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Originalidades fundamentais do Rio Grande do Sul

Originalidades fundamentais do Rio Grande do Sul

Artigo por RED
09/09/2022 01:45 • Atualizado em 09/09/2022 16:16
Originalidades fundamentais do Rio Grande do Sul

De LUIZ ROBERTO PECOITS TARGA*

Fruto de um importante conjunto de originalidades sociais, políticas e econômicas, implantadas e desenvolvidas durante o século 19, o Rio Grande do Sul foi capaz de inovações políticas fundamentais já no alvorecer da República.

Entre todas as inovações políticas empreendidas no Rio Grande do Sul, a mais importante foi a instauração do Estado burguês pelos republicanos positivistas durante o período da Primeira República (entre 1892 e 1930). Lembremos brevemente algumas características desta experiência absolutamente original no contexto brasileiro da época.

Primeiramente, através desta experiência, os positivistas lograram realizar desde o início da sua gestão pública, duas das tarefas necessárias à construção do Estado burguês. A primeira era a de tornar o Estado autônomo em relação à classe dominante regional. A segunda era a de separar a propriedade pública da privada. Para tornar o Estado autônomo da oligarquia agrária da região, eles precisaram, em primeiro lugar, afastar dos postos administrativos públicos a fração mais poderosa e numerosa da classe dominante regional. Em seguida, eles criaram um dispositivo
constitucional de modo a impedi-la de disputar legalmente o poder na região. Finalmente, eles a derrotaram numa Guerra Civil violenta e instalaram um aparelho militar para intimidá-la permanentemente.

Para distinguir os bens de domínio público dos de domínio privado, eles atacaram a propriedade da terra, um ponto crucial num Estado ainda predominantemente agrário. Com efeito, o Estado retomou as terras públicas que
haviam sido também apropriadas pela oligarquia agrária de maneira fraudulenta, nos últimos 25 anos do Império, reservando-as às colônias de povoamento. Na verdade, se os positivistas cumpriram estas duas tarefas foi porque eles haviam mudado a forma de dominação e de legitimação no Sul, isto é, implantaram uma forma de dominação racional e não mais tradicional.

Mas o Estado positivista gaúcho não se limitou a executar estas duas tarefas. Ele administrou e de maneira muito eficiente, o orçamento do Estado: ele criou um sistema atuante de cobrança de impostos e empreendeu uma reforma orçamentária para diversificar as receitas do Estado e reduzir o peso dos impostos sobre as exportações destinadas a outras regiões brasileiras. Fazer um Orçamento anual previsto e cumpri-lo à risca, também foi original, nem mesmo no plano federal havia um orçamento previsto e executado (eles eram peças de ficção em todo o País). Mas o seu feito mais notável foi a criação do imposto fundiário, inédito no Brasil até então e que assim permaneceria até o final da Primeira República. Este imposto repercutiu pesadamente sobre os grandes proprietários de terras. Assim, os positivistas realizaram a terceira tarefa fundamental para a criação do Estado burguês: eles modificaram a relação do Estado com a sociedade gaúcha.

Do lado das despesas públicas, o Estado empregou os recursos na regularização das propriedades rurais das zonas de colonização e na melhoria das suas condições de produção (por meio da instalação de centros agronômicos de pesquisa) e sobretudo da circulação de suas mercadorias (com a construção de estradas, a dragagem dos rios, a estatização dos dois portos mais importantes e da estrada de ferro regional). Em termos econômicos, eles estimularam a expansão do mercado interno, diversificando as exportações tornando assim a economia regional
menos dependente da demanda externa. Mas também fomentaram o mercado interno com uma ação decisiva contra o contrabando no Sudoeste (que submetia quase metade do território ao domínio do capital comercial de Montevideo). Assim, eles criaram o espaço pra reprodução dos capitais regionais.

Outra característica interessante da economia capitalista em desenvolvimento no Sul é que ela pagava os salários mais elevados do País, tanto no campo como nas cidades, o que indica um exército industrial de reserva bem reduzido.

Dentro de um quadro político autoritário, a orientação adotada pelos republicanos positivistas estava marcada pelo signo da modernidade (conservadora). Desse modo, se pode dizer que o custo da modernidade foi o autoritarismo. Assim, deixaram a dominação tradicional e implantaram a racional. Na verdade, eles foram “obrigados” a adotá-la., pois precisaram afastar do poder os que até então tinham tido o direito “natural” de ocupá-lo e, sendo assim, necessitavam o apoio de outras classes sociais. A sua visão burguesa fazia com que acreditassem que o mundo estaria sempre dividido entre o capital e o trabalho e eles pensavam que cabia ao capital e à propriedade privada assumir a responsabilidade social da criação de empregos, de remuneração digna, bem como garantir a educação e os serviços de saúde do proletariado. Eles preconizavam então da responsabilidade social do capital e da propriedade, eles velavam pela ordem e o progresso.

Não podemos esquecer que suas ideias foram praticadas num meio agrário que era o do Brasil da época, um país que há pouco havia deixado a escravidão. Desse modo, o dinamismo do projeto político e social do PRR contrastava vivamente com o marasmo político característico então da vida política nacional, ainda sob a influência das práticas políticas do tempo do Império.

Finalmente, os positivistas conceberam um Estado que se colocava acima dos mercados, na medida em que ele desempenhava o papel de árbitro no conflito entre as classes sociais e entre os capitais. Tratava-se de um Estado que estimulava a industrialização da região, protegendo a indústria nascente da concorrência estrangeira e cuidando para que a concorrência capitalista fosse “sadia”. Para tal impediu a formação de monopólios e participou no fornecimento de serviços e de bens cuja produção pela iniciativa privada não pudesse ser garantida (por falta de
recursos financeiros) ou exigisse uma estrutura monopolística. Evitar que a dignidade do trabalhador fosse afetada por uma excessiva exploração da sua força de trabalho era também uma obrigação do Estado.

Em suma, todos os componentes que viriam a caracterizar o Estado Desenvolvimentista Brasileiro, implantado por Vargas no País depois de 1930 já estavam presentes no Sul: um Estado relativamente autônomo em relação às classes dominantes, um Estado que pretendia alterar as condições econômicas e sociais então vigentes (julgadas pouco satisfatórias e atrasadas, logo, prejudiciais), um Estado cujas decisões se fundamentassem em estudos técnicos. Este tipo de Estado não tinha então nada a ver com um Estado preocupado com a manutenção
do status quo ou com a tradição do passado ou ainda com um Estado que socorre uma classe dominante em decadência (como a dos criadores de gado do Sul) ou que é instrumento do seu sucesso (cafeicultores).

Bem ao contrário, tratava-se de um Estado que estimulava o desenvolvimento das camadas sociais emergentes chamadas a transformar, no futuro, a estrutura social. Enfim, tratava-se também de um Estado que defendia os trabalhadores da exploração capitalista, garantindo a “reprodução ampliada” da sociedade e que lutava por um futuro diferente.

*Economista e autor do livro “Gaúchos e Paulistas na construção do Brasil Moderno”.

Foto divulgação Governo do Rio Grande do Sul.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

 

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