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Opinião

Quando virá o “mea culpa” da imprensa?

Quando virá o “mea culpa” da imprensa?

Artigo por RED
17/12/2022 14:30 • Atualizado em 18/12/2022 18:18
Quando virá o “mea culpa” da imprensa?

De EDELBERTO BEHS*

Cobrado pela imprensa em diferentes momentos da recente história da República, o Partido dos Trabalhadores (PT) era instado a “fazer autocrítica”, “o mea culpa” de erros cometidos em sua trajetória no poder ou mesmo depois de ter sido impichado. Foi assim no “mensalão”, no “petrolão”, nas “pedaladas fiscais” quando, recorrendo a métodos pouco jornalísticos e investigativos, queria Lula e Dilma à margem da política.

Em que período aparecerá o tempo propício para que militares façam uma autocrítica – e olha que tem pano pra manga desde os tempos da ditadura! E o tal de mercado, com suas jogatinas na bolsa de valores? O Poder Judiciário, que manda pra cadeia e depois admite que o processo foi mal conduzido? E a mídia, ah, a mídia…?

Quando da entrevista com o candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva, na noite de 25 de agosto, durante o Jornal Nacional, o apresentador William Bonner abriu a matéria afirmando que o petista, investigado pela Operação Lava Jato, teve anulada pelo STF a condenação no caso do triplex e outras ações, e enfatizou: “Portanto, o senhor não deve nada à Justiça”.

Partindo do conglomerado de comunicação mais poderoso do país, não deixa de ser um reconhecimento importante. Mas seria essa conclusão de Bonner suficiente para um “mea culpa” da Globo, que dispendeu minutos e mais minutos no mesmo Jornal Nacional denunciando Lula e vazando informações privilegiadas repassadas por Moro? O Estado foi condenado, há poucos dias, a pagar indenização ao Lulinha e esposa pelo vazamento de Moro sobre conversar pessoais, grampeadas a mando da Lava Jato! Moro faz as suas peripécias e a União paga, ou seja, nós pagamos! Até mesmo o escritório dos advogados de defesa de Lula foi grampeado! Pode?

Ora, os estragos que a Lava Jato produziu no país, não só com a quebradeira de empresas, mas também de imputações desastrosas a investigados, com escutas telefônicas até mesmo em áreas palacianas, não cabem apenas num reconhecimento “o senhor não deve nada à Justiça”. Onde fica a autocrítica dessa imprensa que não investigou, comeu da mão de autoridades que tinham interesses escusos e condenou, não raro, mesmo antes da sentença judicial, supostos réus que, agora se viu, não eram bem réus, mas bodes expiatórios?

Será que essa mesma imprensa vai cobrar uma autocrítica do presidente que está deixando o cargo? A lista de reparos é enorme. Na rasteira da Lava Jato, que deu um empuxo na candidatura de Bolsonaro, o Brasil, sob Bolsonaro, encontra-se em estado lastimável, a começar nas áreas da saúde, economia e educação, sem entrar muito nas relações internacionais e na cultura.

De qual partido a imprensa cobraria, afinal, um “mea culpa”? Do Partido Social Liberal (PSL), que elegeu Bolsonaro em 2018, ou do Partido Liberal (PL), pelo qual ele disputou a reeleição em 2022? Será que Bolsonaro tem condições psicológicas e cognitivas para construir uma autocrítica? Pelos modos grosseiros que tratou jornalistas, especialmente mulheres, no cercadinho do Alvorada, quando indagado de ações questionáveis do seu governo, ele mostra que não reúne a mínima compostura de um ex-presidente de olhar no retrovisor e avaliar o seu governo.

E o que dizer dos tantos e quantos “pastores” que usaram templos e púlpitos para propagandear a candidatura Bolsonaro? Não são eles que recomendam o arrependimento seguido de uma mudança de vida para alcançar a glória dos céus, ou melhor, o paraíso já na Terra com a sua teologia do “dar o dízimo que serás retribuído por Deus”? Eles ajudaram a estender a rede de fake news país afora, conduzindo as “ovelhas” para o aprisco das mentiras. Realizarão um ato de contrição pelos “pecados” cometidos em campanha?

Sempre na defesa de interesses de uma elite econômica, mandachuva, retrógrada, mas com discursos de modernidade, de defesa da democracia e “interpretando a vontade” do povo, a grande imprensa colocou o governo Vargas contra a parede, apoiou o golpe cívico-militar de 1964, elegeu o caçador de marajás, incentivou o impedimento da presidenta Dilma Rousseff foi um sustentáculo da Lava Jato, ajudou a colocar Lula na cadeia, defendeu a candidatura de Jair Messias Bolsonaro no segundo turno de 2018 e …

Estará arrependida? Os jornalões que em 1964 aplaudiram o golpe viram, com a introdução do Ato Institucional nº 5, em 1968, que tomaram o barco errado. O governo de exceção estabelecia que a imprensa só podia divulgar a versão oficial sobre o combate ao terrorismo.

Depois veio a censura, com militares instalados em redações fazendo a leitura de notícias e reportagens, liberando a publicação analisada total, parcialmente, ou mandando-a para a lata do lixo. Os editores substituíam as matérias censuradas com a publicação de receitas de bolo, poemas, versos de Camões, versículos bíblicos, literatura de cordel, publicidade da própria casa… Para engrossar o caldo, em 1969 entrou em vigor a Lei de Segurança Nacional que botou em cana jornalistas que questionavam o governo.

Essa mesma imprensa corporativa selou, em matérias de opinião, reportagens, que jamais houve na história do Brasil tanto roubo na esfera pública como no período do PT no poder. Até hoje Lula está marcado com a pecha de “ladrão”. Por acaso alguma ONG, organização que trabalha com estatísticas, pesquisa histórica ou até mesmo a imprensa desenvolveu um “corruptometro” para concluir que o PT foi o partido que mais roubou no Brasil? Brasileiros têm memória curta. Durante a construção de Brasília, quantas denúncias apareceram de superfaturamento de obras?

Já estão mais do que esquecidos os casos:

Banestado, anos 90;

Capemi, cometido durante o regime tido como “sem corrupção”;

Montepio da Família Militar, Coroa-Brastel;

Ferrovia Norte-Sul;

O cofre do Adhemar de Barros;

Fazer autocrítica é bom, meritório, saudável. Sim, é papel da imprensa ser voz crítica do poder. Mas com responsabilidade e integridade. É imprescindível que também faça autocrítica aquela instituição que a exige dos outros. Para quem foi “sócia” na divulgação de informações privilegiadas promovidas pela Lava Jato é pouco, insuficiente, assinalar apenas que “o senhor não deve nada à Justiça”!

Quanto a Globo e cia. “devem” de informação investigativa, reportagens equilibradas, notícias sem factoides, apurações de denúncias, apuração!!! – Não as do tipo “caiu no meu colo e vou divulgar”, como se todo denunciante não tivesse algum interesse em culpabilizar o denunciado. Enfim, quando essa imprensa vai observar as regras mais elementares contidas em qualquer Manual de Redação? E para pastores “politizados” uma olhadela nas Escrituras, principalmente nos evangelhos e nos livros dos profetas já seria um começo!


*Professor, teólogo e jornalista.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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