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Vai ter Copa. Não vai ter golpe.

Vai ter Copa. Não vai ter golpe.

Artigo por RED
12/09/2022 00:23 • Atualizado em 14/09/2022 12:02
Vai ter Copa. Não vai ter golpe.

De SERGIO ENDLER*

Eleições e futebol integram, mobilizam e comovem milhões de pessoas na vida brasileira desde o século passado. No segundo semestre de 2022, logo, de modo acelerado e díspar o calendário aponta para a realização de votação presidencial, em primeiro turno, dia 02 de outubro. E para a estreia da Seleção Brasileira de Futebol, na Copa do Qatar, dia 24 de novembro, a seguir. Assim, eleitores e cidadãos conviverão sob elevada demanda para as suas escolhas de consciência e política. E milhões de torcedores, a seguir, vivenciarão farto elenco de novas e fortes emoções.

Serão acontecimentos importantes, fatos relevantes e históricos. Mas estabelecidos em esferas políticas, esportivas e midiáticas diferentes, independentes, além de ter uma cronologia sucessiva no próprio calendário, com as suas datas específicas.

Para o senso comum, os resultados esportivos e as vitórias políticas constituem interrelacionamento direto, homólogos. Entretanto, neste corrente ano, não haverá hipótese para uma nova testagem desta miríade. Quando a Copa do Mundo iniciar, em novembro, já saberemos quem será o próximo presidente da República, bem como teremos a nominata completa de senadores, governadores, deputados federais e estaduais eleitos.

Enquanto toda esta enorme apuração eleitoral não acontece, no entanto, a concepção mítica de uma existente homologia entre os acontecimentos esportivos, os resultados em campo e o processo político eleitoral perdura.

Mas Copa do Mundo e eleições gerais ocorrem em lógicas e racionalidades próprias, embora muitos não pensem em concordância com isto. São conjuntos de ações que ocorrem, diferentemente, em campos simbólicos próprios, embora intercomunicáveis. A intercomunicação que ocorre não produz relação de sobredeterminação de resultados.

Para parte da cidadania nacional e para o senso comum, a vida política, eleições e vitórias no futebol são, praticamente, sinônimos ao ungir, unir e consagrar seus vencedores. A história, entretanto, prova o contrário. Isto é, não se constata a homologia, em absoluto.

No Brasil atual, num dos polos que habita a paixão brasileira, está o elenco de jogadores treinados pelo gaúcho Tite, que vai para o Qatar após protagonizar a melhor campanha em jogos pelas Eliminatórias em todos os tempos. E que acena com a definição de lista final de convocados, com todos nomes e funções da delegação que irá à Copa do Mundo.

No polo político, por outro lado, movimenta-se em turbilhão o conturbado processo eleitoral brasileiro. Embora demonstre aspectos de crise e sintomas próprios de toda sociedade democrática, o Brasil oferece processualidade única, em cenário com dificuldades inusitadas, sobretudo, para seus eleitores que querem apontar e consagrar escolhas cidadãs.

A iniciar pela singularidade contraditória de termos o voto civil obrigatório, as eleições nacionais ofertam partidos políticos em demasia, com uma excessiva destinação de verbas partidárias pagas pela população, uma concentração de oferta de candidatos homens e brancos, em detrimento de mulheres, negros e pardos, acrescido da não regulamentação de marco legal para propaganda e uso democrático de redes sociais, entre outros fenômenos adversos.

Enfim, diariamente, o processo eleitoral brasileiro se mostra agitado, indefinido em muitos aspectos, sob riscos cotidianos e até sob as duras ameaças de não realização do pleito, a contar por aquelas empreendidas, sobretudo, pelo próprio presidente da República e seus aliados.

Logo, por sobrados motivos, até o momento, o agendamento cotidiano produzido e exibido pelo conjunto da mídia brasileira recai com destaque para as notícias, reportagens, comentários e debates sobre o processo eleitoral brasileiro, em detrimento quer seja do Selecionado de Tite, ou até mesmo da realização da própria Copa do Mundo.

No contexto da lógica midiática atual, a Seleção Canarinho perde de goleada enquanto foco de atenção e interesse dos conglomerados de mídia, das redes e, logo, da sociedade.

Pode-se dizer que mídia e sociedade se entrelaçam na mesma justa racionalidade e urgência. E apostam nas eleições como o caminho preferencial para avançar rumo a melhor patamar para a civilização brasileira.

Após cinco semestres sob a implacabilidade de óbitos causados pela covid-19, sob a constatação do retorno do flagelo da fome para 33 por cento da população, constatando a continuidade do desemprego para mais de 11 milhões de brasileiros, somados aos 5 milhões daqueles que já desistiram, inclusive, de procurar por vagas, no cenário de maioria constituída por pobres e empobrecimento geral e continuado de todas as camadas sociais, acrescido de cerca de 3 milhões de famílias cadastradas e ser receber o Auxílio Brasil governamental – justifica-se: o processo eleitoral se ergue como a alternativa única de caminho democrático para o desenvolvimento econômico e construção de justiça social urgente e necessária.

Na arena eleitoral, Lula da Silva desponta com primazia, como o escolhido em primeiro lugar na maioria das pesquisas para retornar à presidência da República. Intensão de voto manifesta e válida tanto para o primeiro quanto para o segundo turno do pleito, diante de qualquer um dos candidatos existentes.  Congelado em segundo lugar, após sucessivas pesquisas, ao longo de todo o ano, está o atual presidente da República.

No calendário das efemérides para este ano, é importante destacar, as eleições antecederão a Copa do Mundo. E, portanto, o próprio cronograma dos acontecimentos quebra a possibilidade lógica de algum resultado esportivo, positivo ou negativo, vir a influenciar sobre a escolha pelo voto para a presidência do Brasil.

Golpe militar não garante vitória na Copa do Mundo

Sob a ótica de uma observação cronológica, analítica e histórica, ainda, se pode ressaltar a singularidade do desempenho do futebol brasileiro durante todo o período de regime militar imposto ao país a contar de 31 de março de 1964.

Naquele longo período de 21 anos, após o golpe militar, com o subsequente governo autoritário, o protagonismo em campo não foi sinônimo nem de vitórias, nem de garantias de sucesso futebolístico no Mundial, nem de bons resultados associados para o Brasil. O que ocorreu, de fato, foi o contrário. Isto é, em cinco Copas disputadas somente numa o país sagrou-se campeão.

No período de exceção política, entre 1964 até a eleição e posse de José Sarney, com início da chamada Nova República, a Seleção Brasileira disputou cinco Copas do Mundo. A saber: 1966, 1970, 1974, 1978 e 1982. O Selecionado foi campeão somente em 1970, sob o regime militar.

Sob outra leitura, se pode destacar, igualmente, que, de todas as cinco Copas do Mundo conquistadas pela pentacampeã Seleção Brasileira de Futebol, quadro destas foram comemorados sob governos e presidentes eleitos democraticamente. Logo, sob ditadura militar, o Brasil venceu somente a Copa do Mundo do México, à época, sob o governo de Garrastazu Médici.

Vale relembrar, a seguir, os nomes dos presidentes e as respectivas datas das Copas vencidas sob a democracia republicana brasileira: A Seleção foi campeã pela primeira vez em 1958, com Juscelino Kubitschek na presidência da República. E sagrou-se bicampeão do mundo sob o governo eleito do presidente João Goulart, em 1962. Em 1994, na Copa dos Estados Unidos, o país obteve o inédito tetracampeonato, sob o governo de Itamar Franco. E, em 2002, conquistou o penta, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso, então, eleito pelo voto em seu segundo mandato.

Sem conexão entre resultado no futebol e nas urnas

São vários os exemplos históricos eleitorais em que se constata não haver existido uma conexão direta entre o resultado obtido em campo pela Seleção Brasileira e os resultados das eleições nas urnas, sobretudo, para a presidência da República.

Em 1998, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso se elege, como candidato da situação, já no primeiro turno da votação, após derrota traumática e rumorosa do Selecionado Brasileiro diante da França, equipe dona da casa que se sagraria campeã naquela Copa.

Já em 2006, Lula da Silva vence as eleições, mesmo diante do insucesso do selecionado brasileiro, em Copa do Mundo vencida pela Espanha.

No ano de 2010, indicada por Lula para a sua sucessão, Dilma Rousseff surpreende e se torna a primeira mulher presidenta da República do Brasil, mesmo após o fracasso da Seleção Brasileira na Copa da África do Sul.

A mesma candidata Dilma Rousseff será reeleita, em 2014, em disputadíssimo segundo turno, contra o candidato tucano Aécio Neves. Naquele ano, o Brasil sediou e perdeu a Copa do Mundo, traumaticamente. Foi o pior resultado jamais protagonizado em jogos pelo Selecionado nacional. Em campo, a Seleção Brasileira sofreu seu maior vexame, sem sequer chegar à final, ao ser derrotada pelo Selecionado da Alemanha, nas semifinais, com implacável placar de 7 gols a 1.

Na realidade, em 2022, o que todo coração civil brasileiro almeja, para além do inédito hexacampeonato de futebol, no Qatar, é poder fazer pleno uso de outro título singular, o título eleitoral.

Pelo voto consciente, o Brasil precisa tornar-se, de fato, campeão em direitos civis, sob estado democrático de direito, com investimentos robustos em ciência, tecnologia e acesso à educação para população em geral, em todos os níveis. O Brasil precisa tornar-se campeão em justiça social, em igualdade racial e de gênero, com justa distribuição de renda, acesso universal à saúde e pleno emprego. Campeão na defesa do Meio Ambiente e preservação de seus recursos naturais, na defesa irrestrita da sua cultura popular e do seu imenso patrimônio nacional material e imaterial.

E quando, na Copa do Qatar, na hora exata da bola rolar, com todas as 32 seleções em disputa, que vença o melhor em campo e nos jogos, como diria aquela máxima antiga e sábia de torcedor brasileiro.

Até lá, para nossa resiliência, emoção ou reflexão, podemos ouvir o convite especial de Chico Buarque, na gravação de “Que tal um samba?”, ao som também do magnífico bandolim de Hamilton de Holanda.

*Jornalista Doutor em Comunicação Social, professor na Unisinos e membro da equipe de coordenação da RED.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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