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Opinião

Camaleões: sobre hipocrisia e traição

Camaleões: sobre hipocrisia e traição

Cultura por RED
08/10/2023 05:25 • Atualizado em 09/10/2023 13:38
Camaleões: sobre hipocrisia e traição

De LÉA MARIA AARÃO REIS*

É interessante a trajetória desse filme policial, Camaleões, uma produção recente, de 2023, assinada pelo jovem diretor norte-americano de 38 anos, Grant Singer, que está estreando na trilha dos longas-metragens. Conhecido na sua área de trabalho até então como autor de vídeos clipes vistosos, publicidade para grupos de música pop, Singer não garantiu opinião uniforme entre críticos de filmes em cinemas e com espectadores habituais de plataformas de streaming.

Quarenta por cento da crítica especializada viram o filme sem novidades embora destacando a atuação primorosa do ator Benício del Toro. Mas muitos espectadores saúdam Reptile, o título original, como um suspense especial e para além do embalo de noites insones.

Reptile remete à ideia de traição, hipocrisia, mentiras e fingimento borrifados sobre uma comunidade de alta classe média da Nova Inglaterra onde os ‘bandidos’ seriam agentes de segurança pública, policiais corrompidos por meliantes maiores, os empresários milionários. Até aqui, pouca novidade para o que lemos e ouvimos no front do noticiário diário a respeito de executores e dos mentores, mandantes e financiadores de ações ilegais.

Mas a atmosfera criada com as imagens de Singer e a trilha musical do filme, insinuando, mas não afirmando nada, turbinam a trama do argumento criado por ele e seus co-roteiristas, Benjamin Brewer e pelo próprio ator del Toro. Garantem um filme inteligente, no mínimo curioso e um pouco instigante em um mar de outros filmes medíocres.

Longo, de duas horas e 15 minutos, o seu suspense poderia ser mais compactado. Mas é tal a suspeita que paira sobre a comunidade de ‘homens de bem’ nele apresentada, e com a inocência de ninguém assegurada, que a maldade como que se espalha, lenta, e com acordes surdos, sobre todos. Nem policiais nem matriarcas, nem mulheres infiéis nem esposas fiéis, nem homens carreiristas nem o próprio protagonista, o detetive durão Tom Nichols vivido por Benício del Toro, escapam. Todos são camaleões, ou foram répteis em algum lugar do passado ou estão em vias de sê-lo.

Além de sustentado por uma atmosfera física sombria da Nova Inglaterra, Reptile traz o excelente ator porto-riquense em plena forma. Del Toro faz o policial que tenta disfarçar a meia idade, já precisa usar óculos para a vista cansada, mas exibe um brinco de garotão, tem um passado nebuloso e o cabelo é acintosamente pintado de negro.

Nichols é um apaixonado pela profissão e pela sua mulher, esta vivida pela atriz Alicia Silverstone que décadas atrás entrou no panteão da fama comercial com o best seller cinematográfico As Patricinhas de Beverly Hills.

No dizer de alguns críticos, del Toro, nascido em família de imigrantes e criado na Califórnia, não se deixou massacrar pelo sistemão do cinema comercial americano e não consolidou a carreira numa mera marca. Camaleões é ele e é dele.

Indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo excelente 21 Gramas, acabou vencendo nessa categoria e também no Festival de Cannes com Traffic, quando atingiu o auge da fama na carreira de intérprete ideal de estereótipos físicos de personagens sul-americanos. Ainda se destacou nos papéis de Che Guevara, em Cannes, e também fazendo Pablo Escobar.

Nessa trama que se passa na histórica região da Nova Inglaterra, acompanhamos a trajetória de um detetive buscando respostas para o assassinato de uma jovem corretora de imóveis namorada de um ricaço interpretado pelo absolutamente inexpressivo Justin Timberlake, outro ícone passageiro do passado.

thriller trata de um caso em que “nada é o que parece ser, como pretendem os modelos desse gênero cinematográfico. A vítima, Summer, namorada do herdeiro da empresa na qual trabalhava, ainda dormia às escondidas com o ex-marido – ele, um outro suspeito. E ainda há um terceiro: o fazendeiro em busca de vingança por ter sido obrigado a vender sua propriedade para a empresa em que Summer trabalhava.

Com ajuda do fotógrafo Mike Gioulakis, o diretor produziu uma atmosfera consistente que remete às imagens com textura mais pesada, uma das características dos filmes dos anos 70. Em combinação com o objetivo do roteiro que admite deixar pontas soltas pelas bordas do caminho de uma história enigmática a fim de confundir o espectador, o trio conseguiu fazer um thriller inteligente.

Diretor, roteiristas, fotógrafo e o excelente Benício del Moro produziram um filme que, até o fim, é pontuado com brilhantes indefinições. Vale assistir Camaleões. Mas sabendo de antemão que a insônia e as suas próprias dúvidas vão persistir.


*Jornalista carioca. Foi editora e redatora em programas da TV Globo e assessora de Comunicação da mesma emissora e da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Foi também colaboradora de Carta Maior e atualmente escreve para o Fórum 21 sobre Cinema, Livros, faz eventuais entrevistas. É autora de vários livros, entre eles Novos velhos: Viver e envelhecer bem (2011), Manual Prático de Assessoria de Imprensa (Coautora Claudia Carvalho, 2008), Maturidade – Manual De Sobrevivência Da Mulher De Meia-Idade (2001), entre outros.

Imagem: divulgação.

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