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JORNALISTAS: BIOINDICADORES DA EMERGÊNCIA CLIMÁTICA
JORNALISTAS: BIOINDICADORES DA EMERGÊNCIA CLIMÁTICA
Por SÍLVIA MARCUZZO*
Jornalistas ambientais nunca foram tão importantes para traduzir para a sociedade as questões climáticas. Mas, paradoxalmente, nunca foram tão desvalorizados
Quem vem acompanhando os processos, a transformação rápida pela qual estamos todas (formas de vida) inseridas diante da emergência climática, tem sido impactado de várias formas. E aí, além dos cientistas e dos técnicos socioambientais, que acompanham de perto o significado da degradação dos biomas, apesar dos alertas, leiam-se de ambientalistas, ativistas, servidores do Ibama, do ICM Bio e demais órgãos – nós, jornalistas ambientais, estamos sofrendo demais com esse contexto. Para começo de conversa, nunca fomos tão relevantes para traduzir o que estamos atravessando, mas também nunca fomos tão desvalorizados, em diversos sentidos.
Vou usar esse espaço para contar um pouco do que rolou no 8º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, que aconteceu em Fortaleza, de 19 a 21 de setembro. Antes do desastre que devastou o Rio Grande do Sul este ano, estava certa minha ida ao evento. Essa foi a primeira vez que o Congresso foi realizado na região Nordeste. Mas, devido a diversos fatores, que na minha avaliação estão intimamente conectados à desvalorização da nossa atividade, não só a minha ida foi abortada como a de diversos outros colegas. Eu estive em várias edições do Congresso, inclusive dando oficinas e na organização quando ocorreu em Porto Alegre. Na primeira, em 2005, estava à frente da assessoria de comunicação da Rede de ONGs da Mata Atlântica em Brasília. Naquela época, conseguimos viabilizar a ida de mais de 10 assessores de organizações.
Desastre no RS
Acompanhei pelo YouTube a programação e participei de uma mesa sobre os desastres no RS, a última do primeiro dia de manhã. Vale conferir aqui. A gravação foi feita pela TV Unifor por turnos. Nem tudo que aconteceu no Congresso, como as oficinas, foi registrado. À medida que assistia, constatava a complexidade que se tornou a nossa atividade, me dava uma angústia. Difícil de descrever. Mas, como esse espaço aqui não tem o pretexto de deixar ninguém pior do que já está, vou tentar me expressar de um jeito que evidencie a necessidade da categoria se unir, se articular e reunir esforços para enfrentar as dificuldades. Precisamos encontrar saídas, buscar soluções.
ESG pra inglês ver
O painel que tratou de ESG, essa sigla que agora entrou na moda, evidenciou o quanto as empresas estão utilizando essa ferramenta para vender não só gato por lebre, mas também rato por cotia, serelepe, ouriço. Ou seja, hoje, quem cobre essa área precisa estar informado, para não ser enganado. É fundamental saber apurar e distinguir se o que está sendo “vendido” por assessorias e afins é realmente de fato viável e se está sendo feito. E isso foi reforçado pela professora de ESG da Unifor Magda Maya.
Nesse mundo neoliberal, diga-se, do “libera geral”, não interessa se a empresa vende veneno ou alimentos que só causam prazer e prejuízos à saúde, ela pode estar muito bem na cotação dos índices dos relatórios exigidos pelos preceitos do Environment, Social e Governance, significado da sigla em inglês. Dal Marcondes, um dos organizadores do evento, que foi editor de economia por muitos anos, opinou no painel (confira aqui), que as empresas deveriam seguir o que preconiza os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs). Aliás, vale ouvir a fala do Dal sobre o que é ser empreendedor e jornalista. Ele conta um pouco do que passou ao criar um dos primeiros portais de notícias de meio ambiente e as estratégias que adotou para manter a Envolverde, que completou 25 anos. Clique aqui para conferir, e depois veja a palestra do André Trigueiro, que dispensa apresentações.
Sem patrocínio
Um dos sinais que chama atenção para o cenário atual é que o evento não conseguiu patrocinadores. Isso provocou transtornos de toda ordem. A organização foi “enrolada” por representantes de grandes instituições, inclusive a data foi alterada, era para ser em abril, a pedido de patrocinadores que depois tiraram o time de campo. Isso me leva a levantar algumas hipóteses: será que a nossa frágil democracia também está sendo afetada ao ponto de as organizações com dinheiro nem quererem que melhore a cobertura de temas ambientais sensíveis pela cobertura independente?
Heroínas da resistência
Uma das tônicas do Congresso foi ouvir a trajetória de mulheres como Kátia Brasil (fundadora da Amazônia Real), Juliana Arini (repórter com larga experiência, vem acompanhando a situação do Pantanal – confira aqui) e Maristela Crispim (criadora da Eco Nordeste e organizadora do evento), que estão fazendo uma baita diferença onde atuam.
Outro aspecto que merece ser salientado é que está complicado conseguir exercer a profissão acima dos 44 graus ou abaixo de tempestades, com interrupção de energia elétrica, sem sinal de internet ou falta de condições mínimas de trabalho. Enfrentar tantas intempéries, se expor a ataques, a ambientes inóspitos são situações rotineiras pra quem cobre a área. As jornalistas socioambientais veteranas, principalmente, são heroínas do nosso tempo. Conseguir equilibrar os diversos pratos, os distintos pesos do cotidiano e acompanhar tudo que envolve esse pacote de emergência climática, é preciso uma resiliência extraordinária. Ser mãe, geralmente a cuidadora dos idosos e doentes da família, dar conta dos próprios problemas de saúde, conseguir pagar os boletos e ainda atender as incontáveis demandas é um feito e tanto.
Situação da RBJA
Meu lugar de fala, ops, de escrita, é de alguém que acompanha esse contexto há mais de 30 anos. Comecei a cobrir meio ambiente quando era repórter do Correio do Povo em 1993. Faço parte da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental (RBJA), fundada pelos colegas Roberto Villar (hoje professor de Jornalismo da Uniritter) e João Batista Santafé Aguiar (editor do AgirAzul), desde sua fundação em 1998. É bom lembrar que o Núcleo de Ecojornalistas do RS foi o pioneiro do Brasil, nasceu em Porto Alegre em 1990. Constatar as imensas dificuldades que estamos atravessando através dos depoimentos dos colegas é um alerta também para toda a sociedade, pois também faz parte do universo de crises em que estamos submersos.
Primeiro, quem é especialista na área e vive de freelas, há poucas opções para se vender suas pautas com independência. Precisamos de espaços em veículos que não sejam apenas para nichos de convertidos. A pauta socioambiental precisa ser tratada com mais cuidado e apreço em veículos de fora das nossas bolhas. Aqui no Rio Grande do Sul, por exemplo, conheço UM veículo que paga freelas para se fazer matérias. E o tamanho é até uns 3.500 caracteres, ou seja, não dá para aprofundar. A imprensa convencional gaúcha hoje tem dado mais a versão chapa branca (de governos) ou das empresas, enquanto os lados da sociedade, do bem para a coletividade, são geralmente deixados de lado.
Segundo, os grandes veículos, salvo algumas raras exceções, demitiram os/as repórteres mais experientes. O salário da categoria achatou. Hoje, todo mundo está correndo atrás de grana para sobreviver. Isso se deve a vários fatores. A imprensa como um todo está em crise, ou fase de transição (cada um tem sua opinião). Não é novidade que todos fomos impactados pelo poder das redes sociais, que estão engordando os bolsos, a barriga dos operadores dos algoritmos e dos donos das big techs. Creio que precisamos contar com a energia de novos integrantes para dar uma guinada na RBJA.
Pedi um depoimento para o João Batista, confiram o que ele me respondeu: “Mantenho até hoje um site Jornalismo Ambiental, de iniciativa inicial do Roberto (Villar Belmonte), que procura abordar apenas fatos sobre jornalismo ambiental. Toda a contribuição às diversas páginas é bem-vinda. Na condição de mantenedor do grupo de discussão por email da Rede, já tentei várias vezes passar o bastão, mas não tive sucesso. Farei uma nova tentativa semana que vem. Na verdade, tinha expectativa de que o assunto fosse desenvolvido em Fortaleza, mas até o momento não soube de nada a respeito”.
JB é vice-presidente da RBJA, a partir de reunião que institucionalizou o funcionamento da rede em 2016, no Congresso realizado no Rio de Janeiro. “Nunca mais houve outra eleição ou assembleia geral. Meu sonho é que a RBJA funcione como a ABRAJI – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, que mantém site, atividades, relatórios, cursos, relações com a institucionalidade brasileira. Outra entidade que deveria ser olhada com carinho é a Society of Environmental Journalists (SEJ), a entidade norte-americana dos jornalistas ambientais, também muito organizada”.
“O desafio dos eventos extremos causados pelas mudanças climáticas marcou a minha participação na oitava edição do Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental (CBJA). Em uma palestra híbrida, participei de uma mesa sobre os grandes temas da cobertura ambiental, onde relatei um pouco sobre os incêndios que ainda assolam o Pantanal, o bioma mais atingido pelo fogo do Brasil. De uma Cuiabá a 44 graus e com o céu encoberto há semanas pelas queimadas, relatei um pouco sobre como o jornalismo ambiental é multidisciplinar, exigindo um olhar atento sobre os temas políticos, científicos e econômicos, algo que também se reflete na cobertura da crise climática”.
Juliana Arini, jornalista, repórter, moradora de Cuiabá, assessora de imprensa do SOS Pantanal.
“A realização do CBJA em Fortaleza superou as expectativas diante das dificuldades orçamentárias impostas aos organizadores. Foi um momento ímpar para escutar, analisar, trocar ideias e pensar o que fazemos todos os dias. É esse o grande desafio de um congresso de jornalismo e para isso que ele existe. Além de despertar o interesse e apresentar a área para os estudantes, ele serve para os profissionais trocar experiências, angústias e pensar em caminhos.
É para isso que serve uma rede (a Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental), para termos uma troca. Nunca foi fácil ser um jornalista ambiental, mas agora estamos diante de um cenário mais duro: além de reportarmos, também somos impactados e atingidos por eventos extremos intensificados pelas mudanças climáticas. Como lidamos com a ecoansiedade? Como mantemos o nosso trabalho indispensável para tornar a sociedade mais informada sobre o assunto sem perder a nossa própria esperança e saúde mental? Eu não sei as respostas, mas sei que parte do tratamento passa pela troca entre colegas. E esse foi o assunto que permeou as conversas paralelas e algumas falas dos palestrantes”.
Danielle Bragança, jornalista, moradora do Rio de Janeiro, editora do portal ((o)) eco.
Esta foi a primeira edição do CBJA de que tive a oportunidade de participar – e ela aconteceu justamente na minha cidade, Fortaleza. Compareci aos três dias do evento e fiquei encantado com a diversidade dos temas e a composição das mesas. Desde as palestras até as oficinas, a organização foi atenciosa em priorizar os assuntos mais urgentes da pauta ambiental”.
Também fiquei muito feliz de conhecer de perto profissionais que atuam em veículos independentes que acompanho e admiro, como a Eco Nordeste, a Amazônia Real e ((o)) eco. Como alguém que contempla a ideia de eventualmente ter seu próprio veículo jornalístico, o Congresso foi importante para me ajudar a entender mais sobre como engajar com a audiência, principalmente no ambiente online, e como garantir a viabilidade de certos modelos de negócios.
O Congresso encerrou com chave de ouro com a palestra de André Trigueiro. Sou suspeito para falar, pois sou fã do trabalho dele há anos, mas foi a forma perfeita de encerrar o evento. A fala dele, sempre tão enérgica, foi inquietante o suficiente para nos querer fazer ir além em nosso ofício, mas também cativante o bastante para nos dar esperança de que, sim, nosso trabalho faz a diferença num mundo em colapso.
Gabriel Matos, estudante do 5º período do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), morador de Fortaleza, que integra o projeto de jornalismo ambiental Cuida Criatura.
“Organizar o 8° Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental foi bastante desafiador em diversos aspectos. O principal deles foi financeiro. Adiamos três vezes esta edição por patrocínio. Tínhamos três deles com negociações bem avançadas. Mas que na última hora não deram certo. Se não fosse o apoio financeiro que recebemos da Oak Foundation e o grande apoio logístico do Curso de Jornalismo da Unifor, não teríamos conseguido. Encerramos essa edição com a certeza de que fizemos o melhor trabalho possível. E também com um excelente feedback por parte dos participantes”.
Maristela Crispim, organizadora do evento, moradora de Fortaleza, Publisher da Eco Nordeste e professora da Unifor
“A Maristela conseguiu fazer um milagre em fazer esse Congresso em Fortaleza, com pouquíssimos recursos, o primeiro no Nordeste. Com esse novo normal do país, com as mudanças climáticas, nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, onde as temperaturas estão muito acima do normal e com a seca assolando o país, menos a região Sul, o Nordeste tem muito a nos ensinar. Tem como mostrar como viver com qualidade nessa aridez. O Congresso serviu para muita troca de conhecimento, para entendermos como a Ciência do Nordeste pode ajudar o restante do país a superar as dificuldades dessa seca extrema”.
Dal Marcondes, organizador do evento, jornalista, morador de Itatiba (SP), Publisher da Envolverde.
*Sílvia Marcuzzo é jornalista, artivista, mestranda na Famecos/PUCRS e integrante do Grupo de Pesquisa sobre Comunicação, Crise e Cuidado. Articuladora de coletivos, repórter freelancer e editora de publicações socioambientais. Trabalha com comunicação e meio ambiente desde 1993. É consultora e assessora de organizações que atuam pelo bem da coletividade, por um mundo mais sustentável e com qualidade de vida para todos. Saiba mais em silviamarcuzzo.com.br
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
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