Opinião
Millôr Fernandes
Millôr Fernandes
De ALBERTO CALLADO*
Quanto mais fico conhecendo Millôr Fernandes, mais fico com a certeza de que além do talento inegável, foi uma espécie de precursor do tucanato na área do humor. Era dono de um humor refinado. Como todo o humorista da época – ele passou boa parte de sua carreira em plena ditadura – não queria ter a pecha de ser de direita e para isso usava o biombo do rótulo de anarquista. Até pouco tempo atrás, humoristas se sentiam constrangidos de serem acusados como direitistas. Hoje, como tudo, eles “soltaram a franga” e adoram ser chamados assim. Claro, desde que tal condição, graças a internet principalmente, virou nicho de mercado rentável. Não estou comparando aqui a qualidade do humor da turma de direita hoje com ele. A diferença gritante de qualidade do humor dele impede este tipo de comparação.
Cheguei a esta conclusão ao perceber que seu humor era feito bem ao gosto da classe média analfabeta política. Nele vem a costumeira gozação em cima da classe política como se ela fosse um ET e não um reflexo da sociedade. Também, a chiadeira contra impostos – e não contra sua injusta distribuição onde muito ricos não pagam – muito comum nestas plagas. Mais antecipador do humor de direita impossível. Lembro ainda que ele achava Henry Ford mais importante e revolucionário que Marx por ter inventado o automóvel.
Esta semana, por exemplo, li na página de um amigo um aforisma dele desqualificando o Brasil. Aquele velho complexo de vira- lata travestido de crítica social que a mim não engana. Também, é dele aquela frase, que cabe bem no receituário neoliberal, de que jornalismo é oposição. O resto é “secos & molhados”. Como assim, cara pálida? Depende do que o governo representa e faz. Isso é jogar para a torcida. Nem levo em consideração a história, aventada por Tarso de Castro, de que foi o único do Pasquim que não foi preso porque pairam dúvidas sobre ela. Concorre contra sua veracidade o fato de que Millôr ajudou muito o Pasquim enquanto o pessoal estava encanado.
*Segundo o autor, Alberto Callado é um semiheterônimo, que fala o que ele cala. Seria seu lado mais ressentido, mais pontudo. Sensível, mas meio tosco. Para ele, é desnecessário dizer que é um pastiche de Fernando Pessoa. No mais, ele tem muito do autor e por isto ele o deixa a vontade para se expressar do seu modo, acomodando um jeito desajeitado, que também é do autor, de ser e pensar.
O autor ainda lembra que alguém poderá dizer que é mais um biombo que ele criou para expressar um lado mais bagual. Segundo ele, não concorda, mas pode ser que estejam com a razão. Fernando Pessoa costumava dizer que seu heterônimo Bernardo Soares era ele mutilado. Neste caso, não sabe o que dizer. Apenas que parece até algo tão eficaz como os óculos de Clark Kent que impede Lois Lane, amor platônico, de reconhece-lo como Super Homem.
Foto: divulgação na internet.
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