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O Sequestro do 7 de Setembro

O Sequestro do 7 de Setembro

Artigo por RED
09/09/2022 01:51 • Atualizado em 09/09/2022 16:15
O Sequestro do 7 de Setembro

De PAULO PERES*

No dia 14 de julho, os franceses celebram o dia da República. Comemorada por todos como um momento de unidade nacional, a data faz referência à tomada da Bastilha, marco simbólico inicial da longa revolução que daria fim ao antigo regime. Nos Estados Unidos, o congraçamento da unidade nacional se dá no 4 de julho, data que remete à independência das então treze colônias do império inglês.

O mesmo ocorria no Brasil, no 7 de setembro, quando D. Pedro I, num episódio muito menos auspicioso e distante de qualquer participação popular, declarou o país independente de Portugal. Mas, a partir de 2019, tudo mudou. A data simplesmente foi sequestrada.

Sabemos quem a sequestrou? Sim. Mas tudo teve início alguns anos antes. Em 2013, a bandeira e o hino brasileiros foram sequestrados por uma parte da sociedade. À parcela despojada destes símbolos nacionais, foi atirada uma imaginária bandeira vermelha. Sem hino, sem nada.

Em 2015-16, um novo sequestro. Dessa vez, parcelas militares fizeram as suas incursões nas instituições executivas e judiciárias, desencadeando um processo de ocupação que se aprofundou cada vez mais. Em 2018, a culminância da conquista do Estado por comandantes militares trouxe mais uma contribuição brasileira à teoria dos regimes políticos: já tivemos ditadura militar e, desde então, passamos a ter uma democracia militar – ou, pelo menos, militarizada.

Finalmente, em 2019, ocorreu o sequestro do dia da independência. A partir daí, O 7 de setembro se tornou um evento partidário. Melhor dizendo, tornou-se um evento dos partidários do bolsonarismo, que devemos entender como uma ideologia de valores reacionários da direita extremista, e não como a simples adoração a uma liderança personalista.

De lá pra cá, quem sai às ruas não é o povo brasileiro enquanto tal [se é que isso existe!], uma nacionalidade que pelo menos nesse dia se unifica para comemorar a sua suposta independência [ilusões politicamente necessárias]. Quem empunha bandeiras, ocupa as praças, faz comícios, shows, carreatas, motociatas, passeatas, solta foguetes, dá tiros para cima [pátria armada, brasil!], é a parcela bolsonarista.

Se como já observou um renomado historiador, à proclamação da República o povo assistiu bestializado, ao 7 de setembro dos últimos anos a maioria do povo assiste horrorizada. A independência se tornou a festa da divisão nacional. Tornou-se a festa da radicalização política à direita. Tornou-se um evento partidário, um evento dos adeptos do que representa o bolsonarismo.

Em 2022, entretanto, o sequestro do 7 de setembro ganhou mais uma camada de sordidez. O evento que já havia se convertido numa ode à fissura social, neste ano de eleição assumiu o caráter de um ato de campanha – além do fantasma do golpe de Estado, que o Presidente faz rondar setembro, a data da independência serviu agora de confirmação da dependência dos seus 30%.

Refugiados que somos no nosso próprio país, temos que nos apegar ao fio de esperança que ainda nos segura acima da bocarra desse crescente abismo: o outubro eleitoral. Sim, depois de setembro, vem outubro. Se a lógica ainda dizer morada nos nossos tristes trópicos, teremos a oportunidade de mais um recomeço [como não lembrar de Sísifo, nosso avatar?]. Mas, será possível ‘desver’ o que vimos? ‘Desouvir’ o que ouvimos? Será possível reatar os dois Brasis [impossível não lembrar de Calvino e ‘o visconde partido ao meio’]? Haverá de haver uma lenta e gradual transição democrática. De novo!

*Cientista Político – UFRGS.

Foto de Marcello Casal Jr, Agência Brasil.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

 

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