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Governo Bolsonaro teve pelo menos 26 militares da elite de combate do Exército, os kids pretos
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Durante os quatro anos de mandato, Jair Bolsonaro convocou pelo menos 26 militares altamente treinados especialistas em operações especiais, chamados de kids pretos ou "forças especiais" (FE), que foram a elite de combate do Exército. A atuação do grupo antes das Eleições de 2018, durante o governo e na tentativa de golpe foi revelada pela reportagem da revista Piauí. A relação do ex-presidente com o grupo é antiga. Quando era do Exército, na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), Bolsonaro queria fazer parte da força especial. Fez o curso de paraquedismo, primeira etapa de formação, e duas provas de ingresso, mas foi reprovado em ambas. Expulso da corporação, Bolsonaro chegou ao poder três décadas depois e cercou-se dos integrantes dos kids pretos, afirmando serem os únicos em quem confia plenamente. Sua eleição já era chancelada pelo grupo em março de 2018. Segundo a reportagem, o general Luiz Eduardo Ramos - que viria a ser ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência e da Casa Civil - telefonou para Bolsonaro durante um jantar com outros militares. Após a conversa, ele afirmou: "Estão vendo? Esse cara está nas nossas mãos. Se ele for eleito, a gente vai governar por ele". E foi o que aconteceu. Pelos menos 26 militares da elite de combate do Exército estiveram presentes em seu governo. Além do general Ramos, estão: o general Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército; o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens; Cleiton Henrique Holzschuk que tentou retirar as joias apreendidas pela Receita Federal como bem pessoal de Bolsonaro; Marcelo da Costa Câmara, gerente do acervo particular do ex-presidente; o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde; o coronel Elcio Franco Filho, auxiliar no Ministério da Saúde; e o general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes, chefe do setor de Logística do Ministério da Saúde. Outro kid preto que esteve presente no governo bolsonarista foi Mario Fernandes, general da reserva que atuou como assessor da Secretaria-Geral da Presidência. Após o resultado das Eleições de 2022, Fernandes mandou uma carta endereçada ao comandante do Exército, general Freire Gomes, exigindo uma ação para reverter a derrota. "É agora ou nunca mais comandante, temos que agir! E não existe motivação maior que a proteção e o futuro desta grande nação e de seus filhos... Os nossos filhos!", escreveu Fernandes. De acordo com a Piauí, o que ele queria era um "evento disparador", algo que deveria acontecer "a partir da ação das forças de segurança contra as massas populares, com o uso de artefatos como gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral". Este suposto evento deveria acontecer "bem próximo ou em nossas áreas militares", detalhou o general da reserva. O comandante do Exército não atendeu o pedido, mas houve mais de um "evento disparador" com a participação dos kids pretos. O primeiro, em 12 dezembro, dia da diplomação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Bolsonaristas incendiaram cinco ônibus, três automóveis e uma viatura do Corpo de Bombeiros. Eles também tentaram invadir a sede da Polícia Federal em proposta contra a detenção de um indígena xavante. De acordo com relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), havia três kids pretos infiltrados entre os xavantes durante o ato. "Tudo indica que os militares usaram esses indígenas como massa de manobra. Isso porque, em alguns casos, o Estatuto do Povos Indígenas atenua a responsabilidade civil e criminal", afirmou um agente de forma anônima à reportagem. Outro evento foi os atos golpistas que invadiram e depredaram as sedes do Três Poderes, em Brasília, no dia 08 de janeiro. Desta vez, os militares não se esconderam. O general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes se gravou durante os atos. Outros, como os coronéis José Placídio Matias dos Santos e Fernando de Galvão e Albuquerque Montenegro, usaram o Twitter para comemorar os atos. "Será que o pessoal sabe que na manifestação de ontem e, Brasília havia centenas de militares da ativa?", questionou o coronel Santos. Porém, a participação do grupo de elite de combate não ficou somente nisso. Conforme apurado pela revista, a forma que os golpistas se movimentaram mostra treinamento militar. Ação coordenadas, divisão em grupos, presença em diferentes lugares ao longo dos gradis para empurrar ao mesmo tempo e uso dos gradis como escadas indicam o planejamento dos atos. "A tendência natural de toda multidão é caminhar unida, numa única direção", disse um militar do Exército à reportagem. Sobre a atuação dos golpistas no Senado, houve uma organização em dois grupos, um de enfrentamento aos policiais e outro de apoio para minimizar os efeitos do gás lacrimogênio. "Enquanto expele o gás, esse dispositivo fica muito aquecido e só pode ser recolhido com luvas. Um civil sem treinamento dificilmente se prepararia para isso" apontou o militar para um indício de treinamento. Além do comportamento, os golpistas possuíam uma granada do tipo GL-310, que não tem no Senado, na Câmara ou na Polícia Militar do Distrito Federal, apenas no Exército em treinamentos militares, incluindo no curso dos kids pretos. A presença do artefato ainda não está sendo investigado pela Polícia Federal. Mas os investigadores suspeitam da participação dos kids pretos na série de sabotagens em torres de transmissão de energia elétrica. Foram quatro torres derrubadas, sendo 3 em Rondônia e 1 no Paraná. Outras 16 foram danificadas: 6 no Paraná, 6 em Rondônia, 3 em São Paulo e 1 em Mato Grosso. Com a troca de presidente, os kids pretos que aturam no governo Bolsonaro saíram, mas não todos. Um bolsonarista fiel e kid preto, o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, chefia o Comando Militar do Planalto no dia 08 de janeiro. Ele foi afastado em fevereiro e exonerado em abril. Mas não é próprio do governo Bolsonaro. O general Gonçalves Dias, também um kid preto, trabalhou na segurança do presidente Lula durante seus dois mandatos anteriores e foi nomeado como chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) em seu terceiro governo. Ele pediu demissão em abril após imagens do circuito interno do Palácio do Planalto mostrarem sua inação frente aos invasores. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil. Para receber os boletins e notícias direto no seu Whatsapp, adicione o número da Rede Estação Democracia por este link aqui e mande um alô.

Geral

‘Não se pode permitir que o Marco Temporal seja aprovado’, diz médico que atendeu aos Yanomami
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Alexandre Bublitz avisa que está na hora dos brasileiros se perguntarem se querem exterminar os indígenas e a natureza O pediatra e emergencista Alexandre Bublitz atuou no atendimento aos Yanomami em Roraima como voluntário da Força Nacional do SUS. Professor na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e médico da Prefeitura de Porto Alegre e do Hospital Presidente Vargas, ele antes se uniu à organização Médicos Sem Fronteiras para enfrentar uma emergência sanitária na África, onde medicava ouvindo o pipocar das metralhadoras. Nesta conversa com Brasil de Fato RS ele compara as duas experiências, mas fala especialmente sobre o que viu nos rincões remotos da Amazônia. Conta sobre o estado terrível em que encontrou as crianças Yanomami, vítimas da devastação do garimpo criminoso e das doenças que os brancos levam, sobre a medicina dos xamãs e a dura tarefa de recuperar a estrutura de atendimento na região. Acompanhe: [caption id="attachment_8177" align="aligncenter" width="800"] Povo Yanomami (foto de Adriana Hubert/ Cimi Regional Norte 1) / www.cimi.org.br (2020)[/caption] Brasil de Fato RS - Como foi tua experiência de 20 dias trabalhando em uma missão do SUS junto ao povo Yanomami. O que você viu lá? Alexandre Bublitz - Sou pediatra, e já trabalhei em missões humanitárias dos Médicos Sem Fronteiras na Nigéria e fui convidado para a missão com a Força Nacional do SUS, que foi criada já tem mais ou menos dez anos para dar respostas a problemas de saúde maiores, certos desastres. Desde a época das missões no Haiti, onde começou. O que se tem vivido com a população Yanomami é uma nova crise humanitária. Quando houve a mudança do governo é que se viu o que acontecia lá com crianças com quadro de desnutrição importante. A partir dali, o governo federal começou a tentar reorganizar o sistema de atenção aos Yanomami. Inicialmente, tentou-se fazer algumas melhorias através da Sesai, que é a Secretaria de Saúde Indígena, mas era necessário mais. Então foi montado um Centro de Operações Especiais que é o COE, com o caráter de missão humanitária naquela região que pega tanto o Amazonas como Roraima. O local onde fui fica na região de Surucucu, em Roraima, bem dentro da mata. Ali é onde se vê o maior problema com o garimpo. Um pouquinho antes de eu viajar, no início de maio, foi assassinado um agente de saúde indígena e outros dois indígenas foram também baleados. Esses pacientes foram atendidos naquele polo onde fui trabalhar. Já havia lá um posto de atendimento de saúde indígena. "O mercúrio entra no organismo da pessoa não sai mais" Só essa região tinha sido sucateada no último governo com corte de gastos e redução de pessoal. Ficou muito tempo sem ter médico. E teve um grande aumento do garimpo. E o garimpo, para que todo mundo entenda bem, trabalha sobretudo nas regiões próximas aos rios. A terra, junto com os minerais, é colocada para peneirar. E a água tira a terra e sobra só o ouro ou os outros minérios. Junto com isso é utilizado mercúrio. Para que utilizam o mercúrio? É utilizado para purificar os metais. Então, se tenho uma pepita, mas tem algumas outras pedrinhas junto, coloca-se o mercúrio, ele se liga a essas impurezas e fica o ouro puro. E esse mercúrio contamina as águas. Uma vez que entra no organismo da pessoa não sai mais. O que acaba contaminando também os peixes e matando a natureza. Os Yanomami, naquela região, tem pouco contato com o mundo branco. Conhecem, mas ainda estão um pouco afastados. Tem muito da sua sobrevivência a partir de plantação em pequenas roças de mandioca, banana, milho. Mas muito também da pesca, da caça e da coleta de plantas. Se o rio está poluído, perdem um local para poder pescar. E isso acabou agravando a situação. Junto com a violência sofrida pelo garimpo, em que os próprios garimpeiros entravam em conflito com os indígenas, tirando eles das suas terras para poder explorar, acabou dando esses diversos problemas de saúde como desnutrição infantil, muitos casos de malária e muita mortalidade. "As costelinhas aparecendo profundas, os braços fininhos, o abdômen grande por causa dos vermes" BdFRS - E como está hoje a situação das crianças? As fotos que vieram no início do ano foram muito chocantes. E muitas pessoas até diziam "Ah, isso é mentira. Isso é invenção"... Bublitz - Os quadros de desnutrição infantil continuam. Eu atendia nesse polo montado e aperfeiçoado pelo governo. Havia uma equipe grande, a gente estava entre cinco médicos. Todos os dias eu via cinco crianças com desnutrição. Crianças de um ou dois anos, bem emagrecidas, com aquela face caveiresca que a gente fala. As costelinhas aparecendo bem profundas, os braços bem fininhos, mas com o abdômen bem grande por causa dos vermes. Muitos casos de verminose lá. Eu internava todos os dias crianças com desnutrição. Muitas com desnutrição moderada e muitas com desnutrição grave, severa, aguda também. [caption id="attachment_8176" align="aligncenter" width="800"] "Eu internava todos os dias crianças com desnutrição. Muitas com desnutrição moderada e muitas com desnutrição grave, severa, aguda também", afirma médico / Arquivo pessoal[/caption] Os casos de malária eram diversos. Malária é uma doença que não existia antes naquela região. Foi trazida pelos brancos. Pensem nesses locais de garimpo, próximos à água. Eles (os garimpeiros) desviam um rio e ali fica água parada que começa a ser local de replicação de mosquitos da malária. E a população adoece. A situação hoje não está mais tanto na mídia como antes. O governo está dando uma resposta, mas existe ainda um longo caminho pela frente. As ações que o governo tem feito são fundamentais para a melhoria. Mas o garimpo continua lá. Quando teve a entrada da Força Nacional, quando o Exército foi para a região, boa parte dos garimpeiros foi embora. Mas aqueles que foram embora eram os que não tinham tanto poder. Agora, as facções, aqueles que tinham mais poder, esses permaneceram. Que são aqueles que estão armados, esses seguem lá. A situação ainda não está resolvida. "Muitos dos problemas de sáude que se vê no Norte são base para aqueles da população indígena do Brasil" Os casos de malária eram diversos. Malária é uma doença que não existia antes naquela região. Foi trazida pelos brancos. Pensem nesses locais de garimpo, próximos à água. Eles (os garimpeiros) desviam um rio e ali fica água parada que começa a ser local de replicação de mosquitos da malária. E a população adoece. A situação hoje não está mais tanto na mídia como antes. O governo está dando uma resposta, mas existe ainda um longo caminho pela frente. As ações que o governo tem feito são fundamentais para a melhoria. Mas o garimpo continua lá. Quando teve a entrada da Força Nacional, quando o Exército foi para a região, boa parte dos garimpeiros foi embora. Mas aqueles que foram embora eram os que não tinham tanto poder. Agora, as facções, aqueles que tinham mais poder, esses permaneceram. Que são aqueles que estão armados, esses seguem lá. A situação ainda não está resolvida. Na Nigéria, eu sabia que podia ajudar. Mas não era o meu país. E quem tem que tomar as rédeas para fazer as mudanças necessárias na Nigéria é a população nigeriana. Aqui, quem tem a responsabilidade somos nós. É uma coisa que é fundamental e que todo cidadão brasileiro precisa entender. A gente precisa fazer a nossa parte, seja trazendo informações corretas, seja dando apoio a esse tipo de movimento e, sobretudo, apoiando os movimentos indígenas. Um paralelo que é importante fazer: eu estava lá no Norte do Brasil buscando ajudar a população Yanomami, mas muitos dos problemas de saúde que a gente vê lá são base para problemas de saúde da população indígena do Brasil inteiro. Não é diferente aqui no Rio Grande do Sul. Aqui, nós temos os Kaingang, nós temos os Guarani. Uma das formas que a gente tem para fazer isso é ajudar a dar voz a essa população. Não (para) a gente ir lá e dizer como é que tem que fazer. Mas a partir deles, tomando as rédeas da situação e propondo as suas próprias intervenções. Nosso papel é de escuta, de apoio. Eles têm que ser os agentes principais dessa mudança. "Eu fazia o atendimento com o conhecimento branco e a xamã fazia pela parte da cultura Yanomami" BdFRS - Os Yanomami têm uma sabedoria milenar. É um povo muito respeitado entre os indígenas. Como estão lidando com essa situação? Como se utilizam da sua sabedoria, sua cultura para conseguirem estar vivos no meio dessa situação toda, que não é só o garimpo, são várias, a questão dos madeireiros... São vários ataques que sofrem... Bublitz - Respeito muito a cultura Yanomami. Pude conhecer dois xamãs. Um é o João, que era o chefe, o tuxaua de uma das comunidades, a comunidade Xokori. Pude ir até a comunidade, dormi com eles na maloca. Fiquei quatro dias lá. Fizemos um trabalho de atendimento de toda a comunidade, mais vacinação e tratamento de verminose. Fizemos triagem dos pacientes. O João faz o processo de cura a partir da religião dele, através do Xapiri, que são os espíritos da floresta. Invocam os espíritos. Conheci uma outra xamã, uma mulher, a Simone. São poucas xamãs mulheres. Muitas existem pelo fato de muitos dos homens estarem morrendo. Então, algumas das mulheres tomaram a frente. A Simone é um desses casos. Ficava no polo base de Surucucu e, por várias vezes, a gente fez o atendimento em conjunto. Eu fazia o atendimento da parte médica com conhecimento ocidental, branco, digamos assim, e ela fazia pela parte da cultura Yanomami. E isso foi muito enriquecedor. A cultura indígena é muito forte. Graças a ela eles conseguem se manter unidos e lutar contra esses agravos. Eu quero dar uma dica: tenho aqui um livro que se chama "A Queda do Céu". É um livro do Davi Kopenawa, uma das mais importantes lideranças do movimento indígena. Ele é também um xamã. Tem também o domínio sobre a cultura, sobre a cura. Nesse livro ele traz um pouquinho da história dos Yanomami. Traz a chegada do homem branco, que traz as doenças, a força do aculturamento. E traz agora essa parte da luta contra o garimpo. O que a gente tem visto é um genocídio. Temos levantamento do censo no passado (sobre a presença) de 35 mil indígenas naquela região. O último censo levantou só 25 mil. Se esses números estiverem corretos - e é difícil fazer censo naquela região - a gente pode ter chegado a 10 mil mortos. [caption id="attachment_8175" align="aligncenter" width="800"] "O que se tem vivido com a população Yanomami é uma nova crise humanitária" / Arquivo pessoal[/caption] BdFRS - Estamos na iminência de ser aprovado o PL 490 e a questão do marco temporal ainda vai piorar a situação... Bublitz - O marco temporal é um grande problema para a população indígena. Para quem serve? Quem é que está apoiando? Os garimpeiros? Os madeireiros? Quem está depredando a natureza? São essas as pessoas que o marco temporal está ajudando. Queremos o extermínio dos indígenas? Queremos a depredação da natureza? Parte da culpa do que tem acontecido lá é nossa, é da população branca. E a gente precisa agir de uma forma diferente. Ser contra o marco temporal é necessário. Unir-se à luta da população indígena é necessário. Não se pode permitir com que esse marco seja aprovado. BdFRS - A Força Nacional do SUS continua com outros profissionais? Bublitz - Ela continua. Sou um voluntário, trabalhador voluntário da Força Nacional do SUS. Não represento a Força Nacional e o que falo aqui não são as palavras da Força Nacional. São apenas de um médico que foi lá trabalhar de forma gratuita. A ideia da Força Nacional é de fazer intervenções emergenciais. Não é a ideia que ela fique lá para sempre. O que acontece hoje é uma reestruturação do Serviço de Saúde Indígena. O que se quer é que o Sesai consiga tomar conta daquela situação sozinho, sem ter a necessidade de uma missão emergencial. O que se precisa é de continuidade do processo de cuidado. Precisamos ter profissionais que não fiquem só 20 dias lá, mas sim que fiquem anos. Que conheçam a comunidade e que possam estar junto dela. É preciso haver maior incentivo para a contratação de profissionais. Hoje, há cinco profissionais contratados pela Sesai lá e são cinco (que vieram) pelo programa Mais Médicos. Então, é o Mais Médicos que está conseguindo levar profissionais para aquela região. "É o Mais Médicos que está conseguindo levar profissionais para aquela região" BdFRS - Enquanto se enfrenta uma crise humanitária entre os Yanomamis, no resto do país temos um outro problema que são os baixíssimos índices de vacinação, o que expõe também as crianças. Tua formação é de pediatria e gostaria da tua opinião. Bublitz - Claro, sou pediatra e emergencista. Trabalho para a Prefeitura de Porto Alegre e no Hospital Presidente Vargas. O que vejo após sair da Amazônia é que a gente está vivendo um caos nas emergências pediátricas com superlotação e um alto número de crianças com problemas respiratórios. E a maior parte desses problemas poderia ser evitada com a vacina. São muitos casos de gripe, a maioria causados por influenza. A vacina da gripe hoje pega tanto o H1N1, a influenza do tipo A, a influenza do tipo B. Previne boa parte das infecções respiratórias mais importantes. Mas os pais pararam de levar as crianças para vacinar. "As vacinas não são perigosas, elas salvam" Antes, tínhamos índices de até 98% da população alvo sendo vacinada. Hoje, estão em torno de 50 a 60%. Na vacina da gripe, apenas 20% das crianças foram vacinadas. É um reflexo de toda aquela paranóia dos últimos anos sobre as vacinas. As vacinas não são perigosas, elas salvam. Hoje tem vacina também para pneumonia. Tem vacinação para meningite. Os mais velhos lembram que a gente já teve epidemias de meningite aqui em Porto Alegre, com muitas pessoas morrendo. E com vacina, hoje a gente consegue evitar boa parte dessas infecções. [embed]https://youtu.be/Aie_vVaA2GY[/embed] Matéria do Brasil de Fato RS. Foto: Arquivo pessoal. Para receber os boletins e notícias direto no seu Whatsapp, adicione o número da Rede Estação Democracia por este link aqui e mande um alô.

Educação

MEC divulga cronogramas do Sisu, Prouni e Fies
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O Ministério da Educação (MEC) divulgou na quarta-feira, 07, os editais dos processos seletivos do Sistema de Seleção Unificado (Sisu), do Programa Universidade para Todos (Prouni) e do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) para ingressar no ensino superior no segundo semestre de 2023. As notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) da edição de 2022 são usadas nas seletivas. No caso do Prouni, as notas do Enem de 2021 também estão valendo. Para o Fies, serão válidas as notas no exame a partir de 2010. Os candidatos não podem ter zerado a redação. As inscrições são gratuitas e devem ser efetuadas no Portal Único de Acesso ao Ensino Superior. A quantidade de vagas a serem ofertadas em cada processo será divulgada em datas próximas ao início das inscrições também no portal. Confira os cronogramas: Sisu Inscrições: 19 a 22 de junho Resultado: 27 de junho Matrícula dos selecionados: 29 de junho a 4 de julho Lista de espera: 27 de junho a 4 de julho Divulgação da lista de espera: 7 de julho Convocação da lista de espera: a partir de 10 de julho Prouni Inscrições: 27 a 30 de junho Resultado da 1ª chamada: 4 de julho Resultado da 2ª chamada: 24 de julho Lista de espera: 14 e 15 de agosto Divulgação da lista de espera: 18 de agosto Fies Inscrições: 4 a 7 de julho Resultado: 11 de julho Complementação da inscrição dos pré-selecionados em chamada única: 12 a 14 de julho Convocação da lista de espera: 18 de julho a 29 de agosto Os estudantes que tiveram a inscrição de processos seletivos do Fies anteriores postergadas para o segundo semestre de 2023, devem fazer a complementação da inscrição entre os dia 14 e 16 de junho. Segundo o MEC, a complementação estará condicionada ao atendimento dos demais requisitos, prazos e procedimentos necessários para o financiamento. Enem As inscrições para o Enem estão abertas desde segunda-feira, 05, e vão até o próximo dia 16. A taxa de inscrição é R$ 85 e deve ser quitada até o dia 21 de junho. As provas irão acontecer nos dias 05 e 12 de novembro. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil. As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.


Artigo

A contribuição da mídia gaúcha para a decadência do RS – PARTE 3

Artigo

A contribuição da mídia gaúcha para a decadência do RS – PARTE 3
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De CARLOS ÁGUEDO PAIVA* Justiça é tratar de forma igual os iguais e de forma desigual os desiguais na medida de sua desigualdade. Aristóteles. Ética a Nicômaco Chamar o governo do PT de um governo de esquerda stricto sensu é uma impropriedade do ponto de vista do vocabulário. Ele é um governo de centro, de frente-ampla antifascista. Reinaldo de Azevedo. Eu me dou ao direito de mudar de ideia – entrevista a Marco Antônio Villa (14’27’’) Resgatando e sistematizando o já dito Nosso ponto de partida é uma homenagem a um dos melhores filmes de Glauber Rocha: “O Dragão da Ignorância contra o Santo Aristóteles”. A ignorância pretenciosa da mídia charrua defende insistentemente o ponto de vista de que todos os Estados devem ser tratados da mesma forma e que, se nós não fizemos o dever de casa, é porque somos meninos e meninas mal comportados que precisam ficar de castigo. A mídia ignora o fato de termos uma história de desenvolvimento muito particular, que envolveu, dentre outros fatores os seguintes: Fomos o primeiro Estado da Federação a generalizar a aposentadoria integral para o funcionalismo público estadual, passando a ter uma conta de inativos a partir de meados dos anos 20 do século passado. Enquanto a maioria dos Estados passa a ter uma conta de inativos a partir de meados dos anos 70 do século XX. E há Estados – como os antigos Distritos Federais do Amapá, Roraima e Rondônia – cujos funcionários públicos aposentados encontram-se, todos, sob responsabilidade do Tesouro da União. A assunção desta responsabilidade onerosa precoce adveio de uma “negociação” entre os governos Júlio de Castilhos e Floriano Peixoto para garantir a derrota do movimento dos latifundiários sulistas contra o Imposto Territorial Rural; Entre a Revolução de 30 e o Golpe Militar de 1964, os investimentos públicos em infraestrutura e na criação de empresas estatais, bem como em apoio à atração de multinacionais e a criação de sistemas industriais tripartites (estado – multinacionais - privadas nacionais) concentraram-se no Sudeste, em especial no eixo RJ-SP A necessidade de apoiar a sobrevivência do segundo parque da indústria de transformação do país – localizado no RS – levou os governos estaduais entre Flores da Cunha e Leonel Brizola a assumirem para si a construção da infraestrutura necessária ao mesmo tempo em que garantiam vantagens fiscais a empresas gaúchas que operavam em escala inferior à escala padrão do Sudeste. A construção de infraestrutura rodoviária, elétrica e telefônica – que, no resto do Brasil, ficou sob responsabilidade da União – foi realizada, no extremo sul, pelo Estado gaúcho. O que envolveu um endividamento que jamais foi ressarcido pela União. Pelo contrário: consolidada a infraestrutura e a concentração espacial da indústria e dos serviços no Sudeste, o governo da ditadura trata de garantir a ocupação econômica de todo o território nacional, privilegiando as regiões Nordeste, Norte e, acima de todas, o Centro-oeste. Emergem, também, importantes obras públicas em parte da região Sul, como Itaipu. O Estado com a pior relação entre tributação e investimentos federais será o RS. Além disso, O Governo Ditatorial impõe uma reforma fiscal em detrimento das Unidades Federadas em 1967. Logo adiante, cria o PIS e “compensa” as empresas pela criação do novo tributo através da imposição da queda da alíquota do ICM. Entre 1965 e 1975 a participação dos Estados na arrecadação tributária cai de 50,4% para 33,9%. Ah, dizem os jornalistas “fofos”: isto foi igual para todos. Não, não foi. A dívida pública do RS já superava o montante arrecadado em um ano. A queda de arrecadação imposta pela União implicou aumento do endividamento e piora na qualidade dos serviços públicos básicos no RS. Na segunda metade da década de 70, dois novos processos emergem por decisão da União: a) desoneração das exportações, com queda da arrecadação do ICM para Estados com maior abertura para o exterior (naquele momento, o RS era o Estado que apresentava a maior abertura em todo o país); b) elevação sistemática das taxas de juros reais, no interior de uma política falha de combate à inflação gerada pelas maxidesvalorizações que vai penalizar, de forma particular, os Estados mais endividados (e, naquele momento, o RS era o estado mais endividado, em função dos elementos elencados em 1.2) Mas o mais incrível, do meu ponto de vista, não chega a ser a ignorância arrogante acerca de todos estes processos. O problema maior encontra-se na pretensão de que a Federação possa ser pensada como um conjunto de entes independentes e indiferentes, onde cada um deve arcar de forma solitária e isolada com os ônus impostos discricionariamente pelo governo central. Peço perdão pela pequena digressão que farei sobre direitos e deveres internacionais, mas tenho certeza de que ela será útil a quem abraça teses tão despropositadas. Em julho de 1944, tem início a construção do Sistema ONU em um conjunto de reuniões realizadas em Bretton Woods, nos Estados Unidos. O debate de Bretton Woods estará centrado nos mecanismos de operação do intercâmbio mundial e de financiamento para o desenvolvimento de países destruídos pela Segunda Grande Guerra, bem como de financiamento dos desequilíbrios nas relações de intercâmbio entre nações periféricas e centrais. A conferência será marcada pela contraposição de duas teses antagônicas, defendidas, respectivamente, por dois grandes economistas: John Maynard Keynes, representante do Reino-Unido, e Harry Dexter White, representante dos Estados Unidos. Na concepção de Keynes, o FMI deveria operar como uma espécie de Banco Central de todas as nações. Ele seria responsável pela emissão do dinheiro mundial e deveria regular os processos de ajuste dos desequilíbrios nas Balanças de Pagamento entre os distintos países, impondo, de forma equânime, ajustamentos, tanto aos países deficitários (que deveriam desvalorizar suas moedas) quanto aos países superavitários (que deveriam valorizar suas moedas, diminuindo, assim, seus superávits comerciais). Com vistas a suavizar os processos de ajustamento e minimizar os choques, o Banco Mundial financiaria os países deficitários e endividados com taxas de juros preferenciais utilizando-se das reservas excessivas dos países superavitários. Os EUA propuseram um sistema bem mais simples: o dólar seria o dinheiro do mundo. Apenas os países deficitários – vale dizer: os países mais pobres e periféricos – teriam que se ajustar. Os recursos à disposição do Banco Mundial seriam menores e aportados pelos distintos países do mundo de acordo com os seus interesses. Os países que aportassem volumes maiores de recursos teriam poder de voto e capacidade deliberativa maior. Desnecessário dizer que os EUA foram vencedores na disputa. E até hoje compram o que bem entenderem no mundo “pintando papel de verde com a cara de George Washington”. Ora, que os EUA tratem o resto do mundo como sua periferia, comprem o que bem entendam com papel pintado e manipulem suas taxas de juros – que se tornam, obrigatoriamente, a referência para as taxas de juros de todos os demais países – como bem lhes aprouver não pode surpreender a ninguém. O imperialismo norte-americano nos séculos XX e XXI faz o imperialismo inglês dos séculos XVIII e XIX parecer humano, cristão e solidário. Mas que os jornalistas da Zero Hora entendam que o padrão de relação da União com os Estados Federados no Brasil deva seguir a mesma regra da relação dos EUA com as nações periféricas do mundo é algo que, para mim, vai muito além do compreensível. Keynes defendia o ponto de vista de que relações assimétricas e desequilibradas entre nações devem ser ajustadas por ambas: tanto as nações superavitárias quanto as deficitárias deveriam responsabilizadas e, de certa forma, penalizadas no processo de reajustamento. Isto enquanto regra geral, ordenada e regulada pelo FMI. Porém, o ajustamento sequer era pensado por Keynes como um choque. O Banco Mundial ingressaria no processo para suavizá-lo; garantindo o refinanciamento dos países deficitários a taxas de juros definidas com base numa avaliação das condições reais e particulares de pagamento da dívida acumulada no passado. Para Keynes, cada país era um país; cada história de construção da dívida era única; e o potencial de pagamento deveria ser avaliado levando em conta, tanto a história pregressa, quanto as necessidades de investimentos e gastos sociais de cada nação. Infelizmente, a mídia charrua se encontra tão impregnada do senso comum neoliberal que não alcança sequer entender que relações de débito e crédito devam ser administradas de forma diferenciada, de acordo com a capacidade de pagamento dos devedores e de acordo com a responsabilidade dos credores na construção da dívida. É preciso estar encharcado de neoliberalismo para não ver, nas relações financeiras, nada mais do que “contratos entre formalmente iguais” e as relações entre entes federados de uma mesma nação como equivalentes às relações entre “agentes civis no mercado”. Vale notar que, mesmo sob as regras frias e autoritárias impostas pelos EUA, as relações internacionais não seguem rigorosamente os ditames de Tio Sam. A renegociação da dívida da Argentina levada à frente por Nestor Kirchner em 2005 foi um grande sucesso. E muitos países da periferia tiveram suas dívidas perdoadas por países mais desenvolvidos. O próprio Brasil perdoou dívidas de países africanos. E poderia, sim, reconhecer as diferenças na história da construção das dívidas e garantir um tratamento efetivamente justo, tratando os desiguais – como propõe Aristóteles - desigualmente. Mas, com toda a certeza, isto só poderia ocorrer se houvesse um mínimo de unidade neste clamor por justiça dentro do RS. Só que não há qualquer unidade no Rio Grande Amado. E não há, acima de tudo, porque a mídia gaudéria não apenas isenta a União de qualquer responsabilidade na construção e crescimento da nossa dívida, como inculca esta tese ignorante e avessa aos interesses do Estado na consciência de 9 entre 10 leitores dos pasquins locais. De acordo com nossos jornalistas “fofos” (para usar a terminologia de Moisés Mendes para caracterizar os arautos do senso comum que hegemonizaram a mídia charrua), todos os Estados são iguais. Se o Amapá não tem aposentados, é porque teve sorte de ter se mantido como Distrito Federal por tanto tempo. E sorte é parte do jogo de mercado; não é mesmo? Se São Paulo recebeu a maior parte de sua infraestrutura básica do Governo Federal entre os anos 40 e 60 é porque o fez por merecer; não é mesmo? Afinal, era a locomotiva da nação; e uma locomotiva vale mais que um vagão. Especialmente se ele é o último carro do comboio, como o RS. Quem mandou o vagãozinho do extremo sul querer uma infraestrutura similar e realizar obras de infraestrutura apelando para o endividamento? O problema é do vagão. Se a União, na crise da ditadura, isenta as exportações, deprimindo a arrecadação do RS e coloca as taxas de juros lá em cima, quebrando o Estado mais endividado do país, a culpa é do vagãozinho; do gauderinho que não fez o dever de casa. E não me venha com Aristóteles ou Keynes. Esta turma tem um raciocínio muito complexo. Para o jornalista fofo, branco é branco, e preto é preto. Listrado, xadrez e cinza é coisa dos dialetas, que gostam de confusão. Já ouço os arautos da mídia apregoando: pliss, Carlos Paiva, a regra é clara: quem deve, tem que pagar. E todos os devedores, do mesmo jeito. Há exceções? Claro! Para os meritocratas. Como Lemann das Lojas Americanas, e os empresários que receberam Fundopem Turbinado e se evadiram do Estado tão logo este acabou. Haja paciência para tanto senso comum. Mas voltemos à história do nosso triste Estado. Quem sabe ainda há alguma esperança? O jeito Amaral de Souza, Jair Soares e Pedro Simon de Governar Em seu artigo intitulado Os Passos do Endividamento Juliana Bublitz conta, em sequência, duas histórias muito interessantes sobre o Governo Jair Soares. Segundo ela, Em uma tarde calorenta de dezembro de 1982, Jair chamou o economista Ary Burger para conversar. Queria que ele fosse seu secretário da Fazenda. A resposta foi "não": — O Ary sabia que o Amaral tinha lançado novos títulos, que iriam estourar no meu governo. Ele disse que eu assumiria em março e, em maio, não pagaria o funcionalismo. Foi uma bomba. E a bomba só não explodiu porque o Estado passou a fazer operações de crédito por antecipação da receita repetidas vezes. Isto é, recorreu ao mercado para adiantar o que ainda estava por arrecadar, pagando juros e correção. Com isso, Jair conseguiu fazer obras de infraestrutura, abriu concurso público, contratou professores e deu aumento ao funcionalismo. Em 1985, no entanto, o déficit (despesa maior do que a receita) era motivos de preocupação. Sem alternativa, Jair Soares foi a Brasília, em 1985, pedir ajuda ao então presidente José Sarney (PMDB): — Adotei uma política de austeridade e não fiz novos empréstimos, mas precisava de autorização para rolar a dívida e emitir títulos. Ao chegar ao gabinete de Sarney, recebeu um elogio inesperado. — Fui chorar as pitangas, e ele disse: "Que gravata linda!" Era uma peça italiana e fazia parte da minha coleção. Tirei e dei para ele. Lembro disso, porque logo depois o Sarney ordenou a rolagem da dívida. Foi um alívio, mas ainda sinto falta daquela gravata — brinca o ex-governador, hoje com 79 anos. (Juliana Bublitz, ZH, 10/08/2013) A passagem é reveladora de uma dimensão importante da evolução das finanças públicas na crise da ditadura militar: a absoluta falta de transparência da gestão das dívidas, seja da União, seja dos Estados. O processo de estatização da dívida externa levado a cabo pelos governos Geisel, Figueiredo e Sarney sempre foi - e continua sendo - uma caixa preta. Assim como as diferenças do tratamento recebido pelas mais diversas empresas nacionais, multinacionais e estatais e pelas distintas Unidades da Federação. O Governador eleito, Jair Soares, do mesmo partido de Amaral de Souza, não sabia da situação fiscal do Estado às vésperas de tomar posse. É informado pelo renomado economista Ary Burger que, com certeza, tinha alguma informação de cocheira. Idem, ibidem, Jair deixa uma bomba no colo de Simon após a negociação entre quatro paredes que teve com Sarney e que lhe permitiu sair de uma situação de absoluta insolvência para uma situação de maior flexibilidade “em troca de uma gravata”. No primeiro capítulo deste “ensaio em quatro tempos”, comentei que a avaliação elogiosa de Liderau Marques Jr. às contribuições de FHC para a inviabilização da economia gaúcha, apesar de (no mínimo) estranhas, continham um grão de verdade. E que iríamos comentar posteriormente onde se encontrava esta dimensão. É aqui que ela se encontra. Na passagem – lenta, gradual e (in)segura – da Ditadura à Nova República, o que se vê, acima de tudo, é a dificuldade de visualização, a falta de transparência. Este é o reino do “jeitinho” e do “troca-troca”. Só o que fica difícil de acreditar é que, nas negociações pela rolagem da dívida no último ano de governo de Jair Soares, o troca-troca do nosso primeiro governador eleito pelo voto direto após 1964 com o primeiro presidente civil tenha se restringido a uma gravata italiana. Por mais bonita que ela fosse, os tempos não admitiam tanta concessão por um mimo tão pequeno. A verdade é que o Brasil se encontrava às vésperas da mais importante eleição de sua história: a eleição para o Congresso Constituinte. O Planalto já organizava aquele que seria o grande projeto para garantir a vitória ao PMDB de Sarney: o Plano Cruzado. Porém, não era garantido que o Plano se sustentasse até o período eleitoral. Todo o apoio era bem-vindo. E é muito difícil acreditar que estas questões não estivessem presentes na pauta de Sarney com Jair Soares. Seja como for, nas eleições de 1986, Jair Soares havia abandonado seu partido de origem – o PDS – e migrado para o PFL. A divisão imposta entre os filhos da “extinta Arena” no RS levou à derrota das candidaturas dos dois partidos (à despeito da coligação entre PDT e PDS em 1986) e à vitória de Pedro Simon, bem como a conquista das duas vagas do Senado daquele ano pelo PMDB. Mas, de outro lado, se a vitória foi grandiosa para o PMDB nacional, ela foi bem custosa para Pedro Simon. Com a troca de mimos entre Sarney e Jair Soares, este último deixou uma bomba armada na cadeira do novo governador. Uma bomba que faria aquela outra, deixada por Amaral de Souza na cadeira de Jair, parecer um traque de festa junina. Uma bomba associada a elevação do piso salarial da maior categoria de funcionários públicos estaduais: os professores. De acordo com Juliana Bublitz, naquele momento, a situação fiscal era tão grave que Simon, logo nos primeiros dias de seu governo “suspendeu a folha e anulou atos do predecessor, entre eles a decisão de pagar 2,5 salários aos professores” (Juliana Bublitz, ZH, 10/08/2013). A reação dos professores não se fez esperar. Foi iniciada uma greve que se estendeu por quase quatro meses. Ao final chegou-se a um acordo que marcará a história da crise fiscal do RS. Simon não irá conceder o piso acordado por Jair Soares ao final de sua gestão. Mas concederá algo que a categoria acatará como equivalente: melhorias no Plano de Carreira, com aumento na remuneração das faixas superiores do magistério por tempo de serviço. O que este compromisso tem em comum com o piso de Jair Soares e os títulos de dívida lançados ao final do governo Amaral de Souza? A tática de empurrar com a barriga e deixar o ônus de suas dívidas e concessões salariais para os próximos governos. Veremos no quarto e último capítulo desta “saga” como esta tática se preservou ao longo do tempo e como ela tem tudo a ver com o “Regime de Recuperação Fiscal” de Sartori e Leite. Mas vamos com calma. Tempum tempi donari. Porém, durante o governo Simon, ainda havia uma folga negocial com o Governo Federal. Com a Constituinte Parlamentar em curso, volta e meia era preciso algum apoio dos Governadores para a consolidação e vitória de uma certa posição defendida por Sarney e pelas lideranças do PMDB no Congresso. Apesar de apenas o Estado do Sergipe não haver eleito um Governador do PMDB (elegeu Antônio Valadares, do PFL), a bancada do PMDB no Congresso correspondia a aproximadamente 54% do total. E, por vezes, era preciso mobilizar os demais partidos. O que envolvia concessões para garantir a governabilidade e vitórias na Constituinte. Assim, em 1987, o Governo Federal promove um programa de “Ajuda Financeira” aos Estados. Permitindo mais um suspiro ao Governo Simon. E, até mesmo, algumas (poucas) concessões salariais. O que importa é reconhecer a unidade básica do padrão de gestão da crise destes três governos. Todos enfrentaram greves prolongadas e foram – pelo menos no plano formal e aparencial – bastante rigorosos nas concessões salariais. Mas concederam “para o futuro”, tornando as finanças gaúchas ainda mais insustentáveis. Para as próximas gestões. Creio que é de domínio público que o princípio primeiro de sustentabilidade é garantir a preservação das condições de sobrevivência para as próximas gerações. Foi exatamente isto que Amaral de Souza, Jair Soares e Pedro Simon não fizeram com sua “forma de governar”. Na aparência, eram governos rigorosos. Na prática, deixavam bombas armadas para o futuro. A pergunta que fica é: como será que Marcelo Rech, tão crítico dos governos irresponsáveis e gastadores, classificaria estas três gestões? Não tenho como responder a esta pergunta com segurança. Mas tenho uma intuição. Que me é dada pela inflexão política do jornalista e do veículo para o qual trabalha. Acho que Marcelo – em consonância com seus colegas da mídia corporativa que disputa com Jovem Pan, Estadão e Record o título de “a mais conservadora do país” - consideraria pelo menos os governos Amaral de Souza e Jair Soares como sérios e responsáveis. Afinal, estes dois governadores apoiaram a ditadura militar, não é mesmo? .... Mas, devo confessar, essa assertiva é mera intuição. Certeza, mesmo, só tenho uma: a mídia charrua em geral – e a RBS em particular – reverencia mesmo apenas um governo. Justamente aquele que foi o pior governo das últimas décadas: o Governo Britto. Vejamos o porquê. De Alceu Collares a Olívio Dutra: no meio do caminho houve uma pedra O Governo Collares tem início na pior fase do pior Governo da Nova República (Bolsonaro é hors concour): o segundo ano do Governo Collor. A estratégia de combate à inflação pelo enxugamento radical da liquidez via congelamento de valores em todas as contas financeiras (inclusive conta corrente) havia naufragado. O país voltava à hiperinflação com um governo submetido a críticas acerbas pela corrupção e, por extensão, tentando demonstrar alguma seriedade às custas dos demais entes federados. Na verdade, o fim das negociações baseadas em conversas a portas fechadas e troca-troca de gravatas já começa no governo Collor. E apenas prossegue na gestão Itamar e FHC. Por isto mesmo, as opções abertas ao pedetista Collares para administrar a rolagem da dívida ficaram restritas àqueles instrumentos disponíveis no plano rigorosamente interno: o uso (e abuso) do (potente e eficiente) sistema financeiro público estadual. Nos termos de Juliana Bublitz: Quando Alceu Collares (PDT) assumiu o poder, em 1991, a situação havia chegado a tal ponto que os títulos precisavam ser rolados diariamente. Era necessário oferecer prêmios de risco para que os investidores continuassem financiando o rombo. Muitas vezes, o ônus acabava recaindo sobre os bancos públicos. Todas as noites, o ex-secretário da Fazenda, Orion Cabral, esperava o telefone tocar, ansioso. — Fechou a posição? — perguntava. Era o jargão usado para saber se os operadores do Banrisul haviam conseguido renovar os títulos. — O estresse era tanto que engordei 12 quilos — recorda Cabral, hoje com 78 anos. Nesse período, o Estado foi proibido de lançar novos papéis, exceto para a rolagem. O Piratini conseguiu negociar com a União o pagamento de contratos de financiamento de longo prazo, mas a dívida em títulos se manteve, e a pressão também. — O clima era de terrorismo. Queriam que pagássemos nas piores condições. Mas eu sou de Bagé. Não me dobrei — afirma Collares, que chegou a apresentar uma proposta de federalização, sem sucesso. (Juliana Bublitz, Zero Hora, 10/08/2013) Ao final do Governo Collares, um novo impacto: a adoção do Plano Real leva a uma elevação radical dos juros reais, como forma de garantir a ancoragem cambial da nova moeda. A partir do início dos anos 90, o crescimento acelerado da China deu origem a saldos comerciais positivos do Brasil com o resto do mundo e à acumulação de reservas cambiais. Desde então, o Brasil volta a ser um player no mercado financeiro internacional. E alcança canalizar recursos via Conta Capital (vale dizer, via empréstimos) sempre que necessita de divisas, elevando sua taxa de juros se de forma a superar as taxas de referência no mercado mundial (em especial, as taxas vigentes nos EUA, no Reino-Unido, na União Europeia e no Japão). Ora, nos primeiros momentos do Plano Real emerge uma dúvida dos agentes financeiros privados nacionais sobre a sua sustentabilidade. E o ataque especulativo da “banca nacional” – sempre tão patriota! – é respondido pelo Banco Central com a imposição de taxas de juros que fariam qualquer usurário corar de vergonha. Nos termos de Juliana Bublitz: Na década de 90, a dívida pública do Estado deu um salto com o fim da inflação e o início do Plano Real, em 1994. Em quatro anos, de 1994 a 1998, o valor mais do que duplicou em função da alta dos juros. (Juliana Bublitz, Zero Hora, 10/08/20130) Collares foi vítima do lançamento do foguete dos juros, em 1994. E Britto arcou com o período subsequente. Mais uma vez, deliberações unilaterais do Governo Nacional impuseram uma elevação exorbitante da dívida do Estado do RS. Mas a mídia complacente e “fofa” (se nos permitem, mais uma vez, usar o vocabulário tão expressivo de Moisés Mendes para designar o senso comum que reina entre os jornalistas da “imprensa gaudéria”) acredita que o problema é nosso. Afinal, quem tomou emprestado foi o Estado gaúcho. Se, depois, o governo federal impôs queda na arrecadação na Reforma Tributária de 1967 e nos 5 primeiros anos do PIS, se deu subsídio às exportações reduzindo a alíquota efetiva do ICM nos Estados exportadores e mais que dobrou a taxa de juro real para garantir uma taxa de câmbio hipervalorizada (asfixiando a economia dos Estados exportadores) é uma outra questão. São .... “coisas que acontecem”. Dívida é uma coisa sagrada. Vai fazer o dever de casa, gauderinho malcriado! E nem me vem com este papo humanista e populista de "saúde, educação e segurança". O que importa é pagar a dívida! E Britto, formado na cultura RBS, vai fazer o dever de casa. Mas – como diria Marx – cum grano salis. Britto vai privatizar a rodo (a começar pelas joias da coroa: CEEE e CRT), diminuir o sistema financeiro público (incorporando a Caixa Econômica Estadual ao Banrisul), pedagiar estradas, aumentar as alíquotas do ICMS e congelar salários. Mas, em compensação, vai transformar o RS no paraíso fiscal dos empresários meritocratas fazendo uma verdadeira farra com o Fundopem. O RS já era um pequeno “Paraíso Fiscal” em Belíndia (este país chamado Brasil que é metade Bélgica e metade Índia). Mas, com Britto, vamos muito além do já experienciado. Em trabalhos do início dos anos 80, dois economistas já citados nos capítulos anteriores desta “saga” sobre o Rio Grande Amado, com amplo e profundo conhecimento das contas públicas, afirmavam que parte da dívida gaúcha se devia às isenções fiscais. Segundo Luís Carlos Bordin, Estudos da Divisão de Estudos Econômico-Fiscais da Secretaria da Fazenda demonstram que, confrontando, nos últimos 10 anos, a arrecadação potencial, medida pelo valor adicionado, e a arrecadação efetiva, o Estado vem arrecadando menos da metade do valor potencial do ICM. Ora, este hiato, se analisado anualmente, é muito superior às operações de crédito contraídas. (Luiz Carlos Bordin; in Lagemann, Eugênio (org.), 1985, pp. 146 e 147; o negrito é meu) De outro lado, a avaliação do ex-Secretário da Fazenda do Estado, Ario Zimmermann, realizada em outro artigo da mesma coletânea, é discretamente mais conservadora (logo veremos o porquê). Segundo Zimmermann A diferença entre a base teórica de cálculo para arrecadar e o montante efetivamente pago é elevada. Segundo estimativas do Grupo de Estudos para Reforma Tributária, instituído pelo Conselho de Desenvolvimento dos Estados do Sul (CODESUL), as isenções representam 44,1% do potencial do ICM do Rio Grande do Sul no ano de 1981. (Ário Zimmermann, in Lagemann, Eugênio (org), 1985, p. 198) Segundo Bordin, a arrecadação estadual é inferior à metade do potencial, algo como 45% do mesmo. Já segundo Zimmermann, as isenções corresponderiam a pouco menos de 45% do potencial. Como explicar esta diferença de 10% nas duas avaliações? Simples: pelas evasões fiscais, pelos tributos devidos, mas não recolhidos em função de carências no sistema de fiscalização. O que importa é que o Estado abria mão, de uma forma ou de outra, de pelo menos metade de seu potencial de recolhimento. Ora, já vimos que o elevado grau de isenção fiscal emerge no RS como resposta aos benefícios concedidos pelo Governo Federal à indústria do Sudeste, durante o período 30-64. Igualmente bem, vimos que o endividamento do Estado se descola do padrão dos demais Estados neste mesmo período, pois os subsídios concedidos são contraditórios com a necessidade de criação de uma infraestrutura logística e energética capaz de garantir competitividade para a produção gaúcha. Porém, a realidade que impôs este quadro de elevados subsídios já havia mudado. Ao longo do tempo, a indústria do RS encontrou seu nicho de especialização e adquiriu competitividade, seja por determinações internas (ganhos de escala e expertise tecnológica em suas áreas), seja por determinações externas (consolidação e qualificação da infraestrutura de transporte e energia). O que caberia fazer neste momento? Avaliar as possibilidades de redução dos incentivos fiscais através de uma análise detalhada dos gargalos que ainda se interpunham à consolidação competitiva de cada setor e/ou cadeia produtiva específica. Um exemplo pode ajudar na compreensão do quadro. Apesar de não contar com nenhuma montadora de automóveis, o RS era o segundo parque automotivo do país, em função de sua indústria de ônibus, caminhões, tratores, colheitadeiras. Some-se a isso a ampla produção de implementos agrícolas, silos para armazenagem de grãos e máquinas para as indústrias calçadista e alimentar e teremos o segundo parque demandante de lâminas de aço do país, superado apenas por São Paulo. Não obstante, o RS não contava – e não conta! – com nenhuma laminadora de aço em seu território. Este é um gargalo evidente do amplo e representativo setor metalmecânico gaúcho. Para piorar a história toda, com a onda privateira de Collor (Usiminas) e FHC (CSN, Cosipa, etc.), foi desmantelado o sistema Siderbrás; e, com ele, a garantia de preço único para as lâminas de aço vendidas em todo o território nacional. Vale esclarecer: como já vimos, nos anos dourados do desenvolvimentismo, o governo federal implantou as grandes siderúrgicas nacionais na região Sudeste do país. Mas, posteriormente, tentando impedir a excessiva concentração industrial nesta região, definiu um preço único para as lâminas de aço, de sorte a não inviabilizar a competitividade das empresas consumidoras de aço sediadas em outros territórios. O RS (em função do grande setor metalmecânico) e o Amazonas (em função do Polo Industrial de Manaus) eram os principais beneficiários desta estratégia. Que soçobra com as privatizações. Pergunta retórica: o que deveria fazer um governo estadual com sérios problemas de endividamento ao se deparar com um golpe perpetrado sobre algumas de suas cadeias produtivas mais importantes e agregadoras de valor? Resposta óbvia: atrair uma laminadora para o território. O que seria extremamente simples. Afinal, o RS era o segundo principal demandante de lâminas de aço do país. Não obstante, o Governo Britto tinha o mesmo DNA do Governo FHC. E também tinha os seus devaneios em criar ex nihilo (ou quase nihilo) novos capitães de indústria em setores que não lhes eram naturais. FHC criou “grandes empresários”, como Benjamin Steinbruch, que, herdeiro das tecelagens do Grupo Vicunha, emerge como o rei do aço com a aquisição da CSN e o primeiro CEO da Vale do Rio Doce após sua privatização histórica e memorável (pela subestimação de suas reservas e de seu valor de mercado). Britto queria transformar a maior produtora de aços longos do Brasil – o Grupo Gerdau – em uma empresa metalúrgica diversificada. E buscou convencer a empresa a construir uma laminadora em nosso Estado, impulsionada por grandes subsídios. A estratégia do governo quase deu certo, e, em 1998, a Gerdau chegou a anunciar a construção da nova laminadora, num empreendimento que seria levado à frente juntamente com a Marcopolo. Contudo, a empresa volta atrás desta decisão ao se aperceber (ou ser informada?) de que o período de “real forte” do primeiro mandato de FHC estava para espirar e que o segundo mandato teria início com o fim da ancoragem estrita do real ao dólar. Assim sendo, 1998 era o último ano para “aquisições baratas” no exterior. E a Gerdau decide adquirir uma laminadora argentina. O problema é que o governo Britto já havia descartado uma proposta de instalação, no território gaúcho, de uma laminadora controlada pela maior empresa siderúrgica do mundo: a ArcellorMittal, que acabou por conquistar o apoio que demandava do Governo de Santa Catarina, onde instalou a planta Vega, em São Francisco do Sul, no extremo norte deste Estado. Qual foi a reação do Governo Britto para garantir a competitividade de nossa indústria metalmecânica? Passou a arcar com os custos de transporte das lâminas de aço adquiridas pela indústria interna. E isto segue em curso até hoje: quem paga pelo transporte das lâminas de aço adquiridas pelos mais diversos setores da segunda indústria metalmecânica mais importante do país são os contribuintes do Tesouro do Estado quando adquirimos mercadorias e pagamos ICMS. Quanta eficiência, não é mesmo? Mas isto não é nem o início da história dos grandes equívocos do Governo Britto. Britto tinha uma obsessão: a “modernização” da estrutura produtiva gaúcha. Com a arrogância que tanto caracteriza nossos jornalistas, que reputam sabedoria extrema ao seu amplo e profundo domínio do senso comum, Britto “sabia” que nossa estrutura produtiva era tradicional, tosca e (por que não dizer?) brega. Afinal, quais eram os setores mais importantes da indústria gaúcha? Calçados, mobiliário, máquinas e implementos para a agricultura (irc!), tabaco, indústria de alimentos (com ênfase em proteína animal e derivados de soja, trigo e arroz), vitivinicultura e indústria de vestuário. Na concepção de Britto, estes setores eram, todos, atrasados. Aparentemente, o fato de que a produção de lácteos (parte da indústria de proteína animal) envolvesse uma indústria de ordenhadeiras mecânicas automatizadas ou que a cadeia calçadista desse sustentação à fabricação de máquinas de controle numérico para cortes de solados, de couro e de outros materiais para calçados passava despercebido para Britto e seus assessores diretos. Assim, era preciso mudar radicalmente a nossa estrutura produtiva. Uma das ideias mais “jeniais” (com J, mesmo) do Governo Britto foi agregar valor à produção de tabaco. De uma certa feita, durante o Governo Olívio Dutra (no qual trabalhei ocupando postos em três Secretarias de Estado: Geral de Governo, Desenvolvimento e, por fim, Planejamento) tive a oportunidade de debater com o ex-Secretário da Fazenda de Antônio Britto, o querido amigo (infelizmente, já falecido) Cézar Busatto num evento na Federasul. Na oportunidade, Busatto me questionou: Paiva, tu certamente sabes que o RS é o maior produtor de tabaco do Brasil. Tu achas correto que, a despeito deste fato, nós não tivéssemos uma única fábrica de cigarros no Estado? Respondi prontamente: Caro amigo Cézar, tu, por um acaso, te deste ao trabalho de perguntar aos diretores das fábricas de cigarro no Brasil por que de tamanha burrice e irracionalidade? Por que eles nunca se aperceberam que o melhor lugar para instalar uma fábrica de cigarros seria o RS? ... Certamente não. Pois se tivesses perguntado, obterias uma resposta tão simples quanto definitiva. Ocorre, Cézar, que um container de tabaco prensado é transformado em dez containers de cigarro. Uma carteira de cigarro, é uma folha de fumo cheia de ar. Não faz o menor sentido produzir cigarros no RS para transportá-lo até o Pará. O lugar onde devem ser produzidos cigarros é no centro do país, próximo aos principais polos consumidores. Não no RS, próximo da produção de tabaco. Tão logo cesse o Fundopem turbinado que vocês deram para atrair as fábricas de cigarros, elas migrarão, novamente, para o seu local natural: Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás. Mas há um detalhe que eu não cheguei a comentar com o amigo Busatto neste memorável debate. Mas que comento agora. Enquanto os cigarros eram produzidos no seu lugar devido, de acordo com a opção locacional economicamente racional, ao ingressarem no RS, o Estado arrecadava ICMS sobre cigarros. E o valor era expressivo. Pois o ICMS não é apropriado integralmente pelo Estado onde a produção é realizada se o consumo se realiza em outra Unidade da Federação. Quando a produção é em Minas Gerais (maior produtor de cigarros do Brasil) mas o consumo é no RS, o ICMS é dividido entre o Estado produtor e o consumidor. Assim, o RS auferia um valor não desprezível de impostos enquanto não interferia (indevidamente) na lógica empresarial de maximização de lucros. Ao atrair a Souza Cruz e a Philip Morris para o RS, concedendo completa isenção de ICMS e, ainda por cima, apoiando os investimentos das duas empresas com concessões de terrenos e infraestrutura, o Estado deixou de arrecadar e gastou em obras desnecessárias, que logo seriam sucateadas. Não é Jenial? Sim. É Jenial. Mas ainda é apenas a ponta do iceberg. Há mais para contar. A estrutura do Fundopem está baseada num princípio: apoia-se o investimento em criação ou ampliação de capacidade. Isto significa o seguinte: se um determinado segmento industrial não existia no RS, ao atrair uma empresa para produzir internamente, os produtos que passarão a ser produzidos internamente serão (a princípio, sujeito a exceções) objeto de taxação de acordo com as regras fiscais vigentes. Porém, o recolhimento efetivo do ICMS não será feito imediatamente, mas após um longo período de carência. E, quando este pagamento vier a se realizar (mais uma vez, como regra geral, sujeita a exceções), ele não será objeto de correção monetária ou juros: os valores pagos de forma diferida serão os valores devidos nominalmente na data da origem do evento. Isto significa dizer que, para as empresas de setores novos, inexistentes até então – como a produção de cigarros e de automóveis de passeio – as vantagens são deveras significativas. Ainda que elas impactem negativamente sobre o erário, que deixa de receber a parcela do ICMS que lhe seria devido quando da importação dos bens de outros Estados. A questão é: como fica o recolhimento do ICMS para empresas que já estavam instaladas no RS e que estão apenas realizando uma ampliação de suas instalações? A regra do Fundopem era clara: neste caso, o valor do ICMS cujo pagamento será diferido corresponderia apenas e tão somente àquela parcela do faturamento da empresa que excedesse o faturamento médio prévio aos investimentos. Imaginemos uma empresa que faturasse R$ 100 milhões antes da concessão do Fundopem, e que este faturamento correspondesse a um Valor Agregado de R$ 50 milhões (vale dizer: se os outros R$ 50 milhões de faturamento correspondessem ao custo dos insumos). Suponhamos, ainda, que a alíquota do ICMS sobre este setor fosse de 15% sobre o Valor Agregado. Neste caso, a empresa deveria estar contribuindo com R$ 7,5 milhões para o erário do Estado. Suponhamos, agora, que, ao realizar um determinado investimento, a ampliação de sua capacidade produtiva a levasse a duplicar a produção e, portanto, a faturar R$ 200 milhões, gerando um valor agregado de R$ 100 milhões. O Fundopem garantiria um abatimento na arrecadação imediata sobre o Valor Agregado Extra (a parcela marginal), nos R$ 50 milhões a mais que ela passou a produzir. Suponhamos que o Fundopem concedido garantisse um abatimento de 10% na alíquota incidente sobre a produção acrescida durante 10 anos. Isto significa que a empresa passaria a contribuir com R$ 10 milhões para o erário; sendo R$ 7,5 milhões referidos à produção prévia ao novo investimento (alíquota de 15%) e R$ 2,5 milhões sobre o valor agregado acrescido (alíquota de 5% sobre os R$ 50 milhões a mais). Ora, é impossível negar que este é um sistema de apoio ao investimento que conta com alguma racionalidade. Desde que: 1) sua operação efetiva corresponda às regras formais que o orientam; e que 2) o apoio ao investimento esteja centrado na ampliação da capacidade produtiva e oferta efetiva de empresas e setores já instalados no Estado e cuja produção era inferior à demanda dos elos à jusante (os clientes, compradores) das cadeias produtivas cuja competitividade e lucratividade se buscava ampliar. O problema é que nenhum dos dois quesitos foram respeitados pelo Governo Britto. Em primeiro lugar, este governo privilegiou a atração de novas empresas e setores, ao invés de qualificar e ampliar a produtividade e competitividade de cadeias já existentes. Ao atrair novas empresas, de setores que não existiam na economia gaúcha, o Governo Britto abriu mão da contribuição que as mesmas pagavam ao erário estadual quando seus produtos (como cigarros e automóveis) eram adquiridos de outras Unidades da Federação. Mas isto, mais uma vez, ainda é só ponta do iceberg. O ponto central – e o aspecto mais chocante – ainda é outro. A verdade é que, mesmo aquelas firmas já instaladas no Estado, que já produziam na indústria estadual, foram beneficiadas com o Programa do Fundopem durante o Governo Britto de tal forma que passaram a pagar menos ICMS do que pagavam antes dos novos investimentos. Como isto foi possível? Simples. O processo de demanda por Fundopem era controlado pela Secretaria do Desenvolvimento e Relações Internacionais (com apoio e monitoramento da Casa Civil) durante o Governo Britto. Quando as demandas chegavam a estas Secretarias, os empresários tinham de declarar qual era a contribuição média de suas empresas ao erário nos últimos anos. E, simultaneamente, qual era a projeção de aumento do faturamento e do valor agregado nos anos subsequentes, após a realização dos investimentos e da ampliação da capacidade produtiva. Averiguar a veracidade destas declarações era algo extremamente simples. Bastava repassá-las à Secretaria da Fazenda e averiguar se elas eram consistentes com os dados da Receita Estadual. Porém, por razões ignoradas e não sabidas, isso nunca foi feito. Os gestores do Fundopem durante o Governo Britto admitiam, por princípio, que os empresários eram incapazes de mentir, ocultar ou adulterar informações fiscais. Todas as declarações empresariais sobre os valores médios de contribuição das empresas foram admitidas, por princípio, como verdadeiras, válidas e fidedignas. No início do Governo Olívio Dutra, foi criada uma Comissão para analisar os contratos de Fundopem do Governo Britto. Os problemas encontrados foram tamanhos que a Comissão se manteve operativa por todos os quatro anos do Governo Olívio. Ao fim e ao cabo, todos os contratos, sem uma única exceção, foram revistos. Pois havia “problemas” (e ilegalidades) em todos. Todas as empresas beneficiadas foram notificadas. Todas elas vieram para a mesa de (re)negociação e acordaram novas (e legítimas) cláusulas. Todas, sem exceção, reconheceram os problemas identificados. Estes procedimentos foram fundamentais para a melhoria da situação fiscal do Estado do RS a cada um dos anos da gestão de Olívio Dutra. Porém, no início da gestão Germano Rigotto, foi enviado um projeto para a Assembleia Legislativa que tinha por objeto alterações no Fundopem. A justificativa do Projeto de Lei era a necessidade de ampliar as vantagens para investimentos e instalação de empresas industriais na Metade Sul. Lá pelas tantas, surgiu uma nova cláusula no Projeto de Lei. O que ele previa? ... Nada demais. ... Tão somente determinava que todos os contratos de Fundopem firmados durante o Governo Britto voltavam a viger em seus termos originais. E que as mudanças acordadas durante o Governo Olívio Dutra, que ampliavam a arrecadação estadual e deprimiam as isenções ilegais, passavam a ser letra morta. Ainda bem que temos governos probos e responsáveis, não é mesmo Marcelo Rech? Como os governos Britto e Rigotto, que ao invés de deprimirem as isenções fiscais (quando isso já era possível!) as ampliaram. E o fizeram para além da legalidade. Que já era farta e ampla. Realmente, não há o que não haja. O último capítulo desta saga será dedicado a três temas: 1) as similaridades dos acordos assinados por Britto e Leite para a rolagem da dívida do RS com o Governo Federal; 2) as diferenças qualitativas das políticas de desenvolvimento gaúcho dos governos Olívio, Rigotto, Yeda, Tarso, Sartori e Leite; 3) o tratamento dado pela mídia gaudéria a estas políticas. Posso até estar enganado. Mas tenho para mim que o problema não é só de conservadorismo. É de ignorância mesmo. *Doutor em economia e professor do mestrado em desenvolvimento da Faccat (Faculdades Integradas de Taquara). Este é o terceiro texto da série de Carlos Paiva intitulada A contribuição da mídia gaúcha para a decadência do RS. O próximo e último será publicado ao longo desta semana. Para conferir o primeiro texto, clique aqui. Para conferir o segundo texto, clique aqui. As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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Austeridade para quem?

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Austeridade para quem?
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De PAULO KLIASS* Desde que foram anunciados os resultados das eleições presidenciais em outubro passado, as elites vinculadas ao financismo em nossas terras passaram a colocar em movimento uma estratégia de sequestrar o terceiro mandato do Presidente Lula. Uma vez derrotado o candidato que eles também haviam apoiado de forma quase unânime em 2018, esse pessoal põe em marcha seu plano B para minimizar a derrota e impedir que as ideias do programa econômico apresentado pelo candidato vencedor à sociedade permanecessem fora de qualquer possibilidade de implementação pelo futuro governo.  Entre a oficialização da vitória de Lula e a data de sua posse, os representantes da oligarquia financeira e os grandes meios de comunicação buscaram indicar nomes para compor a área econômica, com o intuito declarado de evitar uma descontinuidade em relação à gestão de Paulo Guedes e também de Henrique Meireles. Assim foram meses de balões de ensaio semanais, apresentando e sugerindo figuras com perfil conservador, alinhados à ortodoxia e ao neoliberalismo. Tendo em vista a resistência do futuro Presidente em aceitar tais ofertas, surge em cena um plano C. Como não conseguiram emplacar nomes, voltaram-se à tentativa de assegurar um programa que não significasse nenhuma ruptura com os anos de austeridade fiscal e arrocho monetário. Uma parte dessa tarefa já havia sido cumprida em 2021, quando Paulo Guedes conseguiu convencer seu chefe a apoiar a proposta de conferir independência ao Banco Central (BC). Assim, por meio dos dispositivos da Lei Complementar 179, o presidente e demais diretores do BC passaram a contar com mandato fixo. Por meio de tal artimanha, Lula só poderá indicar o novo Presidente da instituição e contar com maioria no colegiado de 9 membros a partir de 2024. Em razão de tal golpe perpetrado contra nossa democracia, o novo governo não consegue ter a seu dispor ferramentas essenciais da política econômica, a saber, a política monetária e a política cambial. Austeridade fiscal e arrocho monetário: mais do mesmo Como a diretoria do BC são os próprios integrantes do Comitê de Política Monetária (COPOM), os indicados por Bolsonaro mantêm uma política de sabotagem das intenções desenvolvimentistas do novo governo. Ao longo das 4 reuniões do colegiado responsável pela definição da taxa oficial de juros realizadas desde que foi reconhecido o nome do futuro Chefe do Executivo, a SELIC foi mantida nos estratosféricos níveis de 13,75% ao ano. O Brasil permanece como o país de maior taxa real de juros do mundo e esse patamar do custo financeiro inviabiliza a retomada dos investimentos necessários na economia, além de provocar um impacto significativo nas despesas financeiras do governo. Em outra esfera de atuação, os representantes do financismo metralharam de forma incessante qualquer tipo de proposta de flexibilização mais efetiva da política fiscal. Ainda que Lula tivesse anunciado inúmeras vezes durante a campanha eleitoral o seu desejo e a necessidade de o Brasil revogar a regra do teto de gastos, a pressão vinha no sentido de colocar alguma outra medida de austeridade fiscal no seu lugar. Infelizmente, esse movimento acabou conquistando alguns corações e mentes no interior da própria equipe econômica. Assim o desenho da PEC da Transição, promulgada sob a forma da atual Emenda Constitucional nº 126, incluiu a necessidade de aprovação de uma lei complementar com um novo regime fiscal para que o teto de gastos seja efetivamente revogado. Fernando Haddad priorizou a negociação e a interlocução com o Presidente do BC e com representantes do sistema financeiro para a elaboração de tal medida. O Relator Cláudio Cajado (PP/BA), colega de confiança do Presidente da Câmara dos Deputados Artur Lira (PP/AL), conseguiu tornar a proposta ainda mais distante das necessidades de um programa nacional de desenvolvimento. Se a proposta enviada pelo Executivo já mantinha a essência de controlar elevação de despesas em relação ao crescimento das receitas e insistia na lógica de obtenção de superávit primário, as alterações aprovadas pela Câmara aprofundaram ainda mais o caráter pró-cíclico da medida e retiraram as possibilidades de o Estado atuar como protagonista na busca do crescimento e do desenvolvimento. Arcabouço fiscal: austeridade remaquiada. Assim, corre-se o risco de o Congresso Nacional aprovar um texto que signifique a manutenção da estratégia de redução do peso do setor governamental na economia. A grande imprensa se encarrega de torpedear as propostas de flexibilização das regras da austeridade fiscal, ignorando que tal estratégia há anos já vem sendo implementado nos países do próprio centro do capitalismo, a exemplo dos Estados Unidos e da União Europeia. Como o arcabouço fiscal em tramitação determina que as despesas orçamentárias só poderão crescer a um ritmo de 70% do aumento observado nas despesas, a médio prazo isso terá o significado de um encolhimento relativo do Estado. Além disso, a malandragem toda reside na manutenção do conceito de superávit primário como métrica de avaliação do sucesso da austeridade. Ao apelar para o economês, o povo da finança esconde sua verdadeira intenção. Trata-se de continuar oferecendo um tratamento VIP às despesas financeiras - leia-se, gastos com juros sobre a dívida pública. Sim, pois estas rubricas não são consideradas “primárias” na terminologia adotada. Isso significa que o modelo pressupõe um enorme esforço para comprimir as despesas como assistência social, saúde, educação, previdência social, salários e outros, para que haja um resultado positivo nas contas públicas não financeiras. E esse saldo credor vai se transformar automaticamente no volume de juros a serem pagos aos detentores dos títulos da dívida pública. Esse tipo de despesa não era submetido a nenhum limite na política do teto de gastos e vai continuar assim no novo modelo a ser adotado após a aprovação da referida lei complementar. Assim, o que se depreende é que as regras de austeridade fiscal não valem para todos. Os números apresentados oficialmente há poucos dias pelo BC confirmam essa hipótese. Já são conhecidos os valores despendidos pelo governo federal a título de juros ao longo do primeiro quadrimestre do presente ano. Entre janeiro e abril de 2023 o governo federal gastou R$ 228 bilhões para pagamento de juros da dívida pública. O valor é 48% mais alto do que o a soma relativa ao primeiro quadrimestre do ano passado, que havia registrado R$ 154 bi. Esse total, por sua vez, representou uma elevação de 36% em relação aos R$ 113 bi de 2021. Ora, esses números evidenciam que a herança maldita do governo Bolsonaro & Guedes foi mantida e aprofundada durante os primeiros meses do novo mandato de Lula. A austeridade fiscal não se aplica aos gastos com juros. BRASIL - Juros pagos - 2021/23 (janeiro/abril) – R$ bilhões [caption id="attachment_8114" align="aligncenter" width="731"] Fonte: BC[/caption] Caso o enfoque seja direcionado sobre os valores pagos a título de juros ao longo do ano todo, o cenário se mantém o mesmo, ainda que com índices de crescimento mais atenuados de um período para outro. Os últimos 12 meses encerrados em abril de 2023 indicam um total de R$ 660 bi na conta financeira. Trata-se da segunda maior despesa do governo federal, atrás apenas dos gastos com previdência social. No entanto, como a rubrica é classificada como “não primária”, sobre ela não cabe a imposição de nenhum teto e nem de limite algum. Esse montante corresponde a um aumento de 13% sobre os R$ 586 bi gastos observados entre janeiro e dezembro de 2022 a título de pagamento de juros. Além disso, a comparação de 2022 com os R$ 448 bi relativos a 2021 representou um crescimento de 31%. BRASIL - Juros pagos - 2021/23 (últimos 12 meses) – R$ bilhões [caption id="attachment_8113" align="aligncenter" width="717"] Fonte: BC[/caption] Esses números refletem de forma bastante cristalina a verdadeira natureza do chamado “esforço fiscal”, elemento tão divulgado e idolatrado pelos defensores do financismo e do ajuste conservador. A austeridade tão proclamada como suposta condição para garantia de estabilidade macroeconômica não se aplica de forma isonômica sobre todos os setores da sociedade. À medida em que se introduz de forma sorrateira a separação entre as despesas financeiras e todas as demais não-financeiras, a busca da tão venerada responsabilidade fiscal deixa explícita a característica intrínseca à austeridade: reprodução das desigualdades sociais e econômicas. Teto do Temer e subteto do Haddad. Partindo de um modelo conceitualmente viesado em prol do capital financeiro, o equilíbrio fiscal não pode ser considerado como “neutro” ou “técnico”, como costumam qualificá-lo os defensores do regime. A austeridade tem rosto e endereço conhecidos. A exemplo de outros aspectos da política econômica, pouca coisa muda em termos essenciais na comparação entre o teto de gastos da herança Temer & Bolsonaro e o subteto proposto por Haddad. Trata-se de buscar o ajuste em cima de redução dos direitos dos setores de base da nossa pirâmide da desigualdade, ao mesmo tempo em que preserva e até amplia os benefícios concedidos às elites e ao capital, quer sejam os 1% ou os 0,1% do topo da nossa vergonhosa figura geométrica da concentração. *Doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.  Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil. As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia. Para receber os boletins e notícias direto no seu Whatsapp, adicione o número da Rede Estação Democracia por este link aqui e mande um alô.

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Amorim alerta que Ocidente precisa ouvir a Rússia para evitar conflito maior

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Amorim alerta que Ocidente precisa ouvir a Rússia para evitar conflito maior
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De CEZAR XAVIER O assessor especial de Lula fez paralelos entre o cenário atual e aquele que antecedeu a 2a. Guerra, agora, sob risco da ameaça nuclear Em poucas palavras a Brian Harris, correspondente do Financial Times, em São Paulo, o chefe da Assessoria Especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, foi direto ao ponto em expressar o que poucos têm coragem de falar abertamente na imprensa ocidental. Enquanto os líderes dos países mais ricos e influentes do Ocidente fecham todo e qualquer canal de diálogo com Vladimir Putin, tornando seus representantes párias em organismos multilaterais, Amorim comparece na manchete do FT alertando para a necessidade das “preocupações russas” com a Ucrânia “ser levadas em conta”. Putin foi ignorado por anos, sempre que falava de sua preocupação com a segurança nacional, conforme o crescente cerco de suas fronteiras era feito pela instalação de bases da OTAN (o exército europeu criado na guerra fria contra a união soviética). Quando a Ucrânia provocou a Rússia afirmando sua vontade de abrigar uma base militar, Putin ainda tentou fazer valer sua reivindicação. Tratado de Versalhes Ao recomendar a atenção às demandas russas, o assessor de Lula foi mais longe e advertiu que a postura dos líderes ocidentais pode provocar um conflito mais amplo, tecendo uma comparação entre o cenário atual e aquele que antecedeu a Segunda Guerra Mundial. Para ele, ao ouvir as “preocupações” de Putin, o Ocidente pode “impedir o escorregão em direção a uma paz dos vencedores na Ucrânia ao estilo do Tratado de Versalhes”. Com isso, Amorim admite que a guerra pode até chegar a um cenário de derrota russa total em algum momento, com o recrudescimento da ajuda militar a Volodymyr Zelensky. Líderes ocidentais expressam sua vontade de humilhar Moscou. Mas como aconteceu com a Alemanha, no final da Primeira Guerra Mundial, o resultado pode levar a uma ampliação do conflito. “Lembro-me da situação na Alemanha após a primeira guerra mundial: o objetivo era enfraquecer a Alemanha no [Tratado de] Versalhes e sabemos aonde isso levou.” Diz ele, referindo-se ao cenário de humilhação da Alemanha derrotada, que estimulou o surgimento de uma liderança como Adolf Hitler que estimulou o nacionalismo alemão e a invasão insana de toda a Europa. Numa época em que armas nucleares não eram uma ameaça. “Não queremos uma terceira guerra mundial. E mesmo que não tenhamos isso, não queremos uma nova guerra fria”, disse Amorim ao Financial Times. “Todas as preocupações dos países da região devem ser levadas em consideração, se você quer a paz. A única outra alternativa é a vitória militar total contra a Rússia. Você sabe o que vem depois? Eu não.” Este tom de apontar para o inimaginável não parece descabido, se considerarmos que, em muitas décadas, nenhum conflito chegou a extrapolar os patamares deste, ao provocar reações beligerantes de tantos países diferentes. A dissolução da Iugoslávia, por exemplo, acabou se restringindo a um conflito regional, ainda que no coração da Europa. Amorim também procura repelir raciocínios que tratam a Rússia e Putin pelo que ocorre a um ano e meio após a invasão da Ucrânia. Esta é também uma forma de relembrar os tratados feitos com a Rússia, que não foram cumpridos, e as hostilidades crescentes da Ucrânia, desde a revolução colorida de 2014. Até então, o país tinha uma alinhamento claro com os interesses de Moscou. “Não podemos julgar a situação pelos últimos 1,5 anos. Esta é uma situação de décadas. [A Rússia tem] preocupações que devem ser levadas em consideração. Isso não é culpa da Ucrânia. A Ucrânia é uma vítima, uma vítima dos resquícios da Guerra Fria”. A neutralidade brasileira A contato de Harris com Amorim para por aqui. O restante do texto procura investigar as diversas manifestações do governo brasileiro sobre a guerra, desde o governo Bolsonaro até as declarações de Lula. Menciona, portanto, a resolução contra Moscou aprovada na ONU com a ajuda do Brasil. Mas reafirma as desconfianças dos países desenvolvidos com uma suposta posição pró-Rússia de Lula ou a repetição de propaganda russa e chinesa. Esta é, aliás, uma forma de silenciar as demandas russas. No entanto, o jornalista entrevista Paulo Velasco (UERJ), que ressalta o fato da abordagem de Lula para o conflito na Ucrânia estar em linha com a tradicional diplomacia brasileira, que evita “posições extremas que possam comprometer os esforços para chegar a um entendimento”. “O Brasil acredita que as sanções raramente são o melhor caminho”, disse Velasco. “Eles tendem a isolar o Estado que se envolve em comportamentos desviantes, minando sua confiança na comunidade internacional, que é essencial para chegar a acordos pacíficos.” Já, Oliver Stuenkel (FGV), destaca o fato dos países não-alinhados contra a Rússia estarem defendendo seus interesses comerciais mais pragmáticos. A presença do Brasil e da Rússia nos BRICs seriam uma justificativa clara para estes laços, assim como um contraponto importante à dominação econômica das potências ocidentais. A reportagem coloca na conta de Zelensky o não-encontro com Lula em Hiroshima, ao citar a justificativa do Itamaraty após o atraso do presidente ucraniano. O texto ainda lembrou o legado do envolvimento dos Estados Unidos na América Latina durante a Guerra Fria como uma possível motivação para a postura brasileira confrontar Washington. Ele cita Amorim, que negou que isso tenha influenciado a visão de Lula, destacando as “boas relações” do Brasil com os EUA e que a segunda visita de Estado do presidente foi à capital americana. Matéria no portal Vermelho. Foto destacada de Celso Amorim, assessor de Lula para política exterior, em reunião com governo da Ucrânia - Divulgação/Governo da Ucrânia.

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