Opinião
Bozo, Mourão e seu castelo de insultos à FEB
Bozo, Mourão e seu castelo de insultos à FEB

Por WALTER MORALES ARAGÃO*
“(…) Suas armas foram partidas,
ao mesmo tempo que seu corpo.
(…) Este cemitério tão puro/
é um dormitório de meninos:
e as mães de muito longe chamam,
entre as mil cortinas do tempo
cheias de lágrimas, seus filhos.”
Cecília Meireles, “Pistóia, cemitério militar brasileiro”
O desgoverno Bozo & Mourão é tido internacionalmente como exemplo de desprezo à preservação ambiental, à solidariedade Sul-Sul e de submissão à hegemonia estadunidense atual. O seu viés autoritário e discriminatório ante os movimentos sociais e povos tradicionais é outra característica marcante, notada por diversos setores do espectro político. Esta particularidade torna- se ainda mais preocupante num período de crise capitalista prolongada e de instabilidade política, verificadas até mesmo nos países centrais do sistema mundial. E produz, aqui mesmo, contrariedades tangíveis com os ideais expressos no patrimônio cultural e artístico herdado de outros momentos históricos. É o caso no que se refere ao nosso conhecido Monumento ao Expedicionário, na Redenção, defronte ao Colégio Militar, em Porto Alegre.
Aquele duplo arco de triunfo, em granito, enriquecido com esculturas alegóricas e relevos em bronze, da autoria de Antônio Caringi, é uma homenagem à FEB – Força Expedicionária Brasileira, e uma celebração à vitória dos Aliados sobre o Eixo nazifascista na II Guerra Mundial. A obra venceu um concurso, proposto pela sociedade da época, e ousou ao propor os arcos duplos. Isto seria um elogio à igualdade – um valor humanista e moderno, vitorioso naquela conflagração- diferenciando-se, assim, da tradição dos arcos ímpares, que realça a excepcionalidade dos homenageados.
O Brasil foi o único país latino-americano que mandou tropas àquele conflito. Foram cerca de vinte e cinco mil os “pracinhas” – como ficaram popularmente conhecidos os soldados da FEB – enviados à Europa, os quais somaram-se a ingleses e estadunidenses no rompimento das defesas nazifascistas no norte da Itália, na região de Bolonha – a chamada Linha Gótica. A batalha pelo Monte Castelo, componente daquela linha defensiva, durou três meses. Iniciada em novembro de 1944 e encerrada em fevereiro de 1945, foi a mais célebre, juntamente com a de Montese. Há um cemitério dos combatentes brasileiros numa localidade próxima, Pistóia. Cecília Meireles fez um comovente poema alusivo ao local, o qual visitou durante uma viagem nos anos 50.
Em outubro de 1944 a FEB fez seus primeiros prisioneiros do exército fascista italiano e, após seis tentativas, venceu a resistência das fortificações nazistas no local. Ao custo de mais de quatrocentas baixas, entre mortos e feridos. Perdas brasileiras que devem ser acrescentadas às mais de mil mortes decorrentes do afundamento de dezenove navios mercantes, torpedeados no Atlântico por submarinos alemães. Um destes submarinos foi afundado defronte a Araranguá, em Santa Catarina. Foi atingido por uma carga de profundidade lançada por um avião da FAB – Força Aérea Brasileira – , o qual decolara do “campo de Gravataí”, local da hoje Base Aérea de Canoas.
Vê-se, portanto, a contradição insultante de um desgoverno que diz prezar o militarismo, mas promove os valores dos inimigos da FEB! Quando o ex-secretário da cultura do desgoverno Bozo/Mourão fez uma gravação de vídeo imitando Goebbels, o ministro hitlerista da propaganda, não foi desautorizado publicamente pelo chefe do executivo. Foi exonerado devido ao clamor geral da sociedade.
E, além disso, as diversas manifestações de supremacia racial, expressas como preconceitos ou concretizadas através de cortes drásticos nos recursos públicos para as políticas afirmativas pertinentes – caso da não demarcação e reconhecimento de terras indígenas e de comunidades quilombolas – são também nitidamente afins ao ideário nazifascista , além de obviamente contrárias à Constituição Federal de 1988.
Bozo e Mourão deveriam, no mínimo, comparecer pessoalmente na Redenção, no Monumento ao Expedicionário, em Porto Alegre, e desculparem-se publicamente pelo monte de elogios que fizeram aos valores do nazifascismo e pelo castelo de insultos que, assim, ergueram, com suas práticas e palavras, contra a memória dos pracinhas, das vítimas nos navios mercantes e contra a própria História da FEB.
*Doutor em planejamento urbano e regional, professor de filosofia e especialista em história contemporânea. É também segundo-tenente de infantaria pelo CPOR de Porto Alegre.
Foto de Soldados da FEB comemoram o 7 de setembro na Itália durante a II Guerra Mundial, 1944 – Arquivo Nacional.
As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.
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