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Disputas entre França e Reino Unido e as ameaças do terror
Disputas entre França e Reino Unido e as ameaças do terror
Por CELSO JAPIASSU*
O relacionamento entre a Inglaterra e a França não pode ser definido como o de bons vizinhos. Embora dividam entre si o Canal da Mancha e uma mútua curiosidade cultural, já alimentaram entre si diversos e variados conflitos e uma guerra que durou cem anos e se espalhou pela Europa. O ingresso do Reino Unido na União Europeia, da qual posteriormente se retirou, também não foi de todo pacífico. O general De Gaulle, à época o presidente francês, vetou por duas vezes a aprovação do Reino Unido como membro da comunidade.
Nas duas ocasiões De Gaulle relembrou, entre os mais chegados, a expressão pérfida Albion, consagrada desde o século 18 para se referir de maneira pejorativa à Inglaterra. Foi criada pelo diplomata Augustin Louis Marie de Ximénèz e caiu no gosto dos círculos políticos franceses. Albion era o nome do país dado pelos gregos da antiguidade. Para o aquele diplomata, a Inglaterra era um exemplo de hipocrisia, um reino onde se dizia uma coisa e se praticava outra exatamente ao contrário.
Conflito
Nos primeiros meses depois do Brexit, Reino Unido e França viveram uma guerra do peixe por causa da dificuldade dos pescadores franceses em obterem licenças de pesca nas proximidades da ilha de Jersey. Foi exatamente a discussão sobre essas licenças de pesca que atrasou o acordo sobre a saída da Inglaterra da comunidade europeia, assinado finalmente em 31 de janeiro de 2020. O assunto até hoje se arrasta e já criou uma crise diplomática em que a França ameaçou bloquear a ilha além de cortar o fornecimento da energia que vai do continente para Jersey. Os britânicos reagiram enviando navios de guerra para patrulhar um protesto de 60 barcos pesqueiros franceses. Por seu lado, a França também enviou dois navios armados. Mas tudo não passou desses arrufos.
A ilha de Jersey tem uma situação curiosa porque embora pertença à Coroa Britânica tem governo autônomo e não faz parte do Reino Unido, que é responsável pela defesa da ilha. Embora o pequeno território nunca tenha feito parte da União Europeia, os acordos de pesca no mar de suas proximidades são parte do protocolo de comércio entre Londres e Bruxelas assinado por ocasião do Brexit.
Trezentos e quarenta e quatro barcos franceses pediram a licença de pesca naquelas águas onde sempre pescaram, mas só 41 a obtiveram e os navios ingleses continuam patrulhando o mar.
Terrorismo
Os atentados terroristas assombram a Europa e o medo cresceu desde a tomada do Afeganistão pelos jihadistas talibãs. Há um novo êxodo de refugiados embora sem repetir a tragédia humanitária de 2015, quando mais de um milhão de fugitivos do Oriente Médio aportaram no continente deixando milhares de mortes na travessia do Mar Mediterrâneo. Só no primeiro semestre deste ano já se contam mil e duzentas mortes por afogamento. A Organização Internacional para Migrações informa que, com a guerra em Gaza e as tensões de sempre no Oriente e África, tem dobrado tanto o número de fugitivos quanto de mortes na comparação com o ano passado.
Como sempre acontece, a chegada de um grande número de refugiados é dramatizada e explorada pelos partidos de direita, cujo crescimento pode ser em grande parte creditado ao temor das classes médias daquilo que esses partidos chamam de “invasão” da Europa. Rostos desconhecidos, hábitos culturais distintos, vestimenta e as línguas estranhas faladas pelos novos migrantes formam o quadro de estranhamento e medo.
A ONU pede aos países que tomem medidas, como sempre classificadas como urgentes, para proteger os migrantes e reduzir o número de mortos. Sugere que as autoridades aumentem as tarefas de busca e resgate e que os refugiados possam ter acesso a um processo de migração seguro e legal.
Apesar do medo da classe média motivado pelos intermitentes ataques terroristas na Europa, cuja responsabilidade é na maioria das vezes atribuída aos povos do Oriente Médio, não é sempre assim que ocorre. O último ataque que ocorreu na Noruega foi responsabilidade do dinamarquês Espen Andersen Brathen, de 37 anos, que já esteve preso por furto, posse de drogas e ameaças de morte. Ele matou aleatoriamente 5 pessoas dentro e fora de um supermercado. O cenário foi a pacata cidade de Kongsberg, no Sudoeste do país, com pouco mais de 27 mil habitantes.
Nos últimos anos, a Alemanha, a Bélgica e a França tiveram quatro tentativas de ataques terroristas. Desmantelados pela polícia, todos esses ataques foram planejados e seriam praticados por organizações de extrema direita sem qualquer interferência estrangeira.
Recentemente, a Europa tem enfrentado várias ameaças terroristas, com diferentes fontes e motivações. Foram frustrados diversos planos de atentados terroristas, alguns envolvendo suspeitos que se passavam por refugiados. Investigações na Áustria e Bósnia resultaram na prisão de grupos de refugiados afegãos e sírios com armas, e suspeitos de planejar ataques motivados pela guerra de Israel contra o Hamas. Além disso, três palestinos suspeitos de serem membros da Brigada dos Mártires de Al Aqsa foram detidos na Itália por planejarem ataques a alvos civis e militares na Europa.
Após um ataque em Moscou reivindicado pelo Daesh, vários países europeus, incluindo Itália e França, elevaram seus níveis de alerta. A Alemanha também mantém um nível elevado de ameaça terrorista, especialmente devido ao ramo do Estado Islâmico na província afegã de Khorasan.
*Poeta, articulista, jornalista e publicitário
Foto da capa: Soldados franceses patrulham em frente à Torre Eiffel em 8 de janeiro de 2015, um dia após um ataque mortal ao jornal satírico francês Charlie Hebdo – Bertrand Guay/AFP/Getty Images.
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