Entrevista
‘Israel nunca esteve tão pressionado e encurralado’, diz especialista em história árabe
‘Israel nunca esteve tão pressionado e encurralado’, diz especialista em história árabe
Para Arlene Clemesha, ação do Hamas pode significar a “derrota política definitiva de Netanyahu”
O temor pelo futuro e a própria vida que sentem os israelenses é uma das novidades que os ataques do último sábado (7), impetrados pelo Hamas, trouxeram para o histórico imbróglio envolvendo Israel e Palestina. Essas sensações colocam pressão no governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que enfrenta problemas internos com a Justiça e tem baixa popularidade no país.
Professora de História Árabe da Universidade de São Paulo (USP), Arlene Clemesha explica que será difícil Netanyahu reagir da forma que gostaria, com força total, intensificando o apartheid da Palestina.
“Cada ação do Netanyahu terá que ser explicada dentro de um contexto político sensível e instável internamente, ele terá muita dificuldade. Israel nunca esteve tão pressionada e encurralada”, explicou Clemesha, que não acredita que o primeiro-ministro conseguirá usar a contraofensiva em território palestino como trunfo interno para alavancar sua imagem e garantir longevidade ao seu governo.
“Seria mais fácil se ele pudesse atacar do céu para terra, sem colocar o pé no chão e sem mais mortes de israelenses. Não é isso que está acontecendo, tem 650 mortos e dezenas de reféns, é uma situação muito nova e Netanyahu está pressionado e com receio. Pode ser a derrota política definitiva de Netanyahu”, analisa a professora.
Pesa na balança contra Netanyahu, explica a Clemesha, o fracasso da inteligência israelense e a condução da política interna.
“Pegou Israel num momento de fragilidade, relativa é claro, da coalizão que governa o país, que tem se preocupado desde o começo do ano em assegurar posições políticas dos seus interesses particulares, como a reforma do Judiciário, que atende o interesse de grupos fundamentalistas e supremacistas e que servirá para proteger Benjamin Netanyahu de futuros problemas com a Justiça.”
Do outro lado do muro, Clemesha explicou que “a grande maioria da população (palestina) é a favor de soluções pacíficas, as pessoas não querem perder seus filhos e familiares. No entanto, se você perguntar e andar pelas ruas hoje, na Palestina ou em Jerusalém oriental, anexada e ocupada, o estado de espírito do palestino é de apoio ao que aconteceu.”
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: O Benjamin Netanyahu tem baixa popularidade em Israel e teve enormes dificuldades na última eleição. A senhora acredita que ele usará a guerra para alavancar sua imagem desgastada ou essa ação do Hamas pode ter sido um novo marco nessa relação?
O diálogo não faz parte do perfil do Netanyahu, ele não está preocupado com uma nova relação com a Palestina, ele quer partir para a força. Ele só não partiu para um ataque maior porque tem israelense dentro da Faixa de Gaza. É importante lembrar que não é só o Hamas, o Hezbollah em solidariedade também atacou Israel, há reféns levados para dentro da Palestina, outros apoios na região podem chegar, então há um configuração complexa, que faz ser difícil imaginar o que virá.
Israel já está negociando com o Hamas, desde o primeiro dia, claro que essas negociações não são declaradas, mas já estão em negociações. As respostas virão por terra, é difícil imaginar que os bombardeios se intensifiquem, por conta dos reféns. Veja, cada ação do Netanyahu terá ser explicada dentro de um contexto político sensível e instável internamente, ele terá muita dificuldade. Israel nunca esteve tão pressionada e encurralada.
Tem elementos preocupantes, também, como a declaração dos EUA de que pode transportar navios de guerra mais para perto da Faixa de Gaza.
As colônias sendo evacuadas, dezenas de colonos saindo da Faixa de Gaza, essa evacuação tem a ver com o medo dos colonos, mas pode ser uma sinalização sobre o tipo de resposta. A escalada será difícil, mas o Netanyahu não conseguirá usar isso como trunfo, seria mais fácil se ele pudesse atacar do céu para terra, sem colocar o pé no chão e sem mais mortes de israelenses. Não é isso que está acontecendo, tem 650 mortos e dezenas de reféns, é uma situação muito nova e Netanyahu está pressionado e com receio. Pode ser a derrota política definitiva de Netanyahu.
Netanyahu sai desmoralizado do episódio? Como fica seu governo?
A ação militar lançada pelo Hamas foi sem precedentes e realmente causou uma surpresa, mas pegou Israel num momento de fragilidade, relativa é claro, da coalizão que governa o país, que tem se preocupado desde o começo em assegurar posições políticas dos seus interesses particulares, como a reforma do Judiciário, que atende o interesse de grupos fundamentalistas e supremacistas e para proteger Benjamin Netanyahu de futuros problemas com a Justiça.
Existe uma política sendo exercida em Israel que é polêmica, que não é unanimidade e que fraturou o país, politicamente e socialmente. Veja, essa política tirou o foco do fortalecimento dos serviços de segurança e Israel convive com manifestações contra esse governo, que tem atuado para o enfraquecimento das instituições democráticas. Então, é um momento crítico para Israel e essa ação militar do Hamas conseguiu pegar de surpresa os israelenses, tomando vinte colônias no entorno da Faixa de Gaza, sequestrando colonos e o saldo de mortos que eu vi foram 650 vítimas (do lado de Israel), isso é sem precedentes.
Há uma desmoralização do governo muito forte. Israel não esperava que isso pudesse acontecer com eles. Os analistas israelenses mais críticos se perguntam ‘como não imaginavam? Por décadas e décadas, Israel faz isso com os palestinos, o exército israelense invade casas de palestinos na madrugada e não imaginavam que uma resposta bem organizada e concatenada seria colocada em prática em algum dia?’. Não imaginavam, porque é costume em toda guerra prolongada não perceber as qualidades e forças do inimigo. Isso aconteceu no Vietnã, os EUA subestimou as forças vietnamitas. A questão agora é saber qual será a reação.
A população palestina apoia a ação do Hamas?
A grande maioria da população é a favor de soluções pacíficas, as pessoas não querem perder seus filhos e familiares. No entanto, se você perguntar e andar pelas ruas hoje, na Palestina ou em Jerusalém oriental, anexada e ocupada, o estado de espírito do palestino é de apoio ao que aconteceu, eles esperavam de algum lado uma ação que aponte para uma defesa da situação que eles vivem.
Já faz algum tempo que a bandeira da Palestina não é erguida com eficácia pela OLP (Organização para a Libertação da Palestina), muito menos pela Autoridade Palestina. A OLP entrou num processo de paz, aceitou todas as exigências do processo de Oslo e foi controlada, ela não é mais aquela organização que representa a resistência do povo palestino.
Então, quando o Hamas organiza essa ação, mesmo sabendo que haverá resposta, há apoio da população civil, mesmo que silencioso, um sentimento de que há alguém defendendo os palestinos.
É inevitável que o sentimento seja esse, mesmo sabendo que a escalada será terrível. Isso se vê, tenho recebido relatos de que os ânimos em Jerusalém são de apoio. As pessoas sentem muito, não são a favor da violência, mas não conseguem condenar o que o Hamas fez.
Os líderes políticos do Ocidente correram para cortejar Israel. Como a senhora viu a reação desses países?
Infelizmente, não surpreende, é o que o mundo tem feito há 75 anos, fechando os olhos para a expansão territorial contínua e a expulsão populacional contínua do povo palestino.
É lamentável, porque nenhuma solução será alcançada sem o apoio do mundo, a questão da Palestina foi um problema criado pela comunidade internacional reunida na ONU em 1947 e a solução não virá com um ou dois países mediando, será com o esforço de toda a comunidade internacional. Essas declarações também tem o reiterado apoio à solução de dois estados, que também é uma declaração que ofusca qualquer possibilidade de solução, porque essa solução de dois estados é uma ‘não-solução’, porque garante a manutenção de todo o sistema de ocupação. Essa solução está morta.
O que poderia substituir? Descer ao mais básico do básico e condenar o apartheid, dizer que o apartheid precisa terminar e que os direitos humanos precisam ser respeitados naquele território. As lideranças mundiais sabem que a solução de dois Estados favorece ao lado mais forte. Hoje, são 750 mil colonos dentro da Cisjordânia, a população está embrenhada uma na outra, como resolver isso? Israel diz que anexará a Cisjordânia, só que não sabe o que fazer com a população.
Conteúdo do Brasil de Fato
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