Ciência e Tecnologia
O Brasil, a América Latina e o Seleto Grupo Mundial de Países e Regiões que Dominam e Detêm Expertise na Manufatura de Chips
RED
Por ADÃO VILLAVERDE*
Dados levantados pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), em dezembro de 2024, dão conta que segmentos de alta tecnologia crescem acima da indústria de transformação tradicional do país. Evidenciando que de janeiro a setembro de 2024, algumas atividades neste campo, chegaram quase ao dobro da tradicional neste período.
Estes resultados necessariamente nos fazem refletir acerca de um tema, que é a batalha pela tecnologia que move o mundo nos dias de hoje, que são o domínio e a expertise da manufatura de semicondutores.
Atualmente, os nominados chips, estão presentes em todos os lugares. Todos os processos inovativos emergente apresentam uma nítida dependência destes dispositivos, sendo eles atualmente o quarto produto mais comercializado no mundo. Primeiro vem o petróleo bruto, depois o refinado e por fim os automóveis. Mas para se ter uma ideia do alcance dele, é ao mesmo tempo conformador e estruturante destes três primeiros que hoje o superam comercialmente. Ainda que exemplos possam ser reducionistas, um automóvel pode trazer hoje em sua tecnologia embarcada na casa de uns 3 mil chips.
Evidente que sua cadeia de suprimentos e valor não é trivial, envolve várias etapas de design e industrialização, que se inicia com a necessária e fundamental formação de pessoas, passando pelo desenvolvimento e projetos, indo para a produção dos dispositivos semicondutores, chegando ao seu encapsulamento, e finalmente, completando seu ciclo fundamental como produto final, alcançando o consumidor.
Do ponto de vista do mercado de aplicações, em torno de um terço dele envolve as áreas de i) redes e comunicações, o outro terço a área de ii) processamento de dados e o último terço, abrange as iii) áreas industriais de um modo geral, bens de consumos eletrônicos, setor automotivo e o que nominaríamos de e-gov.
Seu mercado global deve fechar em 2024 na casa de US$ 624 bi, projetando para o fim da década, valores na ordem de US$ 1,5 tri.
Vive-se um momento de rearranjo na sua cadeia produtiva mundial, portanto uma alteração na conjuntura do setor, onde os investimentos passaram a ser mais consistentes, bastante resilientes e de caráter estratégico. Buscando uma manufatura global desconcentrada do Pacífico do Leste (onde está quase 80% dela), que foi catalisada pela Covid e a guerra Ucrânia-Rússia, de modo que hoje examina áreas com mais segurança política e jurídico-legal, para se reinstalar ou instalar-se.
Esta região, era constituída de países mais atrasados e inexpressivos economicamente que o Brasil, mas que no pós guerra e na quarta parte final do século passado, realizaram suas estratégias de missão de Nação. Dando um salto enorme, se transformando em referenciais tecnológicos e inovativos mundiais, ganhando o nome de Tigres Asiáticos, por suas agilidades, aceleração e pelos seus rápidos crescimentos e desenvolvimentos no campo da alta tecnologia.
É neste contexto, que aparece ou amplificou-se o que se nomina de The Chip War (Chris Miller, 2023), onde os USA no seu programa Chips and Science Act , projeta investimentos na casa de US$ 280 bi, até o fim da década; e a China no seu Semiconductors Future, está prevendo US$ 1,4 tri, portanto 5 vezes mais que os investimentos americanos.
Ou seja, o tema semiCon é i) business, pelos números acima, um mega-negócio, tem um valor ii) soberano do ponto de vista científico-técnico, tem um iii) caráter geopolítico de Nação e será portador de uma perspectiva de enormes demandas nos processos de iv) descarboinização e da transição energética
No Brasil, não partimos do zero, já temos um Ecossistema de SemiCon, com 08 empresas de design house (projetos), umas 10 de back end (encapsulamento) e 02 com capacidade de front end (fabricação), além de importantes instrumentos de políticas governamentais de apoio, como o Programa de Desenvolvimento ao Desenvolvimento Tecnológico - Padis -, o recentemente aprovado Brasil SemiCon e a Lei de Informática - LI -. Que foram decisivos para sua retomada, sobretudo nas etapas de design house e backt end, que são as áreas de projetos e encapsulamentos, mas que foram responsáveis também pela implantação do setor, junto com o Programa Nacional de Microeletrônica - PNM -, em solo brasileiro, no final da década de 90 do século passado e na primeira década deste.
Possuímos também requisitos e elementos chaves para a manufatura de chips, nominado front end, com fábricas, salas limpas, água ultrapura, filtros de ar, equipamentos e RH, que são os casos da CEITEC, que está sendo retomada. E a Unitec, que pelo que se sabe, não entrou em funcionamento e sequer ainda tinha sido comissionada, ou seja, não havia recebido os requisitos normativos para suas atividades de operação.
E mais, e muito importante, temos um mercado mundial bastante amplo, para chips nominados maduros no sistema CMOS, uma tecnologia de semicondutor que usa transistores; e também, um cenário promissor se descortinando às novas rotas de dispositivos de potência, sobretudo a partir dos temas decorrentes da descarbonização e transição energética. Que nossa fábrica de solução completa, a CEITEC, irá implantar/adaptar em solo riograndense, com o recente anúncio de R$ 220 milhões pelo MCTI/FINEP/FNDCT.
É neste cenário que vale levantar duas reflexões fundamentais, de um lado os gargalos que tem o setor localmente e que devem ser superados; de outro algumas recomendações fundamentais, sobretudo na forma de propostas.
Agora com o Programa Brasil SemiCon, devemos também atualizar os instrumentos que temos de política para o setor: Programa Nacional de Microeletrônica -PNM-; o PADIS, que já avançou muito; a Política de Desenvolvimento Produtiva - PDP -; o Processo produtivo Básico – PPB -; Programas CI Brasil - CI BR -; a LI; a Lei do Bem, dentre outras. E colocar em prática o impulsionamento dos desafios de intensividade em P&D que setor tem, voltar a formar e repatriar RH, usar as encomendas governamentais e poder de compra para impulsionar o setor, ter uma estratégia global do país para a área e apoiar e ajudar para que empresas do setor tenham seus Business Plan’s concertados com demandas nacionais de mercado, mas também na busca intensa do enorme mercado mundial existente para os dispositivos de semicondutores.
Por fim, algumas considerações e recomendações, na forma de propostas.
Sem domínio na manufatura de chips, não tem transferência digital soberana, ela será subordinada, e economias nesta lógica podem fenecer.
Existe mercado para Chips Maduros no sistema CMOS ou para dispositivos de potência, numa nova rota tecnológica, com o descortinar alvissareiro das fundamentais políticas de descarbonização e transição energética.
Entretanto os investimentos devem ser feitos em base a evidências e critérios. E para isto seria fundamental se fazer uma Estudo Rigoroso de Mercado dos produtos que país importa, intensivos em SemiCon, constituído das seguintes etapas: i) Localizar zonas ou nodos tecnológicos dos importados; ii) ver quais poderíamos fabricarmos ou montarmos localmente; iii)) no caso de front end: ou por upgrade no Sistema CMOS ou pela via dispositivos de potência em Nova Rota Tecnológica de SiC, por exemplo; e por fim, iv) só daí, poderíamos fazer previsões factíveis de break-even (receita igual a despesas), conforme curva de maturação do sistema CMOS ou de dispositivos de potência. Sem aquilo que ao fim e ao cabo muitos fazem, que são tomar decisões nos “achismos”, sem nenhuma base de evidências.
E por fim mesmo, tudo isto é para que o Brasil mergulhe definitivamente, no seleto grupo mundial de países e Nações, que dominem e detêm expertise na manufatura de chips. E junto com a América Latina se incorpore definitivamente na cadeia global fornecedora destes dispositivos, que para muito hoje, é nominado como o “petróleo” limpo do milênio.
* Adão Villaverde é Engenheiro, Professor de Gestão do Conhecimento e da Inovação Escola - Politécnica PUCRS e Assessor de SemiCon - TECNOPUC
Foto da capa: Chip brasileiro - Crédito: Divulgação
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