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Opinião

A falácia do suposto descontrole fiscal nos governos Dilma Rousseff

A falácia do suposto descontrole fiscal nos governos Dilma Rousseff

Artigo por RED
18/09/2022 01:06 • Atualizado em 02/10/2022 01:17
A falácia do suposto descontrole fiscal nos governos Dilma Rousseff

De RÓBER ITURRIET AVILA*

Não é novidade que vivemos uma era de fake news. A capacidade delas gerarem danos nas redes sociais é de conhecimento geral. Muito mais dramático é quando as fake News se multiplicam através da imprensa comercial e mais ainda entre professores, cientistas e acadêmicos. Lamentavelmente, em tais meios também se difundem ideias e informações não verificadas em bases empíricas ou em dados concretos.

Sempre aconselho aos meus alunos: “esqueçam o que dizem por aí. Olhem os dados!”. Entre 2013 e 2016, difundiu-se a informação de que o governo federal havia perdido o controle fiscal, com um suposto excesso de gastos. Tal percepção advém da observação do resultado primário, conforme o gráfico 1.

Contudo, como o próprio nome sugere, o “resultado” é uma diferença entre as receitas e as despesas. Nesse sentido, observar o resultado não traduz tão bem o que ocorreu com as contas públicas. Sobretudo, porque o governo possui um relativo controle sobre as despesas, mas não sobre as receitas, que possuem uma grande influência da atividade econômica, ou seja, da variação do PIB, o qual possui múltiplos determinantes. Como a atividade econômica caiu, as receitas caíram. Além disso, houve expressivo aumento nas renúncias fiscais no governo Dilma, o que impacta o resultado, mas é muito diferente da narrativa repetida ad nauseam de que houve uma gastança fiscal. Importa considerar também que as contas públicas devem ser observadas a partir de variações reais, descontada a inflação, ou então, o que é melhor, em percentual do PIB ou em relação a receita corrente líquida.

A mera observação da curva denota que a despesa total sofre duas inclinações para baixo, uma em 2011 e outra em 2015, anos que, de fato, foram marcados por cortes nas despesas da União. O mesmo ocorre com a receita líquida, porém de maneira mais acentuada, ao ponto de ambas cruzarem-se no final de 2014. Período em que a atividade econômica passou a ficar negativa, o que impactou nas receitas fiscais. Assim, não houve um excesso de gastos e sim uma expressiva redução de receita.

Mais do que isso, ao se olhar com mais profundidade as despesas públicas, verifica-se que o maior aumento se deu na conta previdência, que cresce de forma contínua desde o início da série histórica, 1997, mas há indícios fortes de que o crescimento seja mesmo anterior ao início de tal sistematização. As despesas previdenciárias têm mais relação com alterações demográficas e legais do que com decisões governamentais. Nesse sentido, vale destacar que no período Dilma houve duas alterações de regras previdenciárias, as quais retardaram aposentadorias e reduziram benefícios, uma referente ao setor privado e outra ao setor público. De outro lado, houve elevação de 11,87% do salário-mínimo em termos reais, o que contribui para a elevação da despesa total.

Outra conta bastante criticada na época era a despesa com servidores públicos. No gráfico 3, constam as despesas com servidores ativos e inativos da União. No primeiro ano de governo era 4,15% e no último passou a 4,11%. Houve, portanto, uma estabilidade. Já previdência elevou-se em 1,67 p.p do PIB, o que é muito significativo, porém é preciso levar em conta que nos últimos dois anos o PIB caiu, ajudando a elevar o índice mesmo que o aumento fosse zero. Até 2014, a variação foi de 0,39 p.p do PIB. À toda sorte, recorda-se que o governo possui baixa ingerência sobre tais
despesas. Os indicadores acimas demonstram de forma clara que trata-se de uma falácia a narrativa de que houve um excesso de gastos.

Não se faz aqui um elogio ao equilíbrio fiscal e sim uma verificação empírica sobre a realidade factual do que ocorreu com as contas públicas nos governos Dilma Rousseff. Aliás, convém frisar que o Estado não é uma família e nem uma empresa, não objetiva lucro e não possui restrição fiscal na sua própria moeda, a não ser as autoimpostas através de leis e regras. A bem da verdade, sabe-se que o corte de gastos impacta negativamente a demanda agregada, o volume de emprego e, por consequência, contribui para a piora das contas públicas e do endividamento, ao menos no curto prazo.

De toda a forma, a meta de equilíbrio fiscal busca, dentre outros objetivos, estabilizar a dívida pública. O gráfico 4 apresenta o que ocorreu com a dívida pública no período do governo Dilma.

A factualidade dos dados apresenta que a dívida líquida do setor público saiu de 37,56% do PIB no início do governo para 32,39% no final do governo, uma queda expressiva de quase 5 pontos percentuais do PIB.

As informações acima expostas tão objetivas quanto a concretude numérica. Ainda assim, a crença de que houve um excesso de gastos e um descontrole fiscal no governo Dilma é uma pós-verdade disseminada inclusive por especialistas, seja por ignorância, seja por má fé.

 

*Professor do PPECO/UFRGS e diretor do Instituto Justiça Fiscal.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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