Opinião
Os monstros vermelhos
Os monstros vermelhos
De EUGÊNIO BORTOLON*
A mais longínqua definição, conceito ou narrativa do que é comunismo recebi lá no início dos anos 60, ou um pouco antes, no final dos anos 50. Piá entende como piá e faz lá suas elucubrações. Diziam para mim em tempos de macartismo – perseguição aos prováveis comunistas americanos idealizada pelo senador Joseph McCarthy –, guerra fria e ebulição política brasileira, que comunista mata criancinha, mata qualquer um por qualquer motivo fútil, acaba com propriedade, e assim seguia a ladainha.
Entendi como me convinha, pela cabecinha ainda inocente. Mais tarde, com o andar da carruagem e das estradas que percorremos na vida, a gente vai compreendendo as questões, as teorias, as histórias. Mas é preciso ler, estudar e arejar a mente para receber o contraditório, para recepcionar as ideias do mundo que vivemos, as diferenças existentes. Fica tudo bem fácil para quem estuda. Aquelas ideias preconcebidas não nos abandonam, mas vão ficando para trás para quem segue o caminho da universalização. Agora, para quem é obtuso, cabeça oca, aqueles conceitos espalhados naquela época ainda estão vivos e formam esta camarilha de antidemocráticos que vemos espalhados pelo Brasil. Os seguidores de um mito inexoravelmente nascido nas cavernas e que vive com uma viseira intelectual são exemplares claros desta ignomínia.
É difícil entender esta turba de insensatos que nos cercam, que nos agridem e que ofendem diariamente a democracia com suas tolices e falcatruas intelectuais. O comunismo hoje é a teoria arrasa quarteirão desta gente ignóbil que vive por aí. Comunismo vai matar criança de fome, vai tirar e dividir as coisas que, porventura, tenhamos, como carro, apartamento, propriedade. O grande pensador brasileiro do século XX, Antônio Cândido, morto aos 98 anos em 2017, ao ser perguntado sobre se ele se identificava como socialista, respondeu: “Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo… tudo isso.”.
Pois é, perfeito. Assim não pensam os insensatos que nos rodeiam. Há poucos dias vimos um twitter de um nobre senador eleito pelos gaúchos dizendo que o Brasil estava começando a viver o socialismo, o marxismo-leninismo e outras baboseiras no governo Lula. O senador é um parafuso da engrenagem fascista. Não estudou nada. Não sabe nada. Não sabe distinguir um pêssego de uma ameixa.
Pois é. Outra situação que me assusta é que os conceitos sobre comunismo/socialismo dos anos 50/60 ainda prevalecem com intensidade nos tempos atuais. Em todo o Brasil. Mas na Serra gaúcha parece que virou um câncer incurável que acabou virando metástase. Dia desses falando com um pessoa queridíssima daquela região, mesmo tentando não discutir política/ideologia, me vi no desenrolar da conversa quase envolvido no tema. Logo, desisti de entrar no assunto e resolvi falar sobre a quebra da safra de abacate da Indonésia. Um pastor neopentecostal também tentou me envolver na discussão sobre os malefícios e as indignidades do socialismo de Lula, mas desisti de ouvi-lo e apelei para outro tema, os templos salomônicos da sua igreja charlatã e chantagista.
Só a democracia realmente salva.
Ao ler a revista Piauí de dezembro, uma matéria me chamou a atenção: ‘Como amar um pai bolsonarista’. A jornalista Tati Bernardi conta a história do seu pai de 81 anos que não para de chorar, de se lamentar e de prever uma catástrofe neste governo democrático comandado por um ‘pinguço’. Lá pelas tantas, Tati conta que o pai, inconsolável com a vitória do Lula, decidiu ligar para a ex-mulher para se queixar que não come e nem dorme direito por causa da derrota de Bolsonaro. “Você acredita que eu disse para ela que não me conformava com que este bebum ladrão comunista tinha ganhado e sua mãe me mandou tomar no cu?” Falando neste senhor, lembro também de um colega jornalista, parceiro de uma confraria, que contou para a gente que tem mãe de 96 anos e que só consegue ficar com ela por alguns minutos. ‘Vou embora correndo dali, só fala no medo do Lula e do seu amor ao Bolsonaro com argumentos para lá de ultrapassados. Ela e meus irmãos. Dói ver esta desintegração familiar por causa de um genocida.”
Lembro que conheci o ex-presidente Castelo Branco em 1966, quando ele foi lá na minha terra, Vacaria, abrir o Rodeio Crioulo Internacional. Com 14 anos, meu pai me advertiu para ficar quieto e não falar nada porque os tempos não estavam fáceis para quem queria dizer alguma coisa ou protestar. Já era metido naquela época, já sonhava em ser jornalista e lia muita coisa, e tinha coragem que a adolescência permite. Com a advertência do velho Tarcílio não disse nada, mas recordo que ele falou do comunismo e que os militares estavam sempre alertas para salvar o país das garras dos monstros vermelhos.
Interessante mesmo. Não foi o comunismo/socialismo que arrasou os yanomânis, os índios em geral, a cultura, a universidade, o estudo, a história, a ciência e propagou o negacionismo em tudo. Ao contrário. Foi o fascismo travestido de democrático do, agora, morador de Orlando, que nos deixou no fundo do poço. Agora, estamos voltando a respirar. Estamos só com a cabeça fora da água. Breve estaremos bem melhor. Não há ameaça, destruição, 8 de janeiro, que nos faça desistir. Para concluir, voltemos a Antônio Cândido. “Foram os democratas/socialistas que começaram a lutar para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que 12 horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo.” Então, prezados aprendizes de fascistas. Parem de falar bobagens. Estudem, leiam e vejam como a vida é bonita quando se quer um país justo, decente, democrata.
*Jornalista com mais de 50 anos de trajetória. Destaque na editoria de economia.
Imagem em Pixabay.
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