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Bom dia, Democracia, os perplexos e envergonhados te saúdam!
Bom dia, Democracia, os perplexos e envergonhados te saúdam!
De BENEDITO TADEU CÉSAR*
Meu sentimento hoje é de perplexidade e vergonha. Ambos, porque durante os festejos do Bicentenário da Independência do Brasil, ouvi os pronunciamentos daquele que ocupa a cadeira da Presidência da República. Fiquei imaginando o que pensam as pessoas de classe média alta que o apoiam. Pessoas, pretensamente, bem-informadas e bem formadas, de nível universitário e alto padrão de vida.
Por volta do horário do almoço do dia 7 de setembro, passei pelas imediações do Parcão, uma praça no bairro com o metro quadrado mais caro de Porto Alegre e tradicional ponto de encontro de bolsonaristas. Retido no trânsito congestionado, me questionei como pessoas com essas qualificações podem louvar e chamar de mito um mentecapto? Por que elas fazem isso?
Já em casa, em frente à televisão, vi e ouvi os discursos do despresidente que temos e me horrorizei, talvez como grande parte da população com um mínimo de decência, o fez.
A maioria das pesquisas acadêmicas até aqui realizadas sobre os bolsonaristas têm se atido ao comportamento e visão de mundo da população de mais baixa renda, que foi a grande massa bolsonarista nas eleições de 2018. Hoje essa situação se inverteu.
Óbvio que na eleição passada, como ele obteve maioria eleitoral, o bolsonarismo atingiu, como uma praga, todos os segmentos sociais, com diferentes intensidades. Agora ele está concentrado naqueles que pretensamente são os “mais inteligentes” e compõem o círculo dos “cidadãos de bem”.
Minha dúvida, baseada em evidências e considerando em bloco o segmento social majoritariamente bolsonarista e não qualquer dos seus integrantes individualmente, é se essa adesão cega pode ser atribuída ao medo do “comunismo”, ao combate à corrupção ou à defesa da família e dos “bons costumes”, como muitos afirmam.
Repúdio à corrupção não há de ser. Se alguém chama de mito um sujeito que comprou cento e tantos imóveis, pagou cerca da metade deles com dinheiro vivo, mais de vinte e cinco milhões de reais, sem falar nas outras falcatruas praticadas por ele e seus familiares, então, esse alguém é conivente com isso e não pode, honestamente, acusar outros de corrupção.
Pessoas que ouvem o sujeito falar mentiras atrás de mentiras, descaradamente, e continuam chamando-o de mito, devem ter alguma coisa errada em seus raciocínios.
Pessoas que ouvem e veem o sujeito tratar sua própria esposa e as mulheres em geral como objetos, quando finge elogiá-las, e inicia seus filhos em práticas de desvio de recursos públicos, não podem, em boa consciência, considerá-lo como “defensor da família”, seja ela tradicional ou de qualquer outro tipo.
Nas minhas reflexões, me dei conta de que não é nem imbecilidade, defesa de moral alguma ou medo do “comunismo”, hoje praticamente extinto no mundo. Sabe do que é o medo? É o medo de que se construa um país decente. Um país minimamente igualitário, onde a imensa maioria da população tenha direito a uma vida digna, que possa estudar, tenha assistência médica, um salário que lhe permita morar em uma habitação razoável e tenha
segurança e esperança de vida.
Para que isso seja possível, como a riqueza não é infinita e tal como ocorre em qualquer país desenvolvido, é necessário que as grandes fortunas, os lucros e os dividendos sejam taxados progressivamente aos ganhos obtidos, para que os impostos indiretos, pagos por todos, independente de seus rendimentos, sejam reduzidos e o Estado tenha recursos para redistribuir os benefícios ao conjunto da população.
Isso é inadmissível para os “senhores de engenho”, os senhores de escravos e exterminadores de indígenas, que continuam existindo neste país. Nós temos aqui um fosso social imenso, baseado em privilégios e assentado na exploração da imensa maioria. É isso que muitos integrantes dessa minoria esclarecida da população brasileira, esclarecida entre aspas e ironicamente se referindo, têm medo e é por isso que eles votam nesse imbecil travestido de
presidente da República.
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Com relação ao comportamento de Bolsonaro durante os festejos do 7 de Setembro, não vou me estender no relato dos fatos, amplamente divulgados pela mídia, para não dar mais palanque para aquele que transformou os festejos do Sete de Setembro num palanque armado com dinheiro público. Transformou as comemorações do bicentenário em campanha eleitoral. Isso tem que ser considerado crime eleitoral.
Dizer que Bolsonaro saiu do palanque oficial e foi para um outro palanque para fazer o discurso eleitoral, é tentar burlar os fatos, porque ele se utilizou daquelas imensas massas humanas (que, no entanto, foram menores do que as do 7 de Setembro de 2021) para fazer campanha eleitoral, dizer bobagens e se autopromover diante de pessoas que foram transportada com dinheiro público.
É óbvio que as pessoas que moram no entorno de Brasília ou na zona norte do Rio de Janeiro e que foram para as manifestações na Esplanada dos Ministérios ou na Orla de Copacabana, são pessoas de baixa renda que não se locomoveram para esses locais, muito distantes de suas moradias, sem subsídio para isso, sem que haja transporte gratuito, pago com recursos públicos ou por empresários que burlaram a legislação eleitoral para contratar ônibus e vans particulares.
Bolsonaro se utilizou de um evento oficial para fazer campanha eleitoral. Mesmo que os eventos oficiais já tivessem se encerrado, ele fez seus discursos eleitorais na sequência desses eventos e se utilizou deles de forma consciente. No caso do Rio de Janeiro, afirmar que Bolsonaro foi para um trio elétrico para fazer campanha e, por isso, não foi crime, é hipocrisia.
Com tudo isso, dizer que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não tem como agir e impugnar a candidatura de Bolsonaro, é também hipocrisia. O que o TSE não tem é força política para agir, o que quer dizer que ele não tem apoio dos segmentos que controlam o poder e as armas no país: integrantes da elite empresarial, da alta
oficialidade das forças armadas e dos efetivos de segurança pública.
Dizer que o TSE não tem instrumentos jurídicos para impugar a candidatura do segundo colocado nas pesquisas a um mês das eleições é distorcer os fatos. Em 2018, a um mês das eleições, o TSE cassou a candidatura do primeiro colocado nas pesquisas. Com o apoio da grande mídia, de grandes empresários e de boa parcela da opinião pública, que lhe deram respaldo político, o TSE contrariou orientação do Tribunal Internacional de Direitos Humanos da ONU, a qual o Brasil está comprometido a seguir, às vésperas das eleições.
Por que, agora, não seria possível punir Bolsonaro? Óbvio que o trâmite jurídico é cheio de meandros e que qualquer juiz do TSE pode pedir vistas ao processo e emperrá-lo por anos, mas é óbvio também que, além de força política, falta vontade para puni-lo.
Todos esses fatos são apenas alguns da palhaçada em que vivemos. Já disseram que quando um palhaço entra num palácio, o palácio vira circo. É o que está acontecendo no Brasil hoje.
*Professor de Ciência Política aposentado pela UFRGS
Foto Freepik
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