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Entrevista

PEC da Transição vai ficar no meio-termo entre o que quer o governo e a oposição, prevê Marcelo Castro

PEC da Transição vai ficar no meio-termo entre o que quer o governo e a oposição, prevê Marcelo Castro

Politica por RED
03/12/2022 09:30 • Atualizado em 03/12/2022 19:57
PEC da Transição vai ficar no meio-termo entre o que quer o governo e a oposição, prevê Marcelo Castro

Entrevista no Congresso em Foco

A menos de um mês para terminar o ano de 2022, o relator do orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirma que tem implorado aos parlamentares: “Me aprovem a PEC com qualquer coisa para que eu possa fazer o orçamento”. Se o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva deseja começar tendo aprovada a Lei Orçamentária Anual (LOA), a previsão quanto a qual será esse valor depende da aprovação da chamada PEC da Transição, que abre espaço para despesas na área social além do teto de gastos. Saber o tamanho da autorização para o gasto além do teto é que definirá de quanto será o orçamento. Ou seja, o trabalho de Marcelo Castro está atado á aprovação da PEC.

É também o relator do orçamento quem negocia a tramitação do texto da PEC. Quando ele diz que pede a aprovação de qualquer coisa, Marcelo Castro reconhece ser um exagero. Na verdade, ele advoga para que a PEC dê ao orçamento do ano que vem espaço para a recomposição de despesas que acabaram ignoradas na proposta original de LOA. Isso significa garantir não apenas os recursos para o pagamento de R$ 600 ao Bolsa Família (a proposta enviada pelo governo Bolsonaro garante dinheiro para pagar somente R$ 400), mas também diversas outras despesas que ficaram inviabilizadas.

Nesta entrevista ao Congresso em Foco, Marcelo Castro diz considerar que há um consenso no Congresso no sentido de que é preciso garantir os recursos para o Bolsa Família e outras despesas. Por outro lado, certamente o Congresso não dará ao novo governo carta branca para gastar quanto quiser. Assim, o senador considera que o resultado final será um meio-termo entre o que o novo governo de Lula deseja e o que defendem aqueles que querem entregar a ele o mínimo.

Uma construção, porém, que vai precisar ser feita em muito pouco tempo. Marcelo Castro estima que a PEC esteja aprovada no Senado na próxima semana, para que, então, possa tramitar na Câmara. Com tempo para em seguida se iniciar a votação do orçamento. Para ser aprovada, uma PEC precisa do voto favorável de três quintos, em duas votações em cada Casa. Leia abaixo a entrevista:

A PEC da transição será aprovada sem problemas?

Eu não diria que sem problemas. Percebo que há um consenso no Congresso quanto á necessidade de garantir recursos para o pagamento do Bolsa Família e outros benefícios. Agora, quanto de recursos e por quanto tempo, é que é a discussão. Entendo que a própria equipe de transição vendo a reação do Congresso propôs [a autorização para deixar as despesas sociais fora do teto de gastos] por quatro anos. Eu estou vendo um posicionamento muito forte a favor de um ano. Alguns querem estressar o governo porque são oposição. Prevejo que um prazo de dois anos, tecnicamente, seria o mínimo necessário para o país funcionar no próximo ano. Acho que vamos convergir para dois anos. Estou trabalhando nessa ideia de convencer as pessoas de não ser só por um ano.

O governo de transição aceita essa saída?

Vai ter de aceitar. Os interlocutores dele estão chegando à realidade de que será isso daí. Não dá para ser um ano. Em abril do ano que vem, o novo governo já terá de enviar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) com a previsão para 2024. O novo governo vai mandar a LDO em abril baseada em quê? Se a PEC não for por dois anos, já em abril o governo teria de enviar nova proposta para abrir espaço no orçamento outra vez. Outra PEC? Não me parece razoável aprovarmos uma PEC agora em dezembro e outra entre janeiro e abril. Seria um estressamento desnecessário que só vai trazer prejuízo ao país. Do ponto de vista técnico, eu e consultores do Senado defendemos que seja por ao menos dois anos.

E quanto ao valor?

Deverá ficar entre o valor da PEC do Tasso Jereissati e a sugestão da PEC da equipe de transição, portanto, algo entre os R$ 80 bilhões que o Tasso propõe e os R$ 175 bilhões que propõe o novo governo.

Por quê?

A outra proposta, do Alessandro Vieira, excepcionaliza só o acréscimo do Bolsa Família, que são R$ 70 bilhões. Não fica um centavo para repor as rubricas orçamentárias em deficiência. Não temos de onde tirar os recursos para essa demanda. Não temos recurso para a Farmácia Popular. Podemos fechar o orçamento sem recursos para a Farmácia Popular? Não. Vamos tirar dinheiro de onde? Só podemos remanejar as despesas discricionárias. Com as obrigatórias não posso fazer nada. Isso corresponde a cerca de 95% do orçamento, são intocáveis. Só podemos deslocar as despesas discricionárias, onde estão os investimentos.

Para recompormos as faltas, precisamos do espaço orçamentário aberto pela PEC. A proposta do Tasso é interessante porque inverte a lógica. A nossa lógica é de excepcionalizar do teto isso ou aquilo. Ele propõe o aumento do teto. Aí você bota o que for essencial. Ele propõe aumentar o teto em R$ 80 bilhões. Só R$ 70 bilhões iriam para o Bolsa Família. Porque são R$ 52 bilhões para completar os R$ 600 do Bolsa Família e R$ 18 bilhões para atender às crianças até seis anos com R$ 150. Se aumentarmos o teto em R$ 80 bilhões, sobrarão R$ 10 bilhões. É muito pouco.

O que, além do Bolsa Família, precisaria ser reposto?

Só para a saúde precisaríamos de pelo menos R$ 22 bilhões. O orçamento da saúde previsto para o próximo ano é R$ 16,6 bilhões a menos que o previsto para este ano. Como queremos pôr fim à fila do SUS para cirurgias eletivas, conforme proposta da senadora Simone Tebet, isso implicaria mais R$ 8 bilhões.

Se formos para o programa habitacional, nunca tivemos um momento tão crítico quanto hoje. Há dez anos o orçamento do Dnit [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes] era em média de R$ 15 bilhões. Teve ano que foi de R$ 20 bilhões. Neste ano são R$ 6,7 bilhões. O orçamento do Dnit é um terço do que foi há dez anos. Isso não dá nem para manter as rodovias do país quanto mais para construir. Não temos nada para cultura, para a ciência e tecnologia, para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, áreas nevrálgicas que estão sem orçamento.

Não temos saída senão furar o teto de gastos nesse valor?

Nas discussões da transição, apareceu uma proposta do Nelson Barbosa, que foi ministro da Fazenda, para acalmar o mercado. O orçamento de 2022 corresponde a 19% do PIB brasileiro. Se nós colocarmos os mesmos 19% no PIB de 2023, nós vamos aumentar no orçamento que está sendo proposto para o próximo ano R$ 136 bilhões. O que ele está dizendo: olha, mercado, não se estresse, não há razão, porque este ano nosso orçamento corresponde a 19% do PIB, se colocarmos os mesmos 19% nós vamos aumentar R$ 136 bilhões. Não há irresponsabilidade fiscal.

Com essa projeção vai dar R$ 150 bilhões, que é perto dos R$ 175 bilhões propostos pela equipe de transição. Não é o fim do mundo. São argumentos. O prazo tenho razões para achar que vai convergir para dois anos. Em relação ao valor, ainda não tenho informações suficientes, mas temos esses dois extremos, de R$ 80 bilhões, R$ 175 bilhões e a justificativa do Nelson Barbosa que está mais próxima dos R$ 175 bilhões, que é mais uma justificativa técnica.

Por que chegamos a esse orçamento inviável?

No governo Dilma Rousseff, havia ideia do mercado e de todos de que havia irresponsabilidade fiscal, que o país tinha se desencaminhado, que tinha muito subsídio, que havia gastança muito grande, e que com isso veio inflação, estouro das contas públicas e aconteceu o que aconteceu. Quando Michel Temer assumiu, veio uma reação muito grande a essa gastança. Ele chamou o Meirelles [Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda], que era o cara que tinha credibilidade junto ao mercado, e deu carta branca a ele para mostrar ao mercado que, com ele, o negócio seria oposto ao que estava acontecendo. Ele propôs o teto de gastos, uma medida heterodoxa, dizendo que você podia gastar até tanto.

Temos dois tipos de despesa no orçamento, as obrigatórias, como a de pessoal, e as discricionárias. As despesas obrigatórias vêm crescendo ano a ano, acima da inflação. Se essas despesas estão crescendo e o teto está estacionado, a consequência é que estamos comprimindo ano a ano as despesas discricionárias, que são os investimentos. O investimento do Brasil no ano que vem é o menor da história. São R$ 22,4 bilhões. É o mesmo que São Paulo vai investir no próximo ano. E São Paulo é proporcionalmente um estado que não investe muito. Ceará e Bahia investem muito mais. Mesmo assim, é um estado só. Eles querem investir isso no Brasil.

Aumentar o teto é uma ideia interessante, engenhosa. Em vez de excepcionalizar isso ou aquilo outro, você abre espaço fiscal maior. O teto hoje é de R$ 1,9 trilhão. Então R$ 80 bilhões é pouco. Se ele tivesse proposto aumentar R$ 130 bi ou R$ 150 bilhões, por outros caminhos, estaríamos chegando ao mesmo lugar. Aí seria não por um ano, mas seria para sempre. Nós aumentaríamos o teto e ele seria corrigido pela inflação.

Por que essa ideia não foi a escolhida pela equipe de transição?

Estamos brigando porque há despesas que não são possíveis de realizar. O governo vai ter este ano excesso de arrecadação de mais de R$ 200 bilhões. Qual a consequência disso? Nenhuma, porque tem o teto e você não pode gastar.

Independentemente do que vier a acontecer, o senhor acha razoável a ideia inicial do governo de retirar do teto as despesas sociais?

Sou dessa linha. A fome é uma vergonha para a humanidade. O mundo se desenvolveu tecnologicamente, gasta bilhões em armamento, e a humanidade passa fome. É um negócio terrível.

Uma única vez o Brasil saiu do mapa da fome, em 2010. A ONU reconheceu. Voltamos de novo. Nós somos uma das maiores economias do mundo, os terceiros maiores produtores de comida do país. É uma vergonha ter voltado para o mapa da fome. A sociedade deveria fazer um pacto: fome jamais.

Ainda há prazo para aprovar a PEC e depois o orçamento?

Vencemos todos os prazos. Agora temos de contar em horas. Temos de aprovar a PEC na próxima semana no Senado, correr para a Câmara para que eu possa fazer o orçamento de 2023. Estou na dependência. O orçamento de 2023 está na dependência da PEC. Já chego ao ponto de pedir: me aprove uma PEC, do jeito que for.

Bolsonaro bloqueou as emendas de relator, do que é chamado de orçamento secreto. Que efeito isso tem?
As emendas de relator estavam bloqueadas, no valor de R$ 7,8 bilhões, acho. Esperava-se que fossem desbloqueadas. Mas o governo não só não desbloqueou como vai mandar um PLN transformando RP9 em RP1, que são despesas obrigatórias. Vai tirar esse poder do Congresso. Estão dizendo que é retaliação ao Arthur Lira por ter recebido o apoio do PT. Isso é da turma de lá, não estou por dentro.

Caminha para haver alguma mudança no futuro em relação às emendas RP-9 de emenda de relator ou orçamento secreto?

Essas emendas de relator que a imprensa chama inapropriadamente de orçamento secreto – porque não é secreto, está orçamentado, é só abrir, tem as emendas individuais, de bancada, de relator, de comissão. Ninguém está chamando das emendas de bancada de secreta. Não são. O recurso foi, por exemplo, para o município de Alto Alegre do Piauí. Normalmente numa solicitação do prefeito, terminava se escondendo atrás da solicitação do prefeito. Proibimos isso. A partir do próximo ano, colocamos na LDO, todo recurso que for para qualquer estado ou município terá de ter o nome do deputado federal ou senador. Não tem mais sem nome.

Outra crítica que se faz é de como fica a critério do parlamentar, termina não tendo continuidade de políticas públicas, ficam muito fragmentadas. Não tem ação continuada. É uma crítica que procede. Outra crítica que se faz é que são muito discricionárias. A gente poderia fazer um entendimento de que parte dessas emendas pudesse ser aplicação direta da União. A própria União aplicaria esse recurso.

Lula prometeu acabar com o orçamento secreto…

Não dá para tratar disso agora. Não temos tempo. Temos 25 dias para aprovar a PEC e o orçamento. Se a gente meter emenda de relator numa hora dessa, vai estressar mais ainda. Quem não está com boa vontade vai ficar com menos ainda. O presidente não tomou posse ainda. O presidente da República, por incrível que pareça, ainda é o Bolsonaro. Quando Lula tomar posse, acredito que ele vai chamar os líderes e os presidentes da Câmara e do Senado para discutir com calma esse assunto. A percepção dentro do Congresso é que isso foi empoderamento do Congresso. Para retroagir o que era antes é difícil. Quando o poder avança, para retroagir não é fácil.

O fim do orçamento secreto sairá do STF?

A solução pode vir pelo Supremo. Uma vez o Fachin disse considerar que essas emendas são inconstitucionais. Não sei como o Supremo irá fazer. Só sei que agora não é hora de tratar disso. Se tratarmos disso, vamos complicar a votação da PEC. O tempo está muito curto.

De Rudolfo Lago e Edson Sardinha

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil


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