razão de ser da salvação (1 Coríntios 1.22s). Nesta perspectiva diria para o Lula não se aproximar deste ideário religioso e político. Também porque Estado e Governo são laicos. Pode se aproximar como o fez nos últimos dias numa região pobre do Rio, onde predominam pentecostalismo e neopentecostalismo, como em muitas vilas de São Leopoldo: anunciou uma escola de formação técnica e outras políticas públicas. As políticas públicas devem incidir sobre o universo religioso, e não sobre a consciência pessoal dos fiéis.
Lembro-me de uma prédica do pastor Baeske, em São Paulo, na época da paixão: Jesus não fez a cabeça, mas fez os pés dos discípulos. Cada vez tenho mais dificuldades com pastorais que querem fazer a cabeça. Acho que o projeto iluminista, mesmo entre os pobres, fracassou felizmente. Quem quer fazer a cabeça, se esquece do coração e do estômago. E quem “fala línguas estranhas” é o estômago faminto de milhões de pobres. (aprendi na roça que é hora de deixar a enxada e ir para casa quando o bucho ronca). Os pastores midiáticos entenderam isto, mas usam desta compreensão para pregar fetiches que elevam para uma “ilusão transcendental” (ouvi dizer que é do pietista Kant – não sei) as causas materiais das dores. Sempre desculpam o capitalismo e seus ídolos.
Experiência pessoal
Com a morte estúpida do psiquiatra de nosso filho, comecei a buscar outros caminhos para o tratamento de suas dores psíquicas. Fui buscar nas políticas públicas de saúde mental. O caminho não é fácil, mesmo com uma prefeitura muito solidária como a nossa. Quase que a gente desiste de tantas tranqueiras e falta de vontade de quem deve atender. Mas não desisti!
Fiz como aquela viúva do evangelho: o juiz atendeu porque ela insistiu teimosamente e para não mais vê-la e incomodá-lo (Lucas 18.1ss). Depois de sermos atendidos – sempre vou junto – por uma UBS, fomos indicados para o bairro vizinho de nossa casa, a Vila Esperança. Ali há um posto que atende a pobreza da região. Depois de idas e vindas a situação se encaminhou. A doença do filho deixa-o muito cansado nas longas esperas para que os direitos se realizem. Cheguei à conclusão que pobres não desistem porque não têm para onde ir. O posto atende 12 pessoas numa manhã, com duas enfermeiras e uma médica nova que parece ter entendido como trabalhar nos limites dos serviços com os pobres e miseráveis.
Quatro horas esperando o atendimento do filho, ouvi de relance muitas dores, mas também gratidão pelo parco atendimento. Penso que nossos estudantes de teologia deviam ficar nestas filas para fazer seus trabalhos acadêmicos (precisamos formar clínicos gerais sem baixar o PPG para a graduação). Uma coisa é falar do pobre e fazer dele uma hermenêutica, outra é escrever com e se ver a partir dele, como aprendemos com Boaventura de S. Santos, em 2021, no Grupo de Pesquisa Identidade Étnica e Interculturalidade. A médica inicialmente se limitou a ver as receitas e copiá-las para o prontuário do posto. Então, fiz o histórico e disse que o psiquiatra levou dois anos para aceitar o tratamento. Ela concordou em repetir, já que é uma clínica geral. Mas fiz muitas perguntas em lugar do filho que se congela emocionalmente nestes momentos de exposição. Foram quatro horas de espera. O filho e eu saímos contentes. Ele será acompanhado pelo posto com a clínica geral e em caso que exige novas avaliações, será encaminhado para um psiquiatra de uma UBS. Agora é preciso ir às farmácias populares do município e do estado buscar os remédios – se existem -, já que estão cobertos pelos impostos que pagamos e dão uma certa cobertura. Certamente, este pobre e trabalhador da fila de ontem vai em busca de curas em templos, mas apela também para a medicina que está precariamente à sua disposição pela municipalidade.
Quem junta religião popular e medicina é o pobre. Não precisamos fazer a cabeça dos pobres, até porque eles não vão a nossas igrejas eruditas. Eles entendem a sua língua do estômago roncando. Ouçamo-la. Mas precisa ficar perto e longe da maioria dos textos do pensamento abissal.
Carnaval de 2024. Novamente tentarei ver o carnaval de São Leopoldo, em março, pois o povo mistura paixão de Cristo e carnaval. Tudo fora de época, mas bem misturado. Os pobres de São Leo desfilam na avenida e a classe média vai para a praia. Querem ver a pobreza desfilando, fiquem em São Leopoldo.
*Pastor luterano e docente de Faculdades EST, líder do GP Identidade Étnica e Interculturalidade.
Imagem em Pixabay.
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