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Opinião

Por que questionar o racismo estrutural numa hora dessas?

Por que questionar o racismo estrutural numa hora dessas?

Artigo por RED
20/03/2023 18:30 • Atualizado em 22/03/2023 09:59
Por que questionar o racismo estrutural numa hora dessas?

De MOISÉS MENDES*

O sociólogo Muniz Sodré (foto) disse em entrevista à Folha, nesse domingo, que não há racismo estrutural no Brasil. A tese está em seu novo livro, O fascismo da cor (Vozes).

Mexeu numa vespeira, porque o racismo estrutural está presente em quase toda a argumentação antirracista há muito tempo.

Muniz Sodré é um dos grandes do pensamento brasileiro, e parte das suas reflexões tem foco na cultura negra. Atira no conjunto de argumentações defendidas por Silvio Almeida, advogado, professor, pesquisador, ativista do movimento negro, especialista em direitos humanos.

Formado em direito e filosofia, autor de Racismo Estrutural (Editora Jandaíra), de 2019, Almeida é negro e ministro de Direitos Humanos de Lula, depois de quatro anos de domínio branco e fascista nessa área no governo de Bolsonaro.

Por que questionar o conceito de racismo estrutural numa hora dessas? É uma pergunta inevitável. A direita e a extrema direita vão se divertir.

A contestação acadêmica de Muniz Sodré vai, com certeza, parar nos tribunais, como base para argumentações jurídicas ao alcance de gente das estruturas racistas.

Publico abaixo dois trechos. No primeiro, um trecho de entrevista da Silvio Almeida à Folha em 26 de novembro de 2020. Depois, um trecho da entrevista de Muniz Sodré.

Este é o trecho de Silvio Almeida:

“O Brasil é um país que se organizou de forma especialmente hostil contra a população negra. Isso pode ser visto desde a violência presente nas relações cotidianas até no escárnio e negacionismo demonstrado pelas mais altas autoridades da República quando se referem ao tema.
O racismo não é uma questão pontual ou um efeito da “desorganização social”, mas é o próprio modo de ser da sociedade brasileira.
O assassinato de João Alberto Silveira Freitas, um homem negro, nas dependências do supermercado Carrefour (no dia 19 de novembro de 2020), não foi o primeiro caso de violência racial em circunstâncias parecidas. Mas o fato de ter ocorrido no Dia da Consciência Negra e no ano marcado pelos protestos contra o assassinato de George Floyd nos EUA permitiu que se pudesse atentar de modo mais detalhado para a repetição de elementos comuns nesses casos de violência, algo que reforça a existência de uma estrutura racista.
(…) E se ainda não bastasse, as mais altas autoridades da República resolveram negar a existência de racismo no Brasil. Há mais do que desrespeito nessas afirmações. Existe a vocalização de um pacto pela morte, uma vez que a negação do racismo é um salvo conduto para que negros e negras continuem sendo assassinados sem que ninguém assuma a responsabilidade.
O Brasil não é um país seguro para pessoas negras. E é importante não apenas que o mundo saiba disso, mas que sejam criadas estratégias que tratem o racismo em toda a sua complexidade”.

Abaixo, o trecho da entrevista de Muniz Sodré em entrevista à Folha nesse domingo, 19 de março de 2023:

“O conceito de estrutura (para definir racismo estrutural) é um conceito complexo. Primeiro, tenho que advertir que não tenho nada contra falar em racismo estrutural, porque acho que, do ponto de vista político, é bom, é fácil. Dá um ancoramento para a ideia de racismo aqui no Brasil.
Mas eu digo que ele não é estrutural. Parto de coisas simples, como a frase do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, quando ele disse que, no Brasil, as estruturas são feitas para não funcionar. Ele está falando da estrutura jurídica, da estrutura econômica, e é verdade. As estruturas aqui são feitas para não funcionar. Por que a única a funcionar seria o racismo?
Acho que o racismo funciona exatamente porque ele não é estrutural. Minha visão é que o racismo que existia no Brasil estava consolidado e ligado à escravatura. Portanto, a estrutura escravista existia. Há um livro do historiador Jacob Gorender em que ele mostra a estrutura existente na escravidão. Outros ensaístas, como Alberto Torres, mostram que era uma estrutura que funcionava.
O Brasil se sustentou na escravidão, foi ela que fez a acumulação primitiva [de capital] aqui e foi a coisa mais bem-organizada neste país. Mas isso acabou com a Lei Áurea. Ao contrário do que acham alguns amigos meus escritores negros, a Abolição não foi uma farsa. Ela efetivamente acabou com a sociedade escravista e, portanto, acabou com a estrutura escravista, mas não acabou com o racismo. São duas coisas diferentes.
(…) Ele é institucional (o racismo). Defino no livro o que é estrutura. É um termo muito preciso na sociologia e na filosofia. O conceito pressupõe uma totalidade fechada de elementos interdependentes. Você pode falar, por exemplo, da estrutura jurídica: a doutrina do direito se reflete nos tribunais, no processo penal, nas leis. Isso é estrutural”.


*Jornalista em Porto Alegre. Foi colunista e editor especial de Zero Hora. Escreve também para os jornais Extra Classe, Jornalistas pela Democracia e Brasil 247. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).

Imagem: reprodução.

Publicado originalmente no Blog do Moisés Mendes.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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