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Opinião

Não são eventos, são processos

Não são eventos, são processos

Artigo por RED
20/09/2023 05:25 • Atualizado em 22/09/2023 08:37
Não são eventos, são processos

De LEONARDO MELGAREJO*

Me apropriei, já no título, de definição certeira adotada por Fernanda Damaceno, na estreia de novo programa do Brasil de Fato, relativamente aos desastres ambientais que nos afligem.

De fato, somos induzidos a crer que as secas devastadoras dos últimos anos, assim como o drama desta inundação sem precedentes, o esvaziamento do tecido social nos territórios rurais, o avanço do modo fascista de ser e o domínio do agronegócio ecocida sobre os recentes ocupantes do Piratini e suas decisões, seriam “coisas da vida”.

Resultados de desígnios divinos independentes, isolados e sem conexão com a raiz que os determina e alimenta, demandariam nossa paciência. Afinal, como todas aquelas coisas que vêm do nada, em algum momento as dores dessa crise também acabarão passando, e serão esquecidas. Se não por todos, ao menos por aqueles que estão vendo o que se passa desde longe, pelo Zap ou pela TV.

Assim sendo, distraídos com este tipo de leitura simplificada, acabamos deixando de perceber que a destruição da lei gaúcha dos agrotóxicos e o desmonte de nossa legislação ambiental estão entre as principais causas destas tragédias. Ok, o aquecimento climático é um fenômeno global, e o El Niño deste ano vinha sendo anunciado como terrivelmente poderoso. É verdade. Mas não é menos real o fato de que o agravamento da crise climática, entre nós, se apoia nas omissões e atitudes de nossos gestores públicos.

Afinal, aquelas alterações em fundamentos da proteção ambiental foram instauradas em clara ofensa aos interesses da população gaúcha, sob patrocínio entusiasmado de representantes de nossa sociedade e em favor de um modelo produtivo excludente, predatório e ambientalmente irresponsável, que desde sempre só beneficia a alguns. Os arranjos por eles desenvolvidos, coisa de gente pouco respeitosa à informação científica, aos direitos humanos e à capacidade de resiliência dos ecossistemas, com apoio/cobertura da mídia corporativa, não podiam dar em outra coisa.

Eles nos trouxeram ao estado atual e desenharam o que está por vir. E o pior virá. Afinal, como bem enunciou a Fernanda Damaceno, no programa acima referido, estamos imersos em um processo que se revela em eventos fortemente desiguais em termos de sentido e impactos (para a maioria, sempre muito negativos).

O avanço de monocultivos dependentes do uso massivo de agrotóxicos, somado ao perdão/estímulo a crimes ambientais, ao desnudamento de matas ciliares e áreas declivosas, à compactação e à desertificação de solos, está a cobrar seu preço. A redução na capacidade de absorção e retenção da água no solo estabeleceu novo padrão para a força, a velocidade, o volume e a violência de seu escorrimento superficial.

Com isso, a repetição do que ocorreu no Vale do Taquari/Antas é algo que se anuncia como parte dos males futuros, que demandam urgente posicionamento da sociedade.

Ou mantemos a distração que permitiu gestores irresponsáveis ocuparem o Piratini e comprometerem nosso futuro, e embora vítimas seremos seus cúmplices, ou acordamos e colocamos nossas capacidades à serviço de uma sociedade mais humana, mais justa. As ações dos próximos dias, em apoio ao programa de recuperação das áreas afetadas e as eleições de 2024 dirão quem somos, o que queremos e o que merecemos.

Por hora resta aprender com o exemplo daqueles que estendem a mão, e repartem o pão. O MST gaúcho mobilizou centenas de ex-sem terra e seus familiares, e já distribuiu mais de 15 mil marmitas aos flagelados e está ajudando a recuperar o pouco que restou, nos territórios arrasados. E nós?

Bom, nós todos, inclusive o governador Leite e os golpistas que o bajulam, temos muito a aprender com eles, sobre dignidade e respeito humano. Mas não basta entender, é preciso agir.

Colabore com as atividades do MST em apoio aos flagelados desta grande enchente doando qualquer valor em PIX para Cooperativa Terra Livre, CNPJ 10.568.281/0001-37.

Finalizando, acompanhe conversa sobre o grande Congresso Brasileiro de Agroecologia, com a presidente da Associação Brasileira de Agroecologia, Fernanda Savicki de Almeida.


*Engenheiro Agrônomo, mestre em Economia Rural e doutor em Engenharia de Produção. Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio  e presidente da AGAPAN. Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.

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