Opinião
Três funcionários de carreira derrotam o “meu exército”
Três funcionários de carreira derrotam o “meu exército”
De EDELBERTO BEHS*
Ele declarou que estava sendo crucificado por um presente que não recebera. Mas recebeu e, pressionado pelo Tribunal de Contas da União, acabou devolvendo, na sexta-feira, 24, o que disse que não recebera: relógio, abotoaduras, anel e um tipo de rosário, todos da famosa marca suíça Chopard, mais um punhado de armas presenteadas por autoridades da Arábia Saudita.
O presente das joias desnuda um capitão a seu último âmago: mentiroso, contrabandista, enganador que recorre a um slogan político – deus, pátria, família – sem qualquer coerência nas suas atitudes enquanto presidente da República e muito menos como cidadão.
Agora se compreende melhor as falas e feitos do capitão. Quando se referia ao “meu exército” fica evidente o que quis dizer com isso: aqueles militares de quem procurou se servir para se apossar do que não lhe pertence e, o pior, para buscar apoio em golpes de estado, todos frustrados.
O “meu exército” tem em suas fileiras militares golpistas, general que manda bilhete ameaçador ao STF, generais que permitiram acampamentos em frente a quartéis, comandantes que não interferiram nas invasões de 8 de janeiro.
O escândalo das joias explicita outro agrupamento do “meu exército” capaz dos mais espetaculares malabarismos para agradar o capitão. A começar pelo ex-ministro das Minas e Energia, Bento Costa Lima Leite de Albuquerque, almirante da Marinha. Primeiro, disse tratar-se de joias à Michelle, mas depois mudou a versão, eram para o acervo da presidência.
Curioso. Depois da apreensão das joias que seriam pra Michelle pela Receita Federal, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid, um dos assessores mais próximos do capitão, enviou emissário ao Aeroporto de Guarulhos para rever as joias. Daí seguiu um sargento da Marinha, Jairo Moreira da Silva, em avião da FAB, para dar um carteiraço no pessoal da Receita do Guarulhos.
Tem mais. O ex-assessor do coronel Cid, Cleiton Henrique Holszchuk, enviou e-mail do ajudante de ordens do capitão ao chefe da Receita Federal, Júlio Cesar Vieira Gomes, para que as joias fossem liberadas. Não foram, mas Gomes foi indicado, no finalzinho do governo do capitão, para um cargo na Embaixada em Paris, abortado por Haddad. As joias aprendidas estavam na mochila do assessor de Bento Albuquerque, Marcos André dos Santos Soeiro.
Tanta fidelidade e esmero merecem um prêmio. O tenente-coronel Mauro Cid foi aquele militar que era para assumir o 1º Batalhão de Ações e Comandos de Goiânia, posição sustentada, teimosamente, pelo comandante do Exército Júlio César de Arruda contra a vontade do presidente Lula e que, por isso, foi substituído pelo general Tomás Ribeiro Miguel Paiva, que não é “do meu exército”.
As consequências do “meu exército” no campo da saúde, então, foram mortais. Não tem explicação lógica o cancelamento de compra de vacinas determinada pelo capitão, ordem obedecida pelo general. Depois, como justificar a incompetência (?) quanto à perda de 39 milhões de vacinas contra a covid que perderam a validade?
Dados agora divulgados pelo Ministério da Saúde informam que cerca de 2 milhões de doses, doadas pelos Estados Unidos (!), perderam a validade ainda em 2021; outros 9,9 milhões expiraram em 2022; e em janeiro deste ano foram perdidas 27,1 milhões de vacinas!
Se relacionarmos esse descaso com a vacinação de combate a um vírus que matou 700 mil brasileiras e brasileiros com o cuidado que o governo do capitão dispensou aos Yanomamis chegaremos a um resultado que leva ao genocídio? Como explicar, senão o interesse em exploração mineral a todo custo, inclusive de vidas, a invasão de 20 mil garimpeiros na maior reserva indígena do país, com a colaboração do “meu exército”?
Vejam só: o “meu exército” foi barrado, primeiro, por um servidor concursado do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda, que denunciou o encaminhamento de compra irregular da vacina Covaxin superfaturada; depois pelo servidor da Receita Federal, Marco Antônio Lopes Santanna e seu chefe Mario de Marco Rodrigues Sousa, que sofreram pressões várias do “meu exército” até o penúltimo dia do governo do capitão para liberarem joias femininas no valor de 16,5 milhões de reais. Em tempos recentes, ameaçavam mandar um cabo e um jipe do “meu exército” para fechar o STF.
O capitão afirmou em entrevista à TV Record que entrega as armas, que recebera de presente, “com dor no coração”. Normal, para quem é “especialista em matar”. Das mortes por covid, alguma dor, capitão?
*Professor, teólogo e jornalista.
Imagem em Pixabay.
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