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Opinião

A arte de resistir a contra-ataques: a batalha africano-cubana de Cuito Cuanavale, em 1988, a eleição presidencial de 2022 no Brasil e o início do governo Lula 3

A arte de resistir a contra-ataques: a batalha africano-cubana de Cuito Cuanavale, em 1988, a eleição presidencial de 2022 no Brasil e o início do governo Lula 3

Artigo por RED
18/01/2023 05:00 • Atualizado em 19/01/2023 09:51
A arte de resistir a contra-ataques: a batalha africano-cubana de Cuito Cuanavale, em 1988, a  eleição presidencial de 2022 no Brasil e o início do governo Lula 3

Por WALTER MORALES ARAGÃO*

“(…) Morena de Angola/
Que leva o chocalho amarrado na canela/
Passando pelo regimento/
Ela faz requebrar o sentinela/
(…) Minha camarada do MPLA.”
Chico Buarque. Morena de Angola. 1980.

 

A posse de Lula neste 1º de janeiro simbolizou a vitória eleitoral e política obtida pelo campo democrático/popular na eleição presidencial de 2022. Já a reeleição de Dilma Rousseff, diferentemente, foi vista por diversos analistas como uma vitória eleitoral e uma derrota política, dada a explicitação de que os setores dominantes do capitalismo brasileiro não aceitariam um quarto governo do PT, em sequência dos obtidos desde 2002. Neste sentido, o golpe parlamentar-jurídico- empresarial de 2016 constitui-se como uma espécie de contra-ataque do conservadorismo brasileiro, reacionário em face dos avanços obtidos durante a redemocratização do país. Manobra que não conseguiu sustentar-se após seis anos, dado que a opção pela extrema-direita como elemento dinâmico não logrou sucesso na estabilização do conservadorismo. E isso por uma série de fatores, que podem ser ilustrados pela conhecida analogia entre movimentos políticos e manobras militares.

A associação de movimentos políticos a manobras militares é uma tradição antiga na filosofia política. É conhecida a máxima do militar prussiano Von Klausewitz: a guerra seria a política por outros meios. E a extrema-direita internacional de hoje em dia apregoa que a afirmação inversa também é verdadeira.

Mesmo não concordando com a identidade reducionista feita pelo extremismo, alguma analogia pode ser útil ao entendimento dos fenômenos, uma vez que ambas as dimensões, a política e a bélica, participam do gênero dos tipos de exercício de poder – o qual incluiria, por exemplo, guardadas as especificidades, os poderes econômico e ideológico.

Mas voltemos à comparação inicial. Releva aqui o exemplo da batalha de Cuito Cuanavale, no sul de Angola, em 1988. No seguimento à retirada de Portugal em 1975 – sem o reconhecimento pela ex- metrópole colonial de um novo governo no país – Angola ficou dividida entre três poderes fáticos: o majoritário MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola – controlando a capital Luanda; a UNITA – União pela Independência Total de Angola, ao sul; e mais o movimento independentista de Cabinda. A UNITA tinha apoio dos EUA e do regime do apartheid da África do Sul. E o MPLA era apoiado pela então URSS e por Cuba. Naquela batalha, a antiga Rodésia – ex-colônia inglesa situada entre Angola e a África do Sul – tornou-se objeto de disputa. Seu movimento independentista SWAPO era apoiado pelo MPLA. E o apartheid sul-africano o queria sob sua influência. E talvez avançar sobre o território da neo-comunista Angola. Com a expansão das forças do MPLA ao sul, a SADF – poderoso e bem equipado exército dos brancos da África do Sul – invade a Rodésia e avança rumo a Angola. O MPLA pede reforço aos cubanos – que passam sua força expedicionária de três mil para mais de quarenta mil combatentes. Com uma estratégia de reforços de posições, o MPLA, seus apoiadores cubanos e conselheiros soviéticos conseguem deter o contra-ataque sul-africano. Em 1990, um acordo em Nova Iorque, com auspícios da ONU, reconhece a independência da Namíbia (ex-Rodésia) e o governo do MPLA em Luanda.

Esse resumo mostra a questão de manter a posição obtida contra a reorganização do adversário. O campo popular e democrático, ampliado, suportou os seis anos de Bolsonaro e conseguiu resistir e retornar ao governo federal pela via eleitoral. O conservadorismo não conseguiu estabilizar-se.

A posse de Lula, em 1º de janeiro de 2023, equivaleu à reconquista de um cume político: a presidência da República, principal posto do poder executivo. Foi um bem-sucedido contra-ataque democrático, após o governo bolsonarista e uma campanha situacionista que abusou do uso da máquina pública e de ilegalidades eleitorais. O evento em si da posse de Lula foi pleno de simbolismo político e cultural.

Ocorre que a extrema-direita realizou uma tentativa de golpe, num movimento similar a um “contra – (contra ataque)”: a parte visível da manobra foi a ocupação e depredação dos prédios-sede dos três poderes no domingo, 08 de janeiro de 2023. O malogro da operação, com decisões institucionais rápidas – como a intervenção federal na segurança do DF, decretada no mesmo dia por Lula, e que redundou na prisão de mais de mil golpistas – e o afastamento do governador do DF e do comandante da PMDF – determinados pelo ministro Alexandre de Morais – frustraram a manobra.

Esta sucessão de movimentos políticos recentes assemelha-se, portanto, a reorganização do sul do continente africano na descolonização tardia de meados dos anos 70 do século XX. E que passou pela importante sustentação das posições obtidas na batalha de Cuito Cuanavale, em 1988. Reorganização geopolítica que levou ao final do regime do “apartheid” na África do Sul nos anos 90, com a libertação e a vitória eleitoral de Nelson Mandela e do seu partido CNA.

Trata-se de ver, agora, o novo governo brasileiro ter sucesso em iniciar sua gestão – coisa que a extrema-direita visivelmente tenta impedir – e buscar, com apoios do centro e da direita democrática, a estabilização da democracia brasileira. Condição para um novo ciclo de desenvolvimento nacional, no âmbito do mundo multipolar nascente.


*Professor de Filosofia. Possui especialização em História Contemporânea, Mestrado e Doutorado em Planejamento Urbano e Regional. É participante do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito.

Imagem em Pixabay.

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