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Valencia, Porto Alegre e o Planeta em Agonia

Valencia, Porto Alegre e o Planeta em Agonia

Geral por RED
21/11/2024 08:30 • Atualizado em 22/11/2024 12:08
Valencia, Porto Alegre e o Planeta em Agonia

Por CELSO JAPIASSU *

As tempestades e inundações que atingiram o leste da Espanha, principalmente a região de Valência, provocaram 210 mortes confirmadas e um número desconhecido de desaparecidos. As chuvas torrenciais causaram grandes estragos. Valência recebeu em 8 horas mais água do que nos 20 meses anteriores. Os valencianos, revoltados com a falta de ação das autoridades na prevenção do desastre, jogaram lama no rei Felipe VI, na rainha Letizia e no primeiro-ministro Pedro Sanchez quando eles faziam uma visita de
solidariedade aos moradores.

A cidade vivia uma tragédia que serve como um lembrete sombrio das ameaças que a humanidade enfrenta. Não há mais dúvidas de que as mudanças climáticas são a causa dos problemas ambientais que ocorrem hoje em todas as regiões do planeta. O aquecimento global, causado principalmente pela emissão de gases de efeito estufa, está levando a um aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como
foram as enchentes em Valencia e, pouco tempo antes, em Porto Alegre, onde foram confirmadas quase cem mortes. O nível do rio Guaíba atingiu 5,33 metros, o maior da história.

Tanto em Valencia quanto em Porto Alegre houve atrasos na emissão de avisos à população, que não está preparada sobre como agir em caso de inundações.

A ciência comprova que a causa desses dois desastres, como a de outros eventos extremos em todo o mundo, foi a emissão de gases poluentes, principalmente CO2, CO e SO2, a queima de combustíveis fósseis, leia-se petróleo, desmatamento e queimadas e as atividades industriais intensivas. As consequências são o aumento da temperatura média global, derretimento das calotas polares e aumento do nível do mar.

Agora mesmo terminou o mês de outubro e o Serviço para as Alterações Climáticas do Copérnico registrou num gráfico como as temperaturas médias dos meses de 2024 têm estado bastante acima das temperaturas médias do ano passado. Os cientistas já se permitem declarar que estamos perante o ano mais quente desde sempre.

Junto a isso, dizem os cientistas, nos centros urbanos as pessoas começam a ter problemas respiratórios e cardiovasculares e dá-se a formação de ilhas de calor, chuva ácida e o efeito estufa. A poluição da água compromete a saúde humana e os ecossistemas aquáticos. Sobrevém a falta de água. A degradação do solo afeta a biodiversidade e a produção de alimentos e as causas imediatas são o uso intensivo de agrotóxicos, a mineração e a atividade industrial. O solo perde a fertilidade, os lençóis freáticos são contaminados.

 

A destruição

A humanidade provoca a própria destruição. A perda acelerada da biodiversidade ameaça a estabilidade dos ecossistemas com o desmatamento e a destruição do habitat das espécies, caça e pesca predatórias, com impactos na segurança alimentar e na saúde humana.

“A era do aquecimento global acabou, disse o secretário geral da ONU Antônio Guterres. Começou a era da ebulição global”. Os termômetros já acusam mais de cinquenta graus centígrados em algumas regiões do planeta. O mês de julho deste ano foi o mais quente de que se tem notícia desde que começaram a se fazer registros da temperatura na Terra. Os dados foram confirmados pelo Copernicus, programa de observação da terra da União Europeia.

A Expedição Mosaic, que explorou o Ártico durante 389 dias a bordo do quebra-gelo alemão Polarstern, defrontou-se com a surpresa de muito pouco gelo no Polo Norte. O líder da expedição, Markus Rex, disse que “se as alterações climáticas continuarem como estão, em algumas décadas teremos um Ártico sem gelo no verão”. E acrescentou que viu apenas uma calota derretida, fina, com lagos a perder de vista. Voltou com uma certeza: “o Ártico está dez graus mais quente que há vinte e cinco anos”. Antje Boetius, diretor
do instituto alemão Alfred-Wegener, que coordenou a expedição, disse que a placa de gelo polar tem metade da espessura que tinha há 40 anos. O Conselho de Direitos Humanos da ONU publicou seu relatório destacando que os países mais pobres serão os mais afetados pela fome e pelas doenças
que se intensificarão com as mudanças no clima.

O Acordo de Paris, um protocolo em que 194 países se comprometem a reduzir a emissão de gases poluentes, foi assinado em 2015 e esteve sob ameaça de fracasso quando o segundo maior emissor, os Estados Unidos, responsáveis por quase 18% da poluição mundial, retiraram sua assinatura em 2020, no governo Trump, mas voltaram em 2021.

A ONU declara que as alterações climáticas representam uma emergência sem precedentes. Nunca a destruição foi tão rápida e a comunidade internacional está falhando no combate a essa crise. Os últimos cinco anos foram os mais quentes de toda a lembrança humana e a temperatura média aumentou quase 1 por cento. A Organização Mundial de Meteorologia – OMM – acredita que, na trajetória atual, o mundo caminha para um aumento de temperatura de 3 a 5 graus Celsius até o final do século.

 

O consumismo

Os hábitos de consumo dos povos, a obsolescência programada e o desleixo na gestão de resíduos, aliados à baixa conscientização sobre reciclagem e reutilização agravam a deterioração do meio ambiente com a poluição do solo, água e ar. Há proliferação de vetores de doenças e impactos na vida marinha devido ao lixo plástico nos oceanos.

Eventos como as enchentes em Valencia e Porto Alegre são sintomas da amplitude dos problemas ambientais complexos e interconectados. Os cientistas recomendam enfrentá-los com ação governamental, inovação tecnológica, mudanças nos padrões de consumo e produção e, o que talvez seja mais difícil, um compromisso de todos os países com a sustentabilidade. Talvez seja a única maneira de garantir um planeta habitável para as gerações futuras.

Em todos os encontros oficiais para tratar do clima, nos editoriais da imprensa, em todas as discussões sobre o assunto e mesmo diante da opinião pública internacional, o Brasil durante o governo Bolsonaro foi condenado como um grande vilão, um dos maiores responsáveis pela ameaça à vida no planeta. A Europa ameaçou rejeitar o acordo comercial com o Mercosul, que levou mais de vinte anos de negociações, por causa da posição do Brasil diante dos problemas do meio ambiente. A condenação tem como causa não apenas a destruição das florestas, dos rios e dos pântanos criadores, mas também pela indecente posição do governo de extrema direita no Brasil diante de um problema que o mundo inteiro considera muito grave porque se refere à própria sobrevivência das espécies, entre elas a humana. Desde a posse do Governo Lula, respira-se uma atmosfera de distensão, mas ainda faltam as ações necessárias.

A ONU declara que as alterações climáticas representam uma emergência sem precedentes. Nunca a destruição foi tão rápida e a comunidade internacional está falhando no combate a essa crise. Os últimos cinco anos foram os mais quentes de toda a lembrança humana e a temperatura média aumentou quase 1 por cento. A Organização Mundial de Meteorologia – OMM – acredita que, na trajetória atual, o mundo caminha para um aumento de temperatura de 3 a 5 graus Celsius até o final do século. A Terra poderá ser inabitável. E a humanidade terá de procurar outro planeta para onde se mudar.

 

*Celso Japiassu é autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número  (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).

Foto de capa: Gilvan Rocha/Agência Brasil\Gilvan Rocha/Agência Brasil

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