Opinião
Sete de setembro
Sete de setembro
De SOLON SALDANHA*
A data de hoje marca, simbolicamente, o nascimento do Brasil enquanto país livre e soberano – não pretendo discutir aqui esses conceitos e sim aceitar ambos como realidade, para encaminhar outras questões. Ao registrar no gesto do Imperador Dom Pedro I o instante exato em que deixávamos de ser uma colônia para assumirmos o nosso destino como nação, o sete de setembro se tornou um patrimônio comum a todos os brasileiros. Como se fosse momento de um segundo aniversário de cada um de nós, nos irmanando com a terra natal e nos concedendo uma forte identidade. E sempre foi assim, até quatro anos atrás.
Nesse período recente, para que você pudesse comemorar a data, para que tivesse o direito de sair às ruas vestindo as cores verde e amarelo, passou a ser exigido que fizesse parte de um “clube”. Essa permissão só era concedida se você comungasse também de certas ideias. Houve a apropriação de símbolos nacionais por um grupo, enquanto a maioria das pessoas passou a ser composta de “barrados no baile”. Foi esquecido de propósito que a riqueza de uma nação vem justamente da capacidade de ser plural, da soma de muitos pensares distintos, se constituindo como multifacetada justamente para ser singular. Não haveria futebol se existisse um time só; mal existiria a música, se apenas um compositor ou estilo pudesse ser tocado. E o que seria das artes plásticas, da ciência, da literatura, da arquitetura, se a padronização fosse norma?
Ser excludente não tem nada de patriótico. São os detentores dessa associação de ideias que, no passado, queimaram livros e fecharam universidades. Que falavam em nome da liberdade enquanto a restringiam. Que usavam a palavra de Deus ao mesmo tempo em que feriam de morte todo e qualquer princípio de fato religioso. Vimos isso, por exemplo, nas décadas de 1930 e 1940, na Europa. Assim como também presenciamos a tentativa do renascimento dos mesmos propósitos agora, não apenas no Brasil, mas com o nosso país sendo um dos (maus) exemplos mais relevantes nesse processo.
No ano passado, quando se comemorava 200 anos da Independência, uma data que poderia ter sido explorada como momento de exaltação, o que se viu foi ela ser marcada pelo coro de “imbrochável” sendo puxado pelo então presidente. Um neologismo para identificar aquele que está a salvo de quaisquer falhas na sua ereção – como se houvesse homem com essa capacidade. O que, convenhamos, deveria interessar apenas a ele e para a pessoa que com ele divida momentos íntimos. Em 2021 a cena dantesca foi apresentada por meia dúzia de tanques de guerra, fumacentos e obsoletos, desfilando após terem sido precedidos por uma ameaça de golpe militar. Em ambas as ocasiões, o mesmo boquirroto tratou de atacar o Supremo Tribunal Federal, em especial na figura de um dos seus ministros. Afinal, tendo a caneta do Executivo nas mãos e o controle de um Legislativo por uma maioria venal, o terceiro e último poder que poderia impedir quaisquer dos sistemáticos ataques à democracia, o Judiciário, precisava ser combatido.
Em 2023, o ano no qual o Brasil está vendo outra vez a luz do dia, no qual as trevas que ainda existem enquanto ameaça estão neutralizadas momentaneamente, o Governo Federal propõe um chamamento cívico sob o slogan “Democracia, Soberania e União”. Claro que dificilmente se conseguirá a cura do paciente, que foi ferido de morte, em curto prazo. Mas, se ele sair da UTI já se pode declarar que foi uma vitória. Ainda mais se a oposição bolsonarista tiver sucesso no seu intento, pois está propondo que as pessoas usem nas roupas e janelas o preto no dia de hoje. Se isso acontecer, indiretamente estará devolvendo as cores verde e amarela para o povo brasileiro. E com elas a bandeira, o hino e tudo mais que andou restrito ao cercadinho.
Eu quero isso tudo de volta. E que ninguém mais possa ou precise sentir vergonha ao demonstrar seu amor à pátria. Esses símbolos são nossos, são de todos. O Brasil tem que seguir sendo múltiplo, complexo, inexato, humano, uma obra construída por milhões de mãos e vontades. Ele é multiétnico, multicolorido e pode até seguir problemático, nos cobrando uma luta constante pela melhora e pela evolução. Pela queda da desigualdade, pela distribuição mais justa da riqueza, pela diminuição da violência e, essencialmente, pelo respeito. Só não pode mesmo ser fascista. Brochamos todos por quatro longos anos. Mas, acreditem, a felicidade está voltando. Com as vitórias de 30 de outubro do ano passado, na resistência em 8 de janeiro deste ano e, quem sabe, agora com esse 7 de setembro.
P.S.: Caros bolsonaristas! Brocha é assim mesmo, com as letras “C” e “H”, não como vi em postagens suas no ano passado – andei revendo agora. Broxa com “X” é um pincel de pintura de paredes. Mas, se preferirem algo menos usual, se trata de um pássaro hematófago, na mitologia judaica. Ele se alimenta do sangue de cabras, durante a noite, como se fosse assim um morcego, com a diferença que esse último existe. Também há citações que o apresentam como uma espécie de vampiro, do período medieval. Seria capaz de voar, mudar de forma e prever o futuro – não me perguntem como faria isso. Teria um Broxa previsto sua derrota nas urnas, na disputa presidencial? Cá entre nós, seria a suprema ironia.
O bônus deixado pelo autor é a música Mais Uma Vez, de Renato Russo:
*Jornalista e blogueiro. Apresentador do programa Espaço Plural – Debates e Entrevistas, da RED.
Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades.
Imagem destacada: Ilustração criada pelo Governo Lula para a programação do 7 de setembro de 2023.
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