Opinião
Por que estou de parabéns?
Por que estou de parabéns?
De GISELE AGLIARDI*
Eu queria muito escrever sobre o Dia Internacional da Mulher. Escrevi e apaguei algumas ideias ao longo da última semana. Tudo parecia tão óbvio, tão dito tão exaustivamente todos os dias pelos gritos sufocados das mulheres. Desisti.
Acordei cedo neste dia 8. Com a cara amassada de uma noite mal dormida (minha filha está com tosse e certamente as outras mães entenderão o que quero dizer com noite mal dormida), peguei o celular para ver se havia alguma urgência e me deparei com uma enxurrada de “parabéns” em todas as redes sociais possíveis de instalar no meu smartphone. Entre lavar a cara, arrumar a mochila, abrir as janelas, fazer o desjejum da filha, ligar o computador de trabalho, marcar consulta por causa da tosse e verificar a previsão do tempo para escolher a roupa que a pequena iria para a escola, eu fiquei pensando: parabéns pelo que, afinal?
Será que estão nos dando parabéns por aguentar a privação de sono (utilizada até como forma de tortura) da maternidade (boa parte das vezes) compulsória? Ou por arcar com os cuidados da casa em que não somos as únicas adultas funcionais, mas que por algum motivo somos as únicas responsáveis por limpar a sujeira de todos? Não, deve ser bobagem da minha cabeça…
Os parabéns devem ser por estudarmos mais, alcançando escolaridade maior, e produzirmos mais que os homens no mesmo cargo e ainda assim ganharmos 37% menos, segundo estudo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) divulgado nesta semana… Isso no Rio Grande do Sul que, vejam só, se considera progressista e desenvolvido… Ou talvez por termos jornada quádrupla… (Jornada dupla é para os “fracos”, mulher arca mesmo é com jornada quádrupla: trabalho formal, trabalho de casa, estudo e filhos… e pasmem, sozinhas…isso quando não temos jornada sêxtupla, colocando no combo a exigência de tempo de “qualidade” para o marido e um trabalho extra para pagar a escola do filho, já que o pai sempre atrasa a pensão… ) Já falei da privação de sono, né? Ah, sim… o cansaço me fez esquecer… Mas não… acho que não é por isso, afinal, somos mulheres, a gente aguenta…
Tá, então, pensando melhor, os parabéns devem ser porque estamos expostas a violência a todo instante e em qualquer lugar, visto que, só no Brasil, a cada hora 26 mulheres sofrem agressão física… Ou talvez porque, a fim de evitar isso, a gente ainda tem mais a carga mental de pensar na roupa que vamos usar para cada ocasião. Não, não… Não é isso não, já sei… Deve ser por termos sempre que estarmos lindas em qualquer situação, buscando sempre a “melhor versão”, e escondendo o que a sociedade julga feio, apesar de natural, como pelos ou quilinhos a mais. Mesmo que para os homens isso seja charme, para nós é desleixo…
Ah, veja minha cabeça, a jornada não é sêxtupla, é séptupla, já que tem que ter o tempo da academia para manter o bumbum firme para sempre. Apesar que dizem que isso deve estar incluso no tempo de lazer (lazer?), já que é muito agradável usar o raro tempo de descanso para fazer exercícios que deixam o corpo dolorido ou procedimentos estéticos invasivos e caríssimos. Pois é, outra bobagem minha. Aliás, lembrei que não tomei meu suco verde hoje pra desintoxicar do doce que comi ontem… Que gafe, minha celulite vai gritar hoje, espero que ninguém veja, pois falharei como mulher e não serei merecedora dos tais “parabéns”…
Pois é… não consegui chegar a um consenso do porquê dos parabéns… Ou vai ver não sou merecedora dele mesmo… Pelo menos é o que a sociedade grita todos os dias em meus ouvidos, abafando aqueles gritos que citei lá em cima, na maioria das vezes, de socorro. Deve ser bobagem minha mesmo… Ainda bem que não escrevi sobre o Dia Internacional da Mulher… O patriarcado agradece quando nos calamos e desistimos… deve ser por isso os “parabéns”…
*Jornalista editora do site da RED. Mulher, mãe e feminista.
Imagem em Pixabay.
As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.
Toque novamente para sair.