De ALEXANDRE CRUZ*

Os contos do argentino Jorge Luis Borges são geniais com sua erudição e profundidade. Há um capítulo do Livro de Areia que se chama O Outro. Um senhor de idade avançada se depara com um jovem semelhante a ele. Se sente perturbado, pois na verdade é o seu interior com sede de conhecer o futuro. Depois de tanta reflexão, pois com Borges ninguém sai indiferente da leitura, gostaria de ser este jovem para questionar aos pesquisadores sobre quando teremos liberdade de imprensa, apesar dos anunciantes?

Tivemos no Rio Grande do Sul um escândalo bombástico sobre trabalho escravo em Bento Gonçalves, na serra, onde tivemos mais de 200 funcionários  baianos sendo tratados como animais recebendo choque elétrico e muitas vezes jatos de  spray de pimenta. Foram enganados com a promessa de oportunidade de trabalho, mas a cruel realidade era uma jornada de 12 horas, cujo salário praticamente não existia, e um mercadinho que praticava extorsão. O que me fez lembrar o livro Vinhas da Ira, John Steinbeck. E toda uma cadeia que envolveu alguns policiais, que juraram servir e proteger contra os abusos e crimes, e traíram essa gente trabalhadora que somente buscava um lugar ao Sol.

E as três grandes empresas envolvidas, as vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, o grupo RBS não divulgou quem eram. Será que foi um ato covarde de um meio de comunicação que possui dificuldade de informar porque seus anunciantes estão envolvidos neste crime hediondo? Me parece grave que a publicidade comprometa o trabalho jornalístico no Rio Grande do Sul e no resto do nosso país. Ninguém se atreve a afirmar abertamente,  apesar que no privado todo mundo reconhece. Sem pudor, sinalizo que é escassa a qualidade do jornalismo dominante, no qual esses veículos de comunicação atuam como braço midiático da patronal.

Essa falta de rigor jornalístico, cuja capa de um jornal importante do Rio Grande do Sul diz: Três vinícolas da Serra são suspensas de feiras internacionais até a conclusão de investigação em Bento Gonçalves. Este título, leitores da RED, não identifica as vinícolas e, realmente como diz o professor Luiz Artur  Ferraretto, ficaria bem mais fácil para o leitor compreender a notícia. Isso demonstra o compromisso com anunciantes, um universo de negócios que não tem nada a ver com o jornalismo.  Voltando ao conto O Outro, dentro do contexto atual: será que o jovem teria a resposta do futuro dos veículos de comunicação comprometidos com o verdadeiro jornalismo?

*Jornalista.

Imagem em Pixabay.

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