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Opinião

A emergência do ódio na conjuntura eleitoral brasileira e os caminhos possíveis para sua superação

A emergência do ódio na conjuntura eleitoral brasileira e os caminhos possíveis para sua superação

Artigo por RED
19/09/2022 19:58 • Atualizado em 22/09/2022 11:43
A emergência do ódio na conjuntura eleitoral brasileira e os caminhos possíveis para sua superação

De CLAUDIA MARIA DADICO*

O contexto eleitoral brasileiro expôs uma realidade dramática e preocupante: a explosão da violência e do ódio por motivação política em níveis inéditos e, consequentemente, o medo dos brasileiros de serem agredidos fisicamente por suas escolhas políticas ou partidárias.

Em poucos meses, casos extremos de violência política causaram perplexidade à sociedade brasileira e repercutiram internacionalmente.

O assassinato de Marcelo Arruda em sua festa de aniversário, realizada em 09 de julho de 2022, na cidade de Foz do Iguaçu, enfeitada com motivos alusivos ao PT e ao ex-Presidente Lula, foi brutalmente interrompida pela ação de Jorge Guaranho, um simpatizante do Presidente Jair Bolsonaro que invadiu o recinto atirando com arma de fogo, tirando a vida de Marcelo e expondo a perigo a vida das demais pessoas presentes.

Em 27 de agosto, sete homens armados interromperam um ato de denúncia realizado pela campanha de Marcelo Freixo, em Campos dos Goytacazes e espancaram quatro integrantes da comitiva, levando um deles à necessidade de realizar uma cirurgia para reconstrução do maxilar.

Na noite de 7 de setembro, Benedito Cardoso dos Santos foi assassinado a facadas por Rafael Silva de Oliveira que ainda tentou decapitar a vítima e filmou o corpo. A motivação do crime, Benedito era simpatizante do ex-Presidente Lula e o assassino Rafael, um bolsonarista.

Não há dúvidas de que os fatos acima configuram crimes de ódio.

Muito embora o Brasil não tenha ainda uma definição legal dessa espécie de crime, há um relativo consenso a partir de textos de tratados internacionais e de legislações de outros países, de que os crimes de ódio são aqueles praticados contra uma vítima selecionada a partir de um único critério: o pertencimento – real ou percebido – a um determinado grupo social definido por seus traços identitários ou por escolhas fundamentais, tais como, a orientação político-partidária.

Os crimes de ódio também se caracterizam pela brutalidade na execução e, nessa medida, funcionam como “crimes mensagem”, ou seja, crimes cuja execução particularmente violenta e espetacularizada veicula um recado também direcionado aos demais integrantes daquele grupo social. Um comunicado de desprezo, desvalor e depreciação à sua própria existência, à sua cultura, às suas ideias, aos seus valores, à sua forma de colocar-se no mundo.

Dessa forma, os crimes de ódio, ao mesmo tempo em que atuam como mecanismo de manutenção de estruturas sociais hierarquizadas, desencadeiam o chamado “chilling effect”, ou seja, o efeito silenciador. A violência por ódio funciona como fator de desestímulo à participação política das pessoas integrantes dos grupos sociais vitimizados, ou mesmo da simples enunciação de suas opiniões nos espaços públicos de debate.

A recente pesquisa do Datafolha, realizada a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade captou esse efeito.

De acordo com o levantamento, sete em cada dez pessoas dizem ter medo de serem agredidas fisicamente em razão de suas escolhas políticas. 67,5% dos entrevistados afirmaram ter medo de serem vítimas de agressões. Um número particularmente assustador da pesquisa, revela que 3,2% das pessoas ouvidas disseram ter sofrido ameaças por motivos políticos nos últimos 30 dias, o que equivale a 5,3 milhões de brasileiros e brasileiras, se o percentual for aplicado ao total da população do Brasil.

Ou seja, desde a redemocratização, o Brasil não vivenciava um contexto tão violento em eleições. Desde o fim da ditadura militar, a sociedade brasileira não experimentava um clima de intimidação e constrangimento em razão de escolhas políticas.

Ainda que, corretamente, se compreenda o ódio – especialmente em suas manifestações de violência racial, homofóbica e de gênero – como um elemento estruturante das sociedades e Estados modernos, os dados recentes revelam algo a mais.

Os casos mais graves ou fatais têm todos um elemento em comum: vítimas simpatizantes de partidos de esquerda e ofensores vinculados ao denominado “bolsonarismo”. Nessa medida, há um grave erro de avaliação quando se atribui tais ocorrências a uma suposta “polarização”. Como dizer que há polarização se as vítimas pertencem a apenas uma determinada orientação do arco político? A polarização ocorreria num cenário de reciprocidade de atos violentos entre simpatizantes dos grupos políticos antagônicos, o que não está posto.

Ao contrário, o que se verifica são os resultados da consolidação do “bolsonarismo” como uma corrente política extremista, cujos elementos pressupõem o uso de técnicas da psicologia das massas já utilizadas historicamente pelos regimes e movimentos fascistas, tais como a instrumentalização política da violência e do ódio. Daí a glorificação do uso do armamento, das figuras militares, da masculinidade tóxica, a banalização da morte e a constante fabricação de inimigos (que podem incluir até mesmo altas autoridades do Poder Judiciário), transformados em verdadeiros bodes expiatórios, cuja função é empobrecer o debate acerca das complexas questões econômicas, sociais e políticas, que devem definir os rumos do país.

Nessa medida pergunta-se: o que fazer para enfrentar tal quadro? Seria possível criar estratégias para que o ódio e a violência não mais funcionem como verdadeiros ativos no capital político de determinadas lideranças?

A questão passa, necessariamente, por profundas transformações, no sistema educacional, na regulação dos meios de comunicação e das plataformas digitais, tarefa complexa que demandará, por certo, o trabalho de várias gerações. Na raiz de todos esses problemas está o aprofundamento do neoliberalismo como nova razão de mundo, que cria subjetividades empobrecidas, cada vez mais individualistas, competitivas e beligerantes.

Num plano mais imediato, os pilares da justiça de transição parecem apontar uma primeira e necessária etapa, no difícil caminho que se coloca à sociedade brasileira: memória, justiça e reparação. Para isso, um melhor tratamento jurídico da categoria dos crimes de ódio, entendidos como violações de direitos humanos, também se faz necessário.

Passos iniciais, num longo caminho de reconstrução da paz, do sentido humano de coletivo e do desenvolvimento, livre de ódios e violências. Uma utopia possível.

*Doutora em Ciências Criminais, Juíza Federal, especializada em Crimes Financeiros, Lavagem de Dinheiro e Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal, conselheira da Associação Juízes para a Democracia.

Foto em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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