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Opinião

Mexeu com uma, mexeu com todas – mantra da sororidade

Mexeu com uma, mexeu com todas – mantra da sororidade

Artigo por RED
02/10/2022 07:00 • Atualizado em 02/10/2022 22:44
Mexeu com uma, mexeu com todas – mantra da sororidade

De CÁTIA CASTILHO SIMON*

“Aqui estamos
e as palavras não têm sentido.
Quem acreditaria?
Esse silêncio é incômodo
como um sapato apertado.”
Maria Alice Bragança

Dia desses uma repórter de um canal fechado foi beijada por um torcedor de um grande time do país enquanto fazia seu trabalho, ao vivo, em frente às câmeras. O talzinho estava acompanhado de outros torcedores, entre eles, o filho de 17 anos. Nem o espaço público, o rosto descoberto, a companhia do filho inibiram o agressor.

Não faz muito tempo, havia um certo cuidado para o desrespeito, nada que pudesse incriminar o agressor, tudo escamoteado. O que continua igual é que a situação da vítima sempre é a de não poder se defender. Sabe o cara que anda de moto, carro ou bicicleta e olha na tua cara já te passando a mão? Ele até tinha certo cuidado de fazer isso sem muitos ou nenhum expectador. Agora não. Quanto mais plateia, melhor. Melhor ainda se for frente às câmeras. Os agressores sentem-se respaldados por seu líder-mor, o inominável, é claro. Mas não é só isso.

Tem mais coisas intrigantes nisso tudo, o fato de que a maioria dos homens não têm amigos abusadores, nunca comentam sobre. Agora o talzinho que humilhou a repórter indefesa com o beijo na bochecha deve ter senão amigos, família, ou namorada, ou ex-namorada; mãe com certeza; pai também; filho testemunhou. Ficou registrado em imagens a altivez e orgulho do agressor, bem como a certeza da impunidade.

Olhando as imagens ainda, nem é possível atribuir à moça a responsabilidade pelo ato, pois ela não estava seminua como argumentam alguns e algumas para validar agressões às mulheres, diga-se de passagem. Os homens desfilam reiteradamente tórax desnudos sem que lhes seja diminuído o lugar e a dignidade. Não desejamos menos para nós. Os povos originários têm muito a nos ensinar também quanto a isso.

A reincidência de comportamentos desrespeitosos, para dizer o mínimo, com as mulheres passa pela convicção de que realmente somos e estamos a serviço do desejo alheio, o que já não cola mais e também não nos cala. A máxima de que “mexeu com uma, mexeu com todas” – mantra da sororidade, tem de ser disseminado à exaustão.

É certo que vivemos dias difíceis com o desgoverno de um mitomaníaco, mas é certo também que o lugar da mulher e todas as variações não-binárias na sociedade tem um longo caminho a ser construído com todas, todos e todes.

*Doutora em estudos de literatura brasileira, portuguesa e luso-africanas; e escritora.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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