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Opinião

A rotina dos jovens e o comércio virtual

A rotina dos jovens e o comércio virtual

Artigo por RED
09/12/2023 05:25 • Atualizado em 11/12/2023 21:38
A rotina dos jovens e o comércio virtual

De LUIZ RENI MARQUES*

O adolescente Lucas Santos acordou excitado na manhã da terceira segunda-feira de novembro. Antes de escovar os dentes e pensar no desjejum, abriu o celular e confirmou que sua compra, feita pela internet, havia chegado na portaria do prédio. Aos 16 anos de idade, estudante do ensino secundário, ele disse não saber a última vez que foi a uma loja física, encomenda praticamente tudo que consome de casa, quase sempre sem sequer sair do quarto. Morador de um bairro de classe média de Porto Alegre, há três anos é cliente da Amazon.com, Alibaba, Mercado Livre, e-bay e outros aplicativos de compra, inclusive alguns de que nunca ouviu falar, que acessa por curiosidade e com um certo receio.

O jovem está longe de ser uma exceção e diz que todos os seus amigos regem suas vidas pelas redes sociais. Esse comportamento incomoda seus pais que, no entanto, acabam deixando para lá e desistem de “implicar” com o seu modo de se relacionar e consumir, conta. A adoção do celular e do computador como extensão do seu corpo e mente e instrumentos para conviver com a “turma” e eventuais “crushs”, como eles se referem a namoros, vem sendo estudada e debatida por psiquiatras, psicólogos, sociólogos e professores. Como não faço parte de nenhuma dessas “tribos”, para usar a linguagem da garotada, vou me ocupar do comércio eletrônico, um fenômeno mundial que, segundo o IDC (International Data Corp), já é utilizado por mais de 500 milhões de pessoas em todo o mundo, 15 milhões no Brasil, um percentual superior a 10% da população e que, na faixa até 25 anos de idade, sobe para mais de 50%.

A Amazon.com deu a largada nessa nova modalidade de fazer compras em 1994, seguida pela e-bay no ano seguinte e a Alibaba em 1999, todas criadas como startups. As empresas tradicionais sentiram a mudança e algumas também ingressaram nesse novo sistema de negócios, como a Big, do grupo Walmart. O e-commerce chegou ao Brasil na década seguinte com a Mercado Livre, Submarino, Decolar e outros sites, ganhando, também, a companhia dos aplicativos de compras internacionais. A Americanas.com foi a pioneira no Brasil entre as lojas tradicionais a aderir ao balcão virtual, que hoje conta com a participação de várias concorrentes, entre elas, a Magalu.

No ano passado, o comércio eletrônico somou US$ 9 trilhões em todo o mundo. A China levou a maior fatia, abocanhando US$ 2 trilhões, os Estados Unidos ficaram em segundo lugar, atingindo mais de US$ 700 bilhões. Índia, Reino Unido, Japão, Alemanha, França, Coréia do Sul e Canadá, nessa ordem, vieram logo atrás, todos com valores acima dos US$ 100 bilhões, conforme dados do B2B e Revista Forbes. O Brasil ficou abaixo, com cerca de US$ 35 bilhões e crescimento anual em torno de 20 %, maior que a média global, de cerca de 15%. A participação do comércio virtual global, no ano passado, representou quase 15% do total em relação às lojas convencionais, ficando acima dos 10% no Brasil, onde os departamentos de e-commerce das empresas tradicionais contribuem com a maior parte dos negócios virtuais, ao contrário dos países desenvolvidos, em que predominam as companhias criadas para atuarem exclusivamente dessa forma.

O e-commerce afeta os negócios tradicionais e apresenta margens maiores de lucro porque dispensa a necessidade de lojas físicas, reduz os empregos e outros custos, justamente pelo modo como é praticado, utilizando poucas instalações e colaboradores e dependendo menos da burocracia. O desenvolvimento do comércio eletrônico, por outro lado, fomenta a construção de centros de distribuição para concentrar, facilitar e aproximar as entregas das mercadorias dos compradores. Os grandes aplicativos também estendem seus tentáculos e disputam atividades historicamente desempenhadas por outras empresas. Formam gigantescas frotas de vans, caminhões e drones, investem em aviões e navios próprios, às vezes competindo com as companhias especializadas nesses setores.

Uma característica que está no DNA dos empreendedores de e-commerce é a busca por tecnologias de ponta. Por isso, depois de domesticarem os drones em suas operações, agora testam caminhões elétricos e autônomos, que andam sem motorista. Essas inovações provocam calafrios em empresas convencionais, que sentem seu futuro ameaçado. Mas o comércio virtual, apesar da sua eficiência, lucratividade e crescimento veloz também enfrenta entraves. A cadeia logística é o principal deles, especialmente nos países menos desenvolvidos e mais carentes em infraestrutura, o que afeta o percurso e a segurança das cargas, uma situação que exige muitos investimentos para ser revertida. As altas taxas de devolução de produtos também são motivo de preocupação para as empresas do setor, que estudam fórmulas para minorar o problema.

A expansão do comércio eletrônico, temida por comerciantes, pode não ser o bicho papão pintado por empresários tradicionais. É o que entendem alguns especialistas, que consideram o e-commerce, pela sua facilidade e comodidade proporcionada ao comprador, estimulador do consumo em todo o mundo, aumentando, assim, o dinheiro circulante e, em consequência, gerando novas compras. Por esse raciocínio, ao invés de provocar o fechamento de lojas físicas, ele contribuiria para o seu fortalecimento, como pontos de vendas localizados próximos ao consumidor, ideal para o abastecimento de mercadorias básicas do dia-a-dia e emergenciais, gerando empregos e preservando o convívio social e o comercio de bairro nas ruas das cidades. Os benefícios do comércio virtual envolvem também a sustentabilidade, com a busca das companhias do setor pela utilização de tecnologias novas e mais limpas.

Essas transformações são irreversíveis, portanto, talvez o caminho mais adequado seja o praticado pela família Santos, que convence Lucas a eventualmente abrir mão da tele-pizza e jantar em um restaurante de rua, mesmo que seja uma pizzaria. O adolescente às vezes resiste à ideia, mas acaba aceitando o convite dos pais e gostando do programa. As suas outras saídas são para as baladas e passeios no shopping-center com os amigos e as partidas do seu time de futebol.


*Estudou Direito e História. Formado em Jornalismo. Foi repórter em Zero Hora, Jornal do Brasil, o Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Senhor e Isto É, e correspondente free lancer da Reuters, entre outros veículos de comunicação. Redator e editor na Rádio Gaúcha, diretor de redação da Revista Mundo, professor de Redação Jornalística na PUCRS e assessor de imprensa na Câmara dos Deputados durante a Assembleia Nacional Constituinte. Atualmente edita blog independente.

Imagem em Pixabay.

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