Opinião
Por que o PT sabe se comunicar tão bem durante as campanhas eleitorais, mas nunca repete a mesma performance ao chegar ao poder?
Por que o PT sabe se comunicar tão bem durante as campanhas eleitorais, mas nunca repete a mesma performance ao chegar ao poder?
De SOLON SALDANHA*
Sempre me foi muito perceptível a enorme diferença existente entre a comunicação do Partido dos Trabalhadores e seus parceiros, quando em campanha eleitoral e depois de eventualmente eleitos. Há um oceano de distância entre uma e outra, tanto nos seus aspectos técnicos quanto na eficiência e eficácia. A primeira em geral é exuberante, mescla informações de qualidade com um apelo emocional na medida certa. A segunda, no entanto, em geral cai de qualidade e não atinge os objetivos aos quais se propõe. Mesmo assim, estava sendo difícil entender as razões. Agora vou cometer a ousadia de tentar estabelecer uma hipótese que, mesmo se for fortemente contestada, quem sabe não possa ajudar no sentido de que se busque compreender as causas, além de ficarmos tantos de nós apenas no campo das conjecturas. Ou da constatação crítica sem a oferta de alguma luz para ser jogada sobre os debates.
As campanhas eleitorais são desenvolvidas em períodos curtos, nos quais as respostas precisam ser rápidas e a ideia/proposta que está sendo “vendida” tem que ser assimilada pelo maior número de pessoas que for possível atingir. Urgência e precisão, somadas ao fato de que os dirigentes dos partidos, as lideranças políticas e a elite entre aqueles que são assessores ou simples militantes estão todos ocupados nas múltiplas atividades da campanha, obriga a delegação de muitas decisões para os que são profissionais da área. Há recursos financeiros e, depois de ser estabelecida uma diretriz, dado um norte, essas pessoas contratadas têm relativa liberdade para agir. Isso resulta em peças profissionais, com o apelo correto e uma linguagem uniforme, uma identidade clara. O que termina sendo muito importante para o resultado final.
Eleito, o governo precisa ser preparado para outros níveis de situações. Começa o rateio de cargos, as ocupações de espaços dentro da máquina pública, até para garantir sua operacionalidade. Então a comunicação também entra nesse bloco e como algo relativamente ambicionado, pela visibilidade, os recursos, a presença efetiva em quase tudo. Deixa de ser um espaço eminentemente profissional e passa a ser algo desejado por políticos que antes não tinham sequer tempo para pensar nisso, uma vez que estavam envolvidos com suas próprias campanhas. Assim se vai o boi com a corda. As novas cabeças pensantes, com posicionamentos diversos e não raros interesses comezinhos, entram em natural conflito. O “achismo” cresce em número e em influência, não sendo suficiente a boa vontade de quem esteja no comando, mesmo que a tenha.
Resumindo, me parece que a diferença entre a comunicação eleitoral e a comunicação governamental, política, está no fato da primeira ser mais profissional que a segunda. Isso além de ser a primeira identificada por sua essencial agilidade, enquanto a outra se engessa entre as pressões e as cobranças. Já se foi o primeiro ano do Governo Lula e o resultado neste campo é pífio. Uma das provas mais recentes, para quem prefere corretamente se debruçar sobre números, foi a queda da popularidade constatada na última pesquisa de opinião. E não me venham com aquela desculpa repetitiva e pobre de desacreditar o que revelam os institutos. Isso só seria possível se todos estivessem mancomunados e, mesmo assim, resultados manipulados cairiam facilmente no descrédito. O que não está acontecendo.
A realidade é que a aprovação do Governo Lula caiu 6%, o que é muito preocupante apesar dos números absolutos ainda estarem altos, na casa dos 54%. Pior: a queda ocorreu também entre pessoas que votaram nele no pleito do ano passado, sendo provavelmente integrantes daquela parcela que fez isso sem ser da esquerda convicta, mas desejosa de retirar Bolsonaro do poder antes que ele destruísse de vez o país. Agora, o mais incrível é que essas mesmas pessoas ouvidas foram convidadas a explicar os motivos da desaprovação, com suas respostas causando espécie. Os três principais fatores alegados foram a piora na economia, o forte encarecimento dos preços da alimentação e a queda nos níveis de emprego. Só que na realidade nenhum destes fatos alegados aconteceu, tendo ocorrido exatamente o contrário. Vejamos caso a caso:
1. Devemos fechar 2023 com um crescimento de 3,2% no Produto Interno Bruto, superando as expectativas mais otimistas do início do ano, quando as apostas giravam em torno de 0,9%. Com isso o Brasil volta para a lista das dez maiores economias do mundo, no 9º lugar, o que não acontecia desde 2019. As exportações tiveram incremento de 3%, o consumo das famílias subiu e voltou a ganhar fôlego o setor de serviços.
2. Após alguns anos de aumento, a cesta básica chega ao final de 2023 com valores estabilizados e uma inflação menor do que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo. O aumento chegará em média a 3%, enquanto o IPCA atingirá 5,8%. Ou seja, ficará na metade da inflação. Aliás, essa será a menor dos últimos seis anos – diga-se períodos dos governos Temer e Bolsonaro.
3. Com os dados oficiais fechados apenas até outubro, ao longo dos dez primeiros meses do ano ocorreram no país 1,94 milhão de admissões e 1,75 milhão de desligamentos. Este saldo positivo de exatas 190.366 vagas formais – são quase 20 mil vagas a cada mês – foi notado nos cinco grandes setores da economia e nas 27 unidades da Federação. E esses números estão crescendo com as contratações de final de ano que, segundo avaliação patronal, irá bater recorde.
Me ative apenas nesses três itens óbvios para mostrar que as pessoas não estão tomando conhecimento da realidade. Um detalhe interessante repousa no fato de que 20% das pessoas ouvidas não soube citar uma única má notícia em relação ao Governo Lula, nas mídias tradicionais. E vejam que elas ocorreram, foram lá plantadas até com uma relativa frequência. Acontece que essas e a maioria da população há muito estão se informando apenas pelas redes sociais, onde a extrema-direita nada de braçada. Quem está centralizando a comunicação governamental, nesse momento, segue cometendo a bobagem de produzir o que atende sua própria bolha. Não fala a linguagem popular, a que as pessoas comuns preferem e entendem. Não produz conteúdos que atinjam de fato as massas.
Lives com o presidente e seus ministros contando o que realizaram, não adiantam muito. Não rendem prestígio, apoio e votos futuros. Apenas valem como uma espécie de prestação de contas para os seus. No mais, todos nós que somos militantes ficamos trocando artigos, participando de seminários e discutindo o sexo dos anjos. Há uma arrogância da qual não estamos conseguindo nos livrar. Você que está me lendo agora e que tem tendência de esquerda, tente lembrar – ou contar – em quantos grupos de WhatsApp seu número está incluído. E se dê ao trabalho de ver quantas mensagens recebe por dia, várias delas repetidas. Admita: você nunca consegue ler todas elas, até porque seria impossível dentro do tempo que lhe sobra ocioso a cada 24 horas. Agora, como TODOS os que estão nesses diversos grupos já têm pontos de vista estabelecidos e praticamente uniformes, com nenhum tendo que ser “convencido” de nada, muito menos de trocar de lado, qual é mesmo a utilidade prática de tal enxurrada?
Está na hora de aprendermos com a extrema-direita. O que não significa passarmos a adotar o mesmo recurso da disseminação de notícias falsas e sim usarmos as mesmas armas para a divulgação de notícias que sejam verdadeiras. Mas, escritas e distribuídas para fora, com a estrutura e os recursos que eles usam. Copiar o método, não o conteúdo. E sair do conforto, reconquistar a periferia, entender a mente evangélica, descobrir o valor da simplicidade e abandonar o academicismo. O que talvez tenha que passar primeiro por uma grande sacudida interna, com a necessária demonstração que o domínio da comunicação governamental não pode estar a serviço de grupo algum, de tendência alguma, não pode servir para reforçar ou alavancar nenhum nome. Ele é estratégico, fundamental mesmo, para que se evite a volta a um passado recente e assustador.
*Jornalista e blogueiro. Apresentador do programa Espaço Plural – Debates e Entrevistas, da RED.
Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades.
Imagem em Pixabay.
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