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Economia política dos pitbulls

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Economia política dos pitbulls
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Por J. CARLOS DE ASSIS* A economia política brasileira é como um cego na Fazenda, conduzindo outro cego no Planejamento, ambos sob a vigilância implacável de um pitbull, o “mercado” financeiro especulativo. O pitbull passa o ano inteiro rosnando sobre equilíbrio fiscal, através da imprensa, e sempre que se aproxima o momento decisivo de discutir o orçamento da República, como agora, vai às vias de fato com implacáveis mordidas nos ceguinhos para que não se desviem dos caminhos sob a vigilância dele. As medidas anunciadas ontem por Fernando Haddad atestam bem as características dessa economia comandada por pitbulls. O mantra recorrente é o corte no orçamento primário, a parte que de fato interessa ao povo porque se refere às despesas fundamentais que lhe dizem respeito. E os cortes têm de ser feitos para acomodar o orçamento geral às despesas ilimitadas com o serviço da dívida pública de mais de R$ 1 trilhão anuais que não pode ser cortado por disposição constitucional fraudulenta. A economia política de pitbulls não é de agora, nem propriamente uma escolha. É uma evolução natural fatídica do capitalismo que, no caso brasileiro, tomou caminhos extravagantes. Até os anos 70, no mundo e no Brasil, a aliança entre o Capital e o Estado refletia, em favor do primeiro, a necessidade de controle social dos trabalhadores representados por sindicatos fortes. O papel do Estado era principalmente o de Polícia, para garantir uma suposta tranquilidade social. Na medida da absorção crescente de novas tecnologias nos processos produtivos,  a acumulação de capital pelos grandes monopólios e oligopólios também tornou-se crescente, e o dinheiro neles concentrado passou a migrar para o sistema financeiro especulativo. Simultaneamente, os trabalhadores passaram a perder seus postos de trabalho na indústria, buscando outras atividades. Houve, em consequência, uma dispersão do Trabalho, com o enfraquecimento inexorável dos sindicatos. No Brasil isso foi levado ao extremo. Os sindicatos haviam desempenhado papel de vanguarda extremamente importante até fins dos anos 1970 e início dos 80, liderando, em grande parte, a luta comum contra o regime militar. Com essa luta foi inicialmente rompida a aliança entre o Estado autoritário e o Capital, a qual esteve na base do golpe de 1964. Com a democratização, a aliança entre o Capital e o Estado assumiria  gradativamente um a nova forma, mais sutil, sem relação com a Polícia. Diante de sindicatos desmontados institucionalmente e socialmente fracos (hoje pouco mais de 8% dos trabalhadores são sindicalizados), nem o Capital, nem o Estado, têm que se preocupar com movimentos trabalhistas que põem em risco a estabilidade social. Com isso, ambos podem se dedicar a tarefas mais eficazes em favor do Capital  no plano de políticas públicas. As principais são as políticas fiscais e monetárias, todas as duas impostas e vigiadas de perto pelos pitbulls. O mantra da política fiscal é a necessidade de equilíbrio (ou de déficit pequeno) entre capacidade de financiamento do Estado e o conjunto de despesas públicas; e o mantra da política monetária é o controle da inflação mediante a manipulação da Selic. Ambos são, explicitamente, os mecanismos que  o Capital financeiro, de forma muito mais sutil do que com a utilização da Polícia contra os trabalhadores e o povo, controla a seu favor a expropriação da renda da sociedade brasileira como um todo. Vejamos como isso funciona. Pela política fiscal, o Governo esmaga o orçamento primário, onde estão previstas as despesas com educação, saúde, financiamento básico, transportes, reconstrução e prevenção de desastres climáticos e outras de interesse direto do povo. Com isso, abre espaço para transferir renda ao orçamento financeiro, onde estão fixadas as despesas com juros, correção monetária e cambial, e amortização da dívida pública, as quais, pela Constituição, não têm limite. A presunção é de que, com o equilíbrio orçamentário, o Governo não pressione para cima a demanda global da economia em relação à oferta, causando inflação. Do lado monetário, a presunção é de que a manipulação da taxa Selic  garante a redução da inflação ou sua estabilidade. Ambos esses pressuposto são falsos. Tanto o déficit público, se não for em nível muito exagerado, não provoca inflação, quanto o aumento ou redução da Selic, conforme atestado empiricamente, também não a afeta. Na verdade, o efeito real dessas políticas pode ser o oposto, inclusive contribuindo com o aumento do PIB e a estabilidade inflacionária. Isso depende exclusivamente de uma boa articulação entre a política fiscal conduzida pela Fazenda e a política monetária conduzida pelo Banco Central – desde que seja descartada a taxa Selic como instrumento de política monetária, dado seu caráter subjetivo e o fato também visto empiricamente e que ela, de fato, antecipa uma inflação futura alta. O efeito positivo de políticas fiscais deficitárias depende também do setor privado produtivo. Na medida em que, no orçamento primário, surja um déficit que empurre a demanda global da economia para cima – por exemplo, uma grande despesa orçamentária para combater desastres climáticos extremos, que transborde para o conjunto da economia -, o setor privado por certo responderá com um aumento da produção ou da oferta, se tiver adequados estímulos para isso. O principal estímulo produtivo é uma taxa de juros baixa. Caso contrário, o empresário do setor produtivo emigrará para o setor financeiro especulativo que, no Brasil, paga juros absolutamente extravagantes. Diante disso, é desperdiçado no interesse dos especuladores um espaço para aumento da produção e do PIB aberto pelo déficit primário, ferozmente combatido pelos pitbulls do mercado financeiro que comandam com seus latidos na imprensa os cegos que conduzem a política econômica. Vejamos mais da política monetária. Por que o Brasil tem taxas de juros tão elevadas? Simplesmente porque assim quer um grupo de tecnocratas que dirige o Banco Central sob controle dos próprios pitbulls. Eles fazem da Selic, que surgiu em 1979 para controle de liquidez no mercado aberto, um indexador de todo o sistema financeiro e do conjunto de grande parte da economia, sendo, além disso, um instrumento de presumível controle da inflação, de ineficácia comprovada. Com essas preliminares, fica evidente que na economia brasileira não há coordenação entre política fiscal e política monetária, o que, em princípio, existe em todos os países sérios do mundo. No nosso caso, essas políticas não contribuem para o aumento da produção e o crescimento do PIB a altas taxas. Um ritmo mais acelerado deste, hoje em torno de medíocres 3% anuais em face de nosso imenso potencial de recursos humanos e naturais, e principalmente de energia, poderia nos levar a taxas chinesas. Note-se que a relação entre política fiscal deficitária e política monetária de juros baixos  está no núcleo de uma política econômica consistente que assegure o desenvolvimento sustentável do País de forma dinâmica. Para que haja crescimento da produção e do PIB, é preciso, como disse antes, que a demanda aumente antes da oferta e que a produção, a fim de atendê-la,  seja estimulada por juros baixos. Isso implica forte crescimento dinâmico com estabilidade inflacionária. Não estou negando que seja impossível para uma economia crescer sem déficit primário e juros baixos. A economia brasileira, neste e nos anteriores governos de Lula, desmentiria isso. O crescimento pode ser oriundo também de aumento de salários e da massa salarial. Entretanto, as condições de ampla pobreza e de extremos desníveis sociais e de renda no Brasil exigem que nosso desenvolvimento ocorra a taxas maiores do que as que temos visto há décadas, desde o fim do regime militar.   *J. CARLOS DE ASSIS é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.    Foto de capa: IA Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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O Pacote de Haddad: entre o Teto e o Tatame

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O Pacote de Haddad: entre o Teto e o Tatame
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Por ANDRÉ MOREIRA CUNHA e ALESSANDRO DONADIO MIEBACH* O Teto e o Tatame                 Após mais de um mês de especulações, o governo federal ofereceu ao Congresso o seu pacote fiscal, com previsão de cortes da ordem de R$ 327 bilhões nos próximos cinco anos. Para 2025 e 2026, no horizonte do atual mandato presidencial, seriam R$ 71,9 bilhões. Os cortes previstos atingem fortemente a área social. A contenção nos ajustes do salário-mínimo (SM) é o seu componente principal, respondendo por 34% daquele montante. Se a isso acrescentarmos ações sobre o Bolsa-Família, BPC, Abono Salarial e Fundeb, a contribuição de áreas sociais voltadas para as camadas de menor renda atinge pelo menos 60% dos valores previstos. O pacote de Haddad tem um inequívoco potencial regressivo na distribuição da renda. Até porque, a recuperação do poder de compra ad SM e os diversos benefícios sociais a ele atrelado têm sido os principais responsáveis pelos momentos de queda na profunda desigualdade existente no Brasil. Para dourar a pílula, tal presente de grego veio enfeitado com medidas adicionais que visam agradar parte da classe média, como a ampliação no limite de isenção do IR para R$ 5 mil/mês a ser financiado por uma alíquota mínima de tributação dos “super-ricos” e redução de benefícios diversos. Há, ainda, a previsão de cortes em gastos tributários no caso de déficits a partir de 2025, a limitação adicional de expansões nos gastos com pessoal, emendas parlamentares, “supersalários”, privilégios de militares etc. O Congresso deverá apreciar os projetos de lei e emendas constitucionais associadas ao pacote. Alterações em seu conteúdo são esperadas. Há um projeto alternativo, de autoria de deputados da oposição, que prevê revisão de gastos da ordem de R$ 1,1 trilhão nos próximos dez anos e medidas ainda mais regressivas, com desconstitucionalização de despesas com saúde e educação, desvinculação de benefícios sociais ao SM, dentre outras. O conflito distributivo saiu do escuro dos gabinetes do poder e anda solto na Esplanada. Há que se ressaltar o esforço do governo em distribuir o “bônus” e o “ônus” dos ajustes. Os financistas da Faria Lima e de seus porta-vozes na impressa e na fabricação de análises econômicas renovam as ameaças sempre catastrofistas. Preços macroeconômicos importantes, como a taxa de câmbio e as taxas de juros futuras seguem em alta, o que coloca lenha na fogueira da inflação. A temporada de especulação sobre os ativos locais ficou mais animada, na medida em que o Congresso experimentará as pressões dos lobbies de rentistas e dos “Donos do Poder” para cortar mais e beneficiar menos. O Brasil está na mira dos grandes bancos e fundos de investimentos, que expressam ceticismo quanto ao compromisso do governo federal com o “equilíbrio fiscal”. As medidas propostas nessa semana se impuseram exatamente por força do desejo do governo federal em cumprir o “Regime Fiscal Sustentável”, conhecido como Novo Arcabouço Fiscal (PLP 93/2023), que substituiu o Teto de Gastos (Emenda Constitucional nº 95/2016) aprovado no governo de Michel Temer (2016-2018). O “Teto de Haddad” é, também, um tatame onde a luta permanente é pela maior apropriação das receitas públicas, o que implica em empurrar os ônus de eventuais contenções de despesas para “os outros”.  Pirão Pouco, Meu Prato Primeiro Nunca é demais lembrar que, em 2023, a aprovação do “Teto do Haddad” foi comemorada no Planalto. O Ministro da Fazenda afirmou que: “... pela expressiva votação nas duas Casas, que se encontrou um denominador comum entre forças que pareciam antagônicas, na direção de um entendimento sobre uma regra fiscal que desse à sociedade brasileira como um todo, aos investidores, aos contribuintes, aos cidadãos em geral, a certeza de que nós temos uma economia que caminha para o equilíbrio do ponto de vista fiscal”. O líder do governo na Câmara, Deputado José Guimarães (PT-PE), falou em “vitória espetacular”. Durante uma audiência no Congresso Nacional, em 17 de maio de 2023, Haddad argumentou que a ampla aceitação das novas regras ajudaria a “despolarizar” o país. A Febraban, por meio de nota assinada por seu presidente, saudou o fato de que o novo arcabouço representava a introdução de “... regras mais rigorosas para a gestão das finanças públicas e que se mostrem mais críveis em sua execução.” Um ano após ser sancionada, o clima já era outro, com os rentistas e seus economistas manifestando “desconfiança”. O orçamento público é uma expressão de diversos interesses dentro de uma sociedade, os quais podem ser considerados como legítimos ou não. As despesas sociais são difusas e atingem múltiplos grupos de distintas formas. Com uma população de mais de 200 milhões de pessoas, grandes assimetrias sociais derivadas da profunda desigualdade na distribuição da renda e da riqueza, e uma economia que cresce abaixo da média global nos últimos quarenta anos, torna-se complexo atender plenamente as demandas reprimidas, ampliando a qualidade da rede de proteção social. Ao mesmo tempo, salta aos olhos a generosidade do orçamento para com grupos de interesse mais organizados. Há, por exemplo, cerca 7% do PIB em “gastos tributários”, 70% dos quais concentrados em nível federal. O recente Relatório Nacional sobre Gasto Tributário revela a forte expansão dessa despesa nas últimas duas décadas, partindo-se de um patamar ao redor de 2% do PIB no começo dos anos 2000. Tais despesas representam subsídios diversos, usualmente na forma de renúncia fiscal. A divulgação detalhada dos CNPJs beneficiados permite verificar que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que encontrar alguma grande empresa que não se beneficie da generosidade orçamentária. E não faltam lobbies no Congresso e esforços coordenados das elites brasileiras para proteger seus ganhos e ocultar suas pegadas. O Brasil é uma anomalia em termos dos níveis das taxas de juros reais (juros básicos, descontada a inflação) que alimentam os rentistas. Com dados do último  World of Debt, da Unctad, pode-se calcular o valor mediano dos gastos com juros com relação à renda (PIB) entre 2010 e 2023: para os países de alta renda esse resultado é de 1,4%, para o conjunto dos emergentes, 1,5% e para o Brasil 5,2%. Os fundamentos macroeconômicos do Brasil não são tão piores assim que expliquem tais diferenças. Existem indícios que os mecanismos de gestão da dívida pública facultam de maior capacidade relativa dos segmentos rentistas locais em se apropriarem de rendas públicas em comparação com seus congêneres ao redor do mundo. Esse é o “mercado financeiro”, cujas dinâmicas decisórias também estão imbricadas com o empresariado tradicional: parte do resultado de diversas empresas é composta por ganhos de tesouraria associados ao mercado financeiro. Isso auxilia a compreensão das restrições que o governo se defronta. Já na área social, os sucessivos relatórios da OCDE demonstram que os gastos per capita em educação e saúde no Brasil são insuficientes e muito abaixo da média dos países que pertencem àquela instituição. Como um todo, os gastos sociais de origem pública são, em média, de 21,1% do PIB na OCDE, com importantes variações. Países como Itália e França, possuem estruturas mais robustas, com um gasto da ordem de 30% do PIB. Dentre os países de alta-renda da OCDE, o parâmetro médio é de 25%; já em países como Chile (19,6%), Colômbia (15,2%) Costa Rica (14,5), Turquia (12,9%) e México (7,9%) tais volumes são bem menores. Para o Brasil, a CEPAL informa gastos de 16% do PIB pelo governo central, ao passo que a OCDE estima em 21% PIB tal despesa para todos os níveis do setor público.  Todos de Olho em 2026 Os ganhos dos rentistas têm como contrapartida a piora na oferta de bens públicos que são fundamentais para o combate às iniquidades sociais do país, tanto no curto como no longo prazo. Ao mesmo tempo, os permanentes ajustes estruturais paralisam o crescimento econômico e os processos de desenvolvimento e de incorporação de tecnologias que elevam a produtividade do trabalho e que decorrem do investimento produtivo. Lula e Haddad precisam navegar nas águas turbulentas da política real, pressionados pelo Teto e o Tatame, pelas legítimas demandas sociais, pelas pressões espúrias das elites e pela necessidade de reduzir os estragos dos setores da extrema-direita que tramam permanentemente contra o Estado Democrático de Direito. Esse componente político também condicionou o conjunto de compromissos assumidos na posse, dentre eles o arcabouço fiscal e na constituição de um amplo arco de alianças. Estas englobaram tanto os eleitores tradicionais do Partido dos Trabalhadores, como os setores sociais mais afinados com a defesa do status quo, do qual o arranjo entre dívida pública e juros elevados são componentes. O desejo de cumprir todos os compromissos assumidos nos palanques confronta a dura realidade imposta pelo novo Teto de Gastos. A magnitude desse desafio está novamente explicitada com a reação do “mercado” ao pacote, insatisfeito com a ausência de cortes em áreas diretamente vinculadas ao bem-estar da população, como saúde e educação. Há uma mal disfarçada insatisfação por parte da oligarquia financeira em relação ao aumento dos impostos sobre os maiores rendimentos e uma implícita convicção de que o Legislativo manterá sua tradicional conduta de proteger a renda dos mais ricos. Já o ensurdecedor silêncio em relação a nova regra de correção do salário-mínimo sinaliza a aprovação da proposta de moderação do principal mecanismo da sociedade brasileira para inclusão social no século XXI. Tributar os ricos é tão difícil quanto reduzir suas rações generosas de juros e subsídios. E punir os mais pobres costuma cobrar um preço muito grande em termos de apoio presente e perspectivas de sucesso eleitoral futuro, como sobejamente demonstrado ao longo da trajetória da frágil democracia brasileira. Quando as urnas forem abertas no futuro, descobriremos se a população tem a mesma compreensão que o governo sobre a possibilidade de quadratura do círculo: produzir equilíbrio orçamentário com justiça social a um preço razoável para a maioria. Pelo que as nuvens sugerem, a conta dos ajustes seguirá sendo mais alta para quem está na base da pirâmide. *André Moreira Cunha e Alessandro Donadio Miebach são economistas e professores do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS Ilustração da capa: © Gabriela Sabau Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. 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O Ódio: Resposta Inaceitável ao Insucesso

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O Ódio: Resposta Inaceitável ao Insucesso
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Por CÉSAR LUCIANO FILOMENA* Faz algum tempo que o Prof. Benedito Tadeu solicitou textos meus para o site RED. Muito trabalho, compromissos inadiáveis, falta de inspiração e angústia me impediram de escrever. Hoje, a angústia, agora vergonha alheia pelo ódio proferido, me obriga escrever. De qual angústia falo? Falo das emoções e afetos que constituem identidades, como diz Chantal Mouffe[i]. Falo em sentido prático da minha identidade gremista, da situação do Grêmio Football Porto Alegrense: uma das poucas coisas, talvez a única, cujo meu sentimento de paixão e emoções me fazem flertar com os limites da racionalidade. Foco na atual situação do meu time. Precisando, faço referência à coletiva de imprensa em tom ameaçador movido pelo ódio que o treinador Renato Portaluppi deu após o jogo com o Cruzeiro, na última quarta-feira, à qual não posso me omitir. Antes que me acusem de ser um pseudogremista, “pouco participativo”, me adianto dizer que podem existir outros milhares tão gremistas quanto eu: dentre os 10 milhões que somos, ninguém mais que eu. Afronto com frequência minha racionalidade ao apelar às rezas, às mandingas, às promessas para “ajudar” meu time. Sim, sou gremista e dos “quatro costados”, racional e irracional, e passo mal quando meu time não vai bem, fico triste, minha vida deixa de ir bem, me angustio. Nesse sentido, Eduardo Galleano[ii] me compreenderia, não por amar o futebol como ele, mas o Grêmio. O que nunca fiz, porém, foi me envolver na política interna do clube. Entendo ser este um ambiente nocivo à sanidade. A par de existirem pessoas dedicadas, no entorno há outros muitos cujos interesses fáticos são os da projeção pública, os dos negócios e dos oportunismos de plantão. Há muito perdi a paciência para demonstrar gentilezas para articular politicamente com pessoas que não me agradam e a frequentar ambientes nos quais não me sinto bem. Então, optei em ser um reles sócio patrimonial (sou do tempo em que essa modalidade existia). Vamos aos fatos. Há tempos Portaluppi é acometido pelos pecados capitais da vaidade e da soberba. Para alguns o maior ídolo da história do Grêmio, publicamente compensava ambos com seu bom-humor, gentileza e por uma notável qualidade de liderança, em especial junto a seu grupo de jogadores. Craque que foi, treinador de histórico competente, respondia ao sucesso com autoelogios, mas com justas proteções e referências aos atletas que dirigia. Recentemente, principalmente após a enchente e aos insucessos continuados do time mudou o tom, principalmente para com a imprensa. Sem respostas em campo, adotou a ira, outro pecado capital, como forma de autodefesa, principalmente contra opiniões dos comunicadores. Ao ser pressionado pelos jornalistas na entrevista coletiva pós-jogo do dia sobre mais uma atuação inconsistente do gigante Grêmio, Portaluppi, para alguns o maior ídolo da história do clube, em mais uma das longas e repetidas argumentações enfadonhas e iradas, nas quais a culpa pelos insucessos são sempre daqueles que o perseguem, proferiu em tom de ameaça um discurso de ódio temerário. Disse: “Se continuarem mentindo, eu vou dar o nome aos bois, vou atacar também, vou chamar de mentiroso, vou chamar alguns de covarde [...] que estão se aproveitando da situação do Grêmio. Vocês também têm família, vocês também têm filhos no colégio, vocês também andam por aí [...] e o torcedor também conhece alguns de vocês [...]”. Portaluppi, ao proferir essa fala, manchou sua biografia. Independentemente das tensões que o afligem, das dificuldades reais pós-enchente e das limitações que demonstrou em enfrentá-las condignamente nos últimos meses, insinuou ameaças à integridade de trabalhadores das mídias. Não há desculpas: é crime de ódio orientado pelo pecado da ira. Não há notas a posteriori que amenizem o dano. Para o Grêmio a fala do seu treinador é imperdoável. Como Instituição esportiva mundialmente reverenciada, a única que carrega no seu nome a cidade de Porto Alegre, só resta àquele que foi elevado à condição de “estátua” em vida sair. Dessa vez pelas portas dos fundos. Uso “sair”, para apelar ao pouco de dignidade que com certeza ainda resta ao cidadão Portaluppi. Faço porque não vejo no presidente Alberto Guerra uma liderança racional capaz de agir com a urgência necessária para estancar um problema que vai muito além do futebol, mesmo sendo ele alguém a quem reputo uma honesta gestão financeira. Entendo, sem conhecê-lo, que confunde emoções e afetos que fazem dele um gremista, com a idolatria a um ídolo de carne e osso e que, por um paradoxo, hoje é seu subordinado. Como não sou alguém que idolatra homens, amo o Grêmio, entendo que devo e tenho autoridade para reivindicar. Diante da irreversibilidade do dano, a única alternativa é mitigá-lo: SAIA RENATO! [i] MOUFFE, Chantal. El poder de los afectos en la política. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2023. [ii] GALEANO, Eduardo. Fechado por motivo de futebol. Porto Alegre [RS]: L&PM, 2018.   *César Luciano Filomena – Gremista, Doutor em Ciência Política, Auditor do Controle Externo, Professor, Politólogo e Engenheiro Civil. PS1 - Eu, um menino que corria nas arquibancadas do Olímpico levado pelas mãos do meu pai. Sou um reles sócio patrimonial que desde o primeiro salário como profissional, ainda no ano de 1990, jamais deixou de pagar em dia o clube. Alguém que em minuto algum da vida prescindiu de incentivar e promover o Grêmio em qualquer lugar que fosse. Segundo entendo, maior instituição futebolística do Brasil, da América e do Mundo. PS2 - Negando o homem racional que sou, quando o assunto é Grêmio, acabo apelando para imponderável universo da mandinga para “ajudá-lo”: faço promessa, rezo. Mesmo profissionalmente, sempre respondi negativamente a outras oportunidades de trabalho fora daqui dizendo aos interlocutores dos convites: Onde fica o Grêmio? Ilustração de capa: Anderson Romão/AGIF) Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Mulheres de sete países se reúnem em Porto Alegre para propor soluções para a emergência climática

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Mulheres de sete países se reúnem em Porto Alegre para propor soluções para a emergência climática
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Lideranças de Argentina, México, Guatemala, Bolívia, Equador, Cabo Verde e Brasil participam de encontro promovido pela Themis de 2 a 5 de dezembro. Porto Alegre, novembro de 2024 - De 2 a 5 de dezembro, Porto Alegre será o centro de um evento inédito e de grande impacto social: o 1º Encontro Regional de Empoderamento Legal, promovido pela Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos. Com a participação de organizações de mulheres de sete países, o evento reunirá cerca de 30 lideranças de Brasil, Argentina, México, Guatemala, Bolívia, Equador e Cabo Verde para troca de experiências e construção de estratégias de enfrentamento às injustiças climáticas que afetam desproporcionalmente mulheres e suas comunidades. Entre as organizações participantes, estão nomes de destaque no cenário do empoderamento jurídico e justiça social, como Escola Latino-Americana de Direito Comunitário e Ativismo Legal (ELAC), União de Mulheres, Geledés, Comunidade Latino-Americana de Empoderamento Jurídico, Iniciativa pelos Direitos das Mulheres (IDM), Fundação Construir, EQUIS - Justiça para Mulheres, Associação Cabo-Verdiana de Luta Contra Violência Baseada no Gênero (ACLCVBG) e Rede Global de Empoderamento Jurídico, conhecida como Namati. A programação inclui painéis, oficinas, apresentações culturais e diálogos que abordarão desde as violências específicas enfrentadas pelas mulheres em desastres climáticos até a elaboração de uma agenda unificada para o enfrentamento das injustiças climáticas. Destaques da programação: Abertura oficial e teatro das Marisqueiras: na manhã do dia 2, o evento começa com uma performance do grupo "Movimento Marisqueiras", retratando o impacto das mudanças climáticas nas comunidades pesqueiras; Painel sobre a emergência climática no Rio Grande do Sul, com Márcia Soares, diretora executiva da Themis; Sandra Ferreira, liderança comunitária da Ilha do Pavão; e Ana Mossatte, Promotora Legal Popular (PLP); que compartilharão suas experiências no contexto das enchentes recentes no Estado; Aula com especialista: participação do professor e geocientista Rualdo Menegat, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que abordará soluções comunitárias para emergências climáticas; Construção de uma agenda climática regional: no dia 3, as participantes trabalharão em grupos para iniciar a formulação de uma agenda unificada de enfrentamento às injustiças climáticas, que será finalizada e apresentada em 2025; Visitas a projetos locais: no dia 5, grupos visitarão o Serviço de Informação à Mulher (SIM), em Porto Alegre e Canoas, para conhecer iniciativas de atendimento a mulheres em situação de vulnerabilidade. Para Márcia Soares, o encontro representa um avanço na luta pela justiça climática e igualdade de gênero. "O empoderamento legal é essencial para que as mulheres sejam protagonistas na construção de soluções para os desafios climáticos. Este encontro é uma oportunidade histórica para fortalecer redes e lideranças femininas em toda a América Latina", destaca. O evento, idealizado como um marco na articulação de soluções justas e inclusivas para os desafios climáticos enfrentados por mulheres na América Latina, também celebra a atuação das PLPs, base ativista formada pela Themis para capacitar mulheres em direitos e justiça. Segundo Márcia, essa experiência servirá como inspiração para as demais organizações participantes. Saiba mais O quê: 1º Encontro Regional de Empoderamento Legal Quando: 2 a 6 de dezembro de 2024 Local: Hotel Blue Tree Towers Millenium (Avenida Borges de Medeiros, 3.120, bairro Praia de Belas, em Porto Alegre) Realização: Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos Informação: themis.org.br   oto de capa:   Divulgação Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.  

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A liberdade em quarentena

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A liberdade em quarentena
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Por ANTONIO LAVAREDA* No Ocidente, que é onde minha vista alcança, a questão da liberdade nesses tempos remete sobretudo ao medo. Como o professor Sul-coreano-alemão, Chul Han, descreve, “a liberdade não é possível onde reina o medo. Medo e liberdade se excluem mutuamente”. O medo aprisiona a sociedade. Contraposto ao espírito da esperança, sobretudo à esperança ativa, comprometida com movimentos de busca do progresso, ele a deixa em permanente quarentena (Byung-Chul Han, 2023). Por certo, isso não significa esquecer o fato de que há diversos países no hemisfério que enfrentam essa questão na dimensão mais concreta, dura, primitiva - de histórica privação de liberdades públicas. Países onde nunca houve instituições propriamente democráticas, a exemplo entre outros de Zimbábue, Ruanda, Gabão ou Burundi. Outros há em que elas existiram mas foram interrompidas por revoluções autodenominadas democratizantes, mas que se corromperam em regimes autoritários como Cuba, Venezuela e Nicarágua. Em todos esses países, na ausência quase absoluta da liberdade, o medo do sistema, o temor aos tiranos, está incorporado permanentemente ao kit de sobrevivência mental dos indivíduos na esfera pública. Mas não é desse medo que cogito aqui. Tampouco se trata do “medo líquido” de que fala Bauman, cujas raizes são as incertezas relacionadas aos múltiplos riscos da “globalização negativa”. Sejam os desastres climáticos e ambientais, as crises econômicas, as pandemias, ou o terror ( Bauman, 2008). Dirijo a lente para o sentimento que tem prosperado nesse primeiro quartil do século XXI, difundido regular e sistematicamente - com organização, disciplina e método- , pela extrema direita, em suas diferentes versões nacionais. Um medo “arquitetado”. Assim, às velhas formas de supressão das liberdades vem se somar agora a estratégia do iliberalismo, promovida pela ultra direita internacional. Nela, a democracia é corroída por dentro, conforme o modelo exitoso da Hungria, de Viktor Orbán (Cas Mudde, 2023). O sucesso dessa estratégia se baseia na promoção desenfreada do medo. O medo que assume caráter coletivo é polarizador. Magnifica as divisões dentro da sociedade. Politiza e aprofunda diferenças que antes se viam pouco valorizadas, eram toleráveis e conciliáveis. Ele produz e dissemina uma sensação de instabilidade que termina por se materializar efetivamente, estimulando descontentamento e protestos, conflitos e até derrubadas de governos. Esse medo redesenha o debate público, e leva os eleitores a abandonarem seus partidos e lideranças tradicionais, galvanizando o apoio a outsiders, em geral líderes autoritários que lhes acenam com segurança e proteção. O medo justifica, por fim, as políticas repressivas, desde a aceitação da restrição de direitos até mesmo o aplauso à hipótese de governos totalitários, como resposta ao que Hanna Arendt já conceituara como “inimigos objetivos”, geradores de suspeita generalizada pelo partido e depois pela máquina do Estado (Arendt, 1951). Nos tempos atuais, para promovê-lo e fazer adoecer a democracia representativa os venenos são atualizados, bem como a posologia adotada. Envolve doses elevadas de desinformação deliberada e disseminação maciça de fake news na internet. O pior é que não há antídotos cem porcento eficientes. Não há como evitá-los de todo. A emergência das redes sociais tornou isso impossível. Mas é necessário coibí-los. Limitá-los em alguma medida. Sobretudo pela regulação das plataformas, como fez a União Europeia. As deepfakes criadas por inteligência artificial e os milhões de usuários e bots, que distribuem informação apócrifa em redes criptografadas de ponta a ponta, agravaram o problema. Elevando o desafio a um patamar bem superior ao que foi no passado o de controlar a propaganda política em jornais, rádios e TVs (Lavareda, 2024). Ocorre que, em países como Brasil e Estados Unidos, há uma enorme resistência à regulação de plataformas e redes. A extrema direita paralisa essa agenda nos respectivos congressos. Afinal, é difundindo o medo, e a partir dele agredindo ora as minorias, ora o establishment, mesmo quando estão claramente associados aos interesses das elites econômicas, é com essa fórmula que os novos populistas se valem dos algoritmos das redes para conquistar apoio eleitoral. A combinação dos interesses econômicos das plataformas e da força da ultra direita nesses países torna muito difícil caminhar nessa direção. A expectativa do mundo se volta nesses dias para tentar prever o que acontecerá na principal potência, os Estados Unidos da América, a partir de 20 de janeiro do ano próximo. Mas a rigor não é necessário qualquer exercício adivinhatório. Basta reler os discursos e rever a propaganda da campanha. Até o momento, temos um show de coerência. Os nomes anunciados para o novo gabinete, por mais bizarros que pareçam a muitos, são perfis totalmente congruentes com a retórica do então candidato. Portanto, é mais que justificado o temor de um retrocesso significativo na agenda de combate ao aquecimento global, numa quadra em que se multiplicam os desastres climáticos; do anunciado distanciamento dos líderes europeus, agravado pelo maior alinhamento com a Rússia; e o temor de uma redução substancial do apoio à OTAN, e especialmente à Ucrânia, que será levada à paz de joelhos. Na agenda interna, haverá deportações em massa de indocumentados; perseguição a funcionários que no passado não foram complacentes com iniciativas ilegais; demissões em massa de servidores públicos, a pretexto de reduzir a burocracia; posturas negacionistas na condução da saúde pública; e até mesmo a extinção do Departamento Federal de Educação. Tudo isso sob a direção e batuta ideológica da Direita-Tech representada por Elon Musk e J.D. Vance. Por que Trump volta à Casa Branca? Porque que o medo já estava suficientemente instalado na alma dos americanos ao tempo da votação. A poucos dias da eleição, uma pesquisa do jornal New York Times, em conjunto com o Siena College, mostrava a vitória de Trump no voto nacional por um ponto percentual (Trump, 47%, Harris, 46%) . Como sabemos, o resultado não foi muito diferente: Trump teve no voto total 50%, e Harris 48.4%.Uma diferença de + 1.6. Aquela pesquisa mostrou que 76% dos americanos acreditavam que a democracia no país estava sob ameaça. Uma opinião disseminada em todos os níveis de renda e escolaridade. Com presença simétrica nos dois contingentes eleitorais (com 77% entre os eleitores de Harris, e 76% entre os de Trump). Por seu lado, em outro levantamento, o Instituto Gallup revelou que o medo dos imigrantes havia assumido grandes proporções. Para um inédito percentual de 82% dos eleitores republicanos, a imigração aparecia como questão super importante para ser levada em conta na eleição. Os norte americanos foram às urnas sob dois signos combinados: o do medo generalizado de que sua  democracia estivesse em perigo; e um segundo, potencializado pelo primeiro, o da ansiedade específica movida sobretudo pelo descontentamento com o governo do dia, com 62% acreditando equivocadamente que a economia estava piorando e 46% insatisfeitos com sua situação econômica contra apenas 25% de satisfeitos. Perdeu o partido no poder. O que tem ocorrido com frequência no pós pandemia em diversos outros países que enfrentaram dificuldades, especialmente no capítulo de inflação e juros elevados. Como prescreve a “teoria da inteligência afetiva”, a ansiedade gerada na base eleitoral dos partidos incumbentes cria uma abertura que é usada para encorajar a defecção de eleitores na quantidade suficiente para mudar a correlação de forças em favor dos desafiantes. (Mackuen, Marcus, Neuman, and Keele, 2007) Porém, cabe enfatizar que, se a economia jogou mais uma vez um papel central no voto, o descontentamento com ela ocorreu dessa vez agravado por um clima de medo, propelido por fake news poderosas, pervasivas, mesmo quando desmentidas de forma contundente pelos fatos. Haitianos comendo gatos” e “votando em massa”; vídeos produzidos na Rússia denunciando “operações irregulares do FBI”; “democratas apoiando o aborto até depois do nascimento”; Estados Unidos ocupado por “hordas de estrangeiros criminosos importados pelo governo das masmorras do terceiro mundo”. Todas, notícias falsas. Somente as postagens de Elon Musk com alegações falsas e vídeos adulterados acumularam bilhões de visualizações segundo o Grok, concorrente do ChatGPT. Grok que é do mesmo Elon Musk, que doou 200 milhões de dólares e fará parte do governo Trump. Concluindo, o certo é que a inflação aliou-se ao medo, e os americanos deram lugar - com o novo governo Trump majoritário na Câmara e no Senado, e respaldado pela maioria conservadora nos Suprema Corte - a uma era de incerteza como poucas vimos antes. Nesse momento, não é exagero afirmar, voltando à metáfora de Chul Han, que a liberdade do mundo entrou em quarentena.   *Antonio Lavareda é cientista político e sociólogo, IPESPE/ UFPE. Presidente de Honra da ABRAPEL - Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais. Palestra proferida na Conferência Internacional “O Porto da Liberdade”. Promovida pelo Instituto Português de História e Cultura Local. Porto. Portugal. 26/11/2024. Foto de capa:   Alex Reprodução Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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Carta de Paulo Sérgio Pinheiro à Fundação São Paulo sobre convocação dos professores Reginaldo Nasser e Bruno Huberman acusados de antissemitismo

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Carta de Paulo Sérgio Pinheiro à Fundação São Paulo sobre convocação dos professores Reginaldo Nasser e Bruno Huberman acusados de antissemitismo
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Genebra, 22 de novembro de 2024 Sra.Rosangela Sanson DD.Ouvidora Fundação São Paulo R. João Ramalho, 182 - Perdizes, São Paulo - SP, 05008-000 fundacaosaopaulo@fundasp.org.br Senhora Ouvidora, Tomei conhecimento pela mídia que meus eminentes colegas na PUC-SP, Professor Reginaldo Nasser e Professor Bruno Huberman, do curso de Relações Internacionais naquela instituição, foram convidados a darem explicações ao setor de Ética e Integridade da Fundação São Paulo, a respeito de acusação de antissemitismo por parte de alguns alunos. Em vez de submeter os professores Nasser e Huberman a esse vexame público ao alardear essa convocação a Fundação deveria se orgulhar em ter no quadro docente da PUC~SP dois entre os poucos mais conceituados especialistas no Brasil em relações internacionais com ênfase sobre a conjuntura no Oriente Médio. Faz anos que leio e acompanho com o maior interesse as pesquisas e as obras dos dois professores. Assim como sua brilhante docência para os estudantes na Universidade, que acompanho em detalhe nos últimos quatro anos pois dois netos meus, Mateus Pinheiro Lanhoso e Sofia Pinheiro Lanhoso que tiveram o privilégio de terem Nasser e Huberman como professores. A Fundação em vez de demagogicamente aceitarem as denúncias de alguns estudantes, que confundem análise e pesquisa acadêmica do sistema de apartheid israelense e das práticas da política sionista do Estado de Israel com antissemitismo, deveriam levar em conta a obra dos dois professores. Ali veriam que todas suas aulas e publicações se mantém rigorosamente dentro das análises e decisões dos órgãos da ONU. Menciono apenas as decisões da Corte Internacional de Justiça que definem como ilegal a ocupação do Estado de Israel dos territórios palestinos e como plausível o genocídio dos palestinos em curso. A Fundação com essa convocação dos dois professores assume de forma sensacionalista as acusações equivocadas e caluniosas de estudantes que confundem crítica às policy e politics do Estado de Israel com antissemitismo, cerceando por completo a liberdade de expressão de uma maneira inaceitável. O Estado de Israel não está acima das obrigações internacionais e não pode praticar violações a tratados e convenções do direito internacional dos direitos humanos e do direito internacional humanitário. Não pode querer transformar todas as críticas à suas políticas em atos antissemitas tentando se tornar imune a qualquer forma de crítica, contestação ou condenação, como as que têm sido emitidas pela Corte Internacional de Justiça, Tribunal Penal Internacional , da Assembleia Geral da ONU, do Conselho de Segurança da ONU, Secretário-Geral da ONU, Alto Comissariado de Direitos Humanos ,Alto Comissário para Refugiados, meus colegas relatores especiais de direitos humanos e comissões de investigação do Oriente Médio. Esse acolhimento pela Fundação das acusações dos estudantes aos dois professores parece ter como objetivo silenciar a crítica a Israel e ao sionismo igualando-a ao antissemitismo. Essa atitude que visa silenciar toda defesa dos palestino tem sido empregada em muitos países, e agora aqui na PUC-SP ,como um golpe para suprimir a liberdade acadêmica. Dezenas de organizações palestinas, israelenses, da sociedade civil e de direitos humanos de todo o mundo, bem como acadêmicos, escritores tem condenado o impacto antidemocrático e repressivo desse amálgama entre antissemitismo e crítica aos crimes contra a humanidade e crimes de guerra do Estado de Israel, como há dias deliberou o Tribunal Penal Internacional. Diante desses fatos, como membro da Comissão Justiça e Paz de São Paulo ,criada pelo Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, antigo presidente da Fundação São Paulo, e como Assessor Especial do governador de São Paulo Franco Montoro , homenageado no edifício sede desta Fundação ,diante dessa convocação ofensiva para “explicações” dos docentes Nasser e Huberman sinto- me deprimido e enojado. Tais patronos extraordinários, como Dom Paulo e Montoro, que lutaram a vida toda pela dignidade e pela defesa das vítimas de direitos humanos, jamais teriam tolerado esse atentado desprezível contra a reputação ilibada e admirável competência dos professores Reginaldo Nasser e Bruno Huberman Atenciosamente Paulo Sérgio Pinheiro Professor titular de ciência política, USP (aposentado) Doutor honoris causa, UNICAMP Relator Especial de Direitos Humanos da ONU/Presidente da comissão independente internacional da ONU de investigação sobre a República Árabe da Síria, Genebra, desde 2011 Ex-Ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, governo FHC Ex- Assessor Especial, com status de secretário de estado, do governador Franco Montoro.   Foto de capa: Reprodução Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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