Últimas publicações


Politica

Lira quer paridade na tramitação das MPs no Congresso
RED

Após o presidente do Senado e do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), determinar a volta do rito constitucional das medidas provisórias (MPs), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) quer que as discussões tenham paridade, além de mais tempo para análise. "Nossa crítica é não ter paridade nas comissões mistas, não ter prazo para análise e ser menos democrático que o sistema que temos hoje, com votações nos plenários das duas Casas", declarou em entrevista coletiva. O rito determinado pela Constituição Federal prevê a formação de comissões mistas com 12 parlamentares de cada Casa. Lira defende que, caso o rito volte, que tenha mais deputados, a exemplo do que é feito na Comissão Mista de Orçamento (CMO) que possui 30 deputados e 10 senadores. Junto com a formação das comissões, Lira falou do período de tramitação. "É preciso um prazo razoável para que as MPs fiquem nas comissões, porque até propostas de emenda à Constituição (PECs) têm prazo. Hoje, se uma PEC passa mais de 40 sessões numa comissão, o presidente pode avocar a votação para o Plenário, mas não pode para MPs. É descabido e cerceia o debate dos dois plenários, que são os colegiados majoritários das duas Casas", completou o presidente da Câmara. MPs prioritárias De acordo com a Câmara, Arthur Lira se encontrou com o presidente Lula e líderes do governo no final de semana. O governo pediu que algumas medidas provisórias, como a do Bolsa Família e a do Minha Casa, Minha Vida, junto com as que reestruturam os ministérios, fossem consideradas prioritárias enquanto o impasse não resolve. O impasse se trata da forma de tramitação das medidas no Congresso. Até 2020, o rito constitucional era seguido com as comissões mistas. A partir da pandemia, a Câmara dos Deputados passou a analisar primeiro e depois enviava para o Senado. Mesmo com o fim da emergência sanitária, Lira insistiu que esta forma de tramitação permanecesse, mas não foi acatado por Rodrigo Pacheco. Com informações da Agência Câmara de Notícias. Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados Para receber os boletins e notícias direto no seu Whatsapp, adicione o número da Rede Estação Democracia por este link aqui e mande um alô.

Politica

Em quatro anos, Bolsonaro e equipe fizeram 150 viagens à Arábia Saudita
RED

De Congresso em Foco Nos últimos quatro anos de governo, o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) ou representantes de sua equipe presidencial fizeram 150 viagens para a Arábia Saudita. O país dos Emirados Árabes está no centro da confusão das jóias recebidas por Bolsonaro, e que foram mantidas pelo ex-presidente de forma irregular. A frequência com que Bolsonaro e sua equipe visitaram o país acendeu o alerta entre os partidos de oposição a Bolsonaro no Congresso, que pedem novas investigações sobre o caso das jóias. No final da manhã desta terça-feira (28), o senador Humberto Costa (PT-PE), ingressou com um pedido de investigação junto ao Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas da União, em relação a um terceiro pacote de jóias que Bolsonaro recebeu do governo da Arábia Saudita. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, o ex-presidente recebeu uma caixa com um relógio Rolex, uma caneta Chopard, abotoaduras, anel e uma masbaha — espécie de rosário para a religião islâmica. Os presentes somam mais de R$ 500 mil e ficaram com o ex-presidente mesmo após o fim de seu mandato. “Solicita-se que esse Digno Ministério Público avalie apurar as reais razões de tão constantes deslocamentos oficiais, e se, ao final de cada uma dessas visitas, a comitiva ou o ex-presidente receberam objetos valiosos, e se assim for, a que título foram recebidos”, solicitou o senador. Bolsonaro teria recebido a caixa após um almoço com o rei saudita Salman Bin Abdulaziz Al Saud, em outubro de 2019. Ao retornar ao Brasil, o presidente teria ordenado que os itens fossem guardados no acervo privado da Presidência. Os itens permaneceram lá até junho de 2022, quando um formulário foi apresentado para que os presentes fossem “encaminhados ao gabinete do presidente Jair Bolsonaro”. As joias estavam sob posse da comitiva do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em outubro de 2021. Na sexta-feira da semana passada (24), a defesa de Bolsonaro atendeu a determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) e devolveu parte dos presentes. O terceiro pacote de jóias não foi devolvido. Por Iara Lemos Foto: Alan Santos/PR Para receber os boletins e notícias direto no seu Whatsapp, adicione o número da Rede Estação Democracia por este link aqui e mande um alô


Meio Ambiente

Adaptação ao clima precisa estar em todas as políticas públicas, diz nova secretária

Meio Ambiente

Adaptação ao clima precisa estar em todas as políticas públicas, diz nova secretária
RED

Economista Ana Toni defende plano de adaptação, redução de emissões por setores e criação de fontes de financiamento De Agência Pública No início desta semana, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o IPCC, publicou um relatório-síntese com as principais constatações do corpo científico da ONU publicadas nos últimos anos com um alerta que mistura urgência e gravidade com um toque de esperança. Ou o mundo age para valer, de modo rápido, ou não haverá como garantir um futuro seguro para todos. É uma questão de sobrevivência, alertam os cientistas. Mas, dizem, já conhecemos os caminhos para isso. Temos tecnologias que podem ser adotadas para reduzir as emissões dos gases que causam o aquecimento global. É preciso, porém, colocá-las em prática rapidamente, e de modo amplo. Isso significa reduzir as emissões de gases de efeito estufa do planeta em 43% em apenas 7 anos, até 2030, para conter o aumento da temperatura média global em 1,5ºC, na comparação com o período pré-Revolução Industrial. O mundo já está 1,1ºC mais quente e já estamos sentido o aumento das ondas de calor e de eventos extremos de chuva e de seca.  A tendência é que alcance o 1,5ºC em uma década. Passar disso pode ser catastrófico. A única saída nesse momento para isso não acontecer é reduzir as emissões. A mensagem foi recebida como uma injeção de ânimo pela economista e doutora em Ciência Política Ana Toni, nova secretária Nacional de Mudança do Clima. Na segunda-feira, 20, poucas horas após o lançamento do relatório, ela afirmou para um grupo de jornalistas: “Não estamos mais no momento de saber quais são os problemas. Já sabemos muito, e já sabemos o tamanho da emergência climática que estamos vivendo. Agora é olharmos para as lacunas de implementação e como podemos acelerar o combate às mudanças do clima”. Uma das vozes mais ativas na sociedade civil nos últimos quatro anos sobre o desmonte ambiental e climático do governo Bolsonaro, Ana Toni assumiu oficialmente a Secretaria Nacional de Mudança do Clima na última terça-feira, 21, com pelo menos três metas principais: trabalhar os meios para implementar efetivamente no país as medidas de combate às mudanças climáticas, a partir de planos setoriais; criar um plano nacional de adaptação ao problema; e elaborar os mecanismos financeiros que vão dar suporte para essas políticas. Em entrevista à Agência Pública, ela afirmou que tudo isso passa por ter como foco salvar vidas. “A primeira prioridade de qualquer plano de adaptação no mundo, imagino, deveria ser salvar vidas, e a gente vê todos os anos – como foi o caso agora do litoral norte de São Paulo – perdas de vidas que vamos ter que priorizar”, disse. Na agenda climática, a preocupação maior sempre foi com a redução das emissões de gases de efeito estufa – a chamada mitigação do problema. Em nenhum momento da história recente do Brasil, mesmo antes do governo Bolsonaro (que abandonou totalmente a questão), se elaborou um plano para lidar com os danos que vão ocorrer – e já estão ocorrendo – porque o mundo está mais quente. Mas o aumento e a maior agressividade dos eventos extremos colocaram a necessidade de adaptação como questão a ser enfrentada já. Para a nova secretária, essa não pode ser uma agenda pensada apenas quando ocorre uma nova tragédia, nem ser de responsabilidade apenas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima ou focada em ações específicas. “[O que precisamos] não é ter um plano isolado de adaptação, é trazer a perspectiva da adaptação para o bojo das políticas públicas. Será necessário trazer o olhar de adaptação e resiliência para dentro das políticas públicas”, afirmou. Sobre a necessidade de cortar nossas emissões, Ana ressaltou que apesar de a redução do desmatamento ser a prioridade número 1, 2 e 3, que outros setores terão de começar a agir e que será para nortear as “escolhas difíceis” sobre quem terá de cortar primeiro, que serão feitos os planos setoriais. Mas avisou: “[reduzirmos] o desmatamento não é uma licença para os outros setores continuarem carbonizando”. Antes de assumir o cargo, Ana Toni era diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS). É economista, mestre em Política da Economia Mundial pela London School of Economics and Political Science e doutora em Ciência Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Foi presidente do Conselho do Greenpeace Internacional (2010-2017), diretora da Fundação Ford no Brasil (2003-2011) e integrante de diversos conselhos empresariais e instituições da sociedade civil. Confira a seguir a entrevista que ela concedeu à Pública. Nesta semana foi lançado o relatório síntese do IPCC, que trouxe uma mensagem mista de urgência com esperança. O documento reforça que só uma ação rápida e intensa pode garantir um futuro seguro para toda a humanidade. Mas também aponta que já sabemos o que precisa ser feito e que temos as tecnologias para reduzir a quase metade as emissões de gás carbônico do planeta até 2030. Só que ainda faltam meios de implementar isso, o que é fato também para o Brasil. Como você acha que podemos avançar? A gente está vendo uma movimentação nos diferentes ministérios – o que é super bem-vindo – de olhar para novos instrumentos econômicos que tragam o tema do clima, ou pelo menos começar esse debate. Não só mercado de carbono, porque esse é óbvio, mas também criar uma taxonomia [conjunto de critérios para guiar o investimento em negócios verdes]. Obviamente a gente vai ter uma reforma tributária, e estamos discutindo como ela pode ajudar ou não. Isso, para mim, é olhar meios de implementação. Também é um meio de implementação checar a capacidade dos diversos ministérios para fazer coisas relacionadas às questões climáticas, que estão crescendo. Só de ter um monte de novas secretarias [órgãos relacionados ao tema em diversos ministérios] já é um aumento de capacidade. Mas precisamos ter novas formações dos servidores para termos gestores que tenham essa capacidade. E ter também estruturas de financiamento. Acho que a gente está nessa fase: os meios de implementação têm que ser o foco agora. Pode-se querer [fazer] muito, mas se não tiver uma linha de financiamento de algum banco [específica para clima], seja do BNDES, seja do banco estadual, não se faz. O combate às mudanças do clima não vai acontecer só pelo comprometimento político, mas através de ações concretas.  E para ter ações concretas, tem que ter os agentes implementadores. O Brasil passou os últimos quatro anos sem agir em relação à emergência climática, tanto em termos de mitigação, que não houve nenhuma – pelo contrário, aumentamos nossas emissões –, como em termos de adaptação. Sempre que acontece um desastre como o do litoral norte de São Paulo no Carnaval, percebemos como não estamos preparados para os impactos das mudanças climáticas. Você já disse que criar um plano de adaptação é uma das suas prioridades à frente da Secretaria Nacional de Mudança do Clima. Poderia explicar o que isso significa? Precisamos primeiro fazer um diagnóstico ou isso já temos?  Estamos no começo, então não tenho respostas concretas e claras. A primeira coisa foi fazer com que isso fosse uma prioridade, e acho que é uma prioridade do governo, realmente, ter um plano de adaptação. A sensação que dá – por enquanto é uma sensação, porque a gente não terminou de fazer todo o trabalho – é que tem muitas ações que podem ser caracterizadas como ações de adaptação nos municípios e estados, porque eles não estão esperando, estão fazendo. No governo federal, temos o Cemaden [Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais] e o AdaptaBrasil [plataforma do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação que fornece indicadores de risco de impactos das mudanças climáticas no país], que estão fazendo um trabalho muito interessante. Há algumas, não muitas, ações interessantes dispersas e não tem um plano, o que é necessário obviamente até para mostrar quais são as grandes lacunas que temos de reforçar. Precisamos primeiro mapear todas as ações nos diversos ministérios, e logicamente nos estados e municípios, para descobrir o que tem, e a partir dele descobrir o que não existe e é absolutamente necessário. Segundo, precisamos saber o que a gente quer, porque em termos de mudanças climáticas vamos ter que adaptar em todos os setores, em tudo que a gente faz na vida: segurança energética, segurança hídrica, segurança alimentar. Tem risco para tudo no tema de clima. Obviamente, não vamos conseguir fazer imediatamente um plano que cubra tudo, vamos ter que pensar qual é a prioridade, por onde começar. Porque o tema da adaptação, não só no Brasil, ainda é um um aprendizado para todos os governos. Se eu te perguntasse qual é o melhor plano de adaptação que conhece no mundo, você provavelmente não saberia responder. Se eu te perguntasse qual é o plano de mitigação da Alemanha, você provavelmente conseguiria me responder. Das perspectivas do governo e da sociedade, nos debruçamos muito pouco sobre o que significa adaptar às mudanças climáticas. Ainda não temos uma capacidade organizada nem na sociedade civil, nem no governo federal, nem nos municípios, nem nos estados. Mas tem ações, tem muita pesquisa. Por exemplo, o Cemaden monitora, se não me engano, 1.038 cidades [no início do mês, o número subiu para 2.120]. Há doze anos, estão monitorando essas cidades e já sabem como estão sendo afetadas. Ali é um mar de informação sobre o qual temos que nos debruçar. Só que há mais de cinco mil cidades no Brasil. Temos lacunas de informação e de coordenação. Não vejo como um plano, mas como um mapa do caminho para a adaptação que a gente comece obviamente por onde estamos, que é o mapeamento, mas que vá priorizando algumas das áreas. A primeira prioridade de qualquer plano de adaptação no mundo, imagino, deveria ser salvar vidas, e a gente vê todos os anos – como foi o caso agora do litoral norte de São Paulo – perdas de vidas que vamos ter que priorizar. Depois vai vir o resto, porque a pessoa perde a vida, mas a família perde a habitação e em seguida fica em insegurança alimentar, é uma cadeia, temos que entendê-la. Um pessoal aqui do ministério já estudou planos de adaptação super interessantes, muitos deles em países desenvolvidos, que são high tech: indicam que tipo de asfalto colocar para ter mais absorção da chuva e não ocorrer inundação. É lindo, mas a adaptação vai ter que ser adaptada à nossa realidade, que infelizmente é muito básica: é bueiro cheio de lixo, é falta de saneamento. Vamos ter que olhar para o plano de adaptação [na lógica de que] o ótimo é inimigo do bom. Não vai ser ótimo. Foi lançado um plano em 2016, que era o início, basicamente só com estudos e informação. Mas vamos ter que começar com alguma coisa. Com muita ambição, mas começar pequeno, no sentido de que tem que ser concreto, porque enquanto a gente planeja, tem vida sofrendo com isso. Ninguém tem bola de cristal para saber onde vai acontecer o próximo evento extremo – se tivéssemos seria ótimo –, mas se a gente puder mapear os municípios mais críticos do Brasil, podemos ter uma uma agenda de prevenção. Logo depois do desastre do litoral norte de São Paulo, a ministra Marina Silva anunciou a realização de um seminário para desenhar um plano emergencial de adaptação nesses 1.038 municípios que você comentou, que reúnem 57% da população brasileira. O que já temos de concreto sobre esse assunto? Marcamos as primeiras reuniões com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para pensar no seminário. A preocupação que a Marina colocou quando fez a visita [ao litoral norte de São Paulo] é que precisaremos ter sistemas e governança institucional para conseguir lidar com todas as etapas da adaptação. E o que acho que ela percebeu durante aquela visita é que, se a gente conseguisse declarar um estado permanente de emergência climática em alguns municípios, com base em ciência, eles poderiam ter um tratamento muito diferenciado quando ocorresse um desastre desses para conseguir recursos e fazer compras [emergenciais]. Porque hoje é só depois que acontece a chuva que se declara emergência. Num plano de adaptação, [seria essencial] tentar mapear – sem ter bola de cristal, obviamente – os locais mais vulneráveis e deixar pré-organizado, em uma emergência associada a eventos extremos, como o governo deve reagir. Porque é um desastre um pouco diferente: uma coisa é pegar fogo em um shopping center, mas isso não é emergência climática. Se conseguirmos caracterizar melhor o que é a emergência climática em termos de eventos extremos, teremos mais capacidade de reagir de maneira mais coordenada durante esses eventos. De onde devem vir, na sua análise, os recursos para financiar essas estratégias de adaptação do governo federal? Nenhuma ideia. Vai depender muito de como é que se pensa esses planos de adaptação.  Temos essas caixinhas – recursos para mitigação, recursos para adaptação –, e no final estamos falando um pouco da mesma coisa: conseguirmos trazer justiça climática e direitos humanos para toda a população em um momento que o planeta está e vai ficar cada vez mais quente. O que vai ser o orçamento para mitigação e como ele fala com o orçamento para adaptação? No final, estamos criando resiliência em um planeta que mudou. O Plano ABC, que é para agricultura de baixo carbono, é sobre mitigação [redução das emissões do setor], mas o agronegócio provavelmente vai ter que se adaptar a um planeta muito mais quente e com menos água. Como fazer essas relações? Aí não tenho a menor ideia. Acho que a gente conhece muito pouco das necessidades de adaptação e tem ignorado esse tema nas políticas públicas e nas privadas também, porque tem um risco climático [para os negócios], os stranded assets [ativos financeiros que prematuramente sofrem desvalorização devido às mudanças associadas à transição para uma economia de baixo carbono]. Voltando ao relatório do IPCC, fica muito claro que as mudanças climáticas estão chegando muito mais rápido e seus efeitos estão sendo muito mais severos e com muito mais amplitude do que os próprios cientistas pensavam. Pensávamos que teríamos que começar a adaptar depois de 2070, mas não, precisamos adaptar a partir de hoje, ou de ontem. O que você quer dizer é que obras de infraestrutura necessárias para melhorar a vida da população, como as de saneamento básico, por exemplo, poderiam já ser pensadas com esse componente da adaptação climática? Ou seja, são financiamentos previstos em qualquer plano de desenvolvimento para o país, certo? Não algo novo só para adaptação. Por exemplo, se fosse um Minha Casa Minha Vida com adaptação, quão mais caro seria, ou quão mais barato? Não tenho a menor ideia, porque nunca tentamos fazer. Quanto custa uma estrada resiliente [aos impactos da mudança climática]? Não tenho a menor ideia. Não temos os elementos ainda porque as perguntas não estão sendo feitas dentro da política pública. [O que precisamos] não é ter um plano isolado de adaptação, é trazer a perspectiva de adaptação para o bojo das políticas públicas. E também ter um plano específico para emergência climática, para adaptação, porque aí é emergência e não tem jeito. Mas será necessário trazer o olhar de adaptação e resiliência para dentro das políticas públicas. E elas podem sim ter um custo maior, provavelmente terão, só que a gente tem que entender de quanto será. O Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima acaba de lançar um relatório afirmando que o Brasil teve uma “década perdida” em termos de mitigação de emissões, que cresceram 40% entre 2010 e 2021. Além do desmatamento, que é o mais óbvio que precisa ser combatido, você já tem em mente um plano mais amplo para diminuir as emissões brasileiras? Não sei se foi uma década perdida. Obviamente, em relação aos últimos quatro, não tenho dúvida. Mas tem duas coisas. O Brasil é um país em desenvolvimento, vamos lembrar disso. Era esperado que em alguns setores, a gente ainda estaria carbonizando [aumentando as emissões de CO2], infelizmente, e [agora] estamos correndo atrás da descarbonização. Por exemplo, no setor de energia, nessa década a participação de energia eólica e solar cresceu, então, da minha perspectiva, não foi perdido. No desmatamento é perdido, porque não se cria nenhuma riqueza, nenhum bem-estar, nada. Não foi [tudo] perdido em algumas áreas. O governo federal agora tem 17 ministérios falando de clima. Então não se perdeu. Estamos todos falando de clima, o setor privado andou, tem novos instrumentos econômicos. A gente poderia estar muito melhor, não resta dúvida, mas não vejo como totalmente perdida, até porque o tema de clima requer pensar um novo modelo de desenvolvimento, e não se faz isso automaticamente, do dia para a noite. Tecnologia [para limitar o aquecimento médio do planeta a 1,5°C, a meta do Acordo de Paris] agora já sabemos que tem, mas há dez anos nem isso sabíamos. O mais importante é que a gente precisa no Brasil de um plano de desenvolvimento econômico e social de baixo carbono, um plano de clima lastreado pelos planos setoriais. Precisamos ter um plano setorial para todos os setores, não só para o desmatamento. É fundamental, prioridade número 1, 2 e 3 acabar com o desmatamento não só por questões de clima, mas por questões de biodiversidade, justiça climática, povos indígenas. Agora, não dá para imaginar que acabar com o desmatamento será suficiente. A economia brasileira não está produzindo o mesmo tanto de riqueza com menos carbono. A intensidade de carbono por PIB gerado não está diminuindo, esse é o grande problema. Não estamos ficando mais eficientes nem em termos energéticos – porque estamos usando mais energia para a produção de riqueza –, nem em termos de carbono, pois estamos usando mais carbono para produzir o mesmo tanto de riqueza. É isso que precisa mudar. Estamos usando mais carbono para produzir o mesmo tanto de energia, estamos sujando a matriz [energética]. E se a gente estivesse só limpando a matriz e não criando riqueza também seria um problema. Mas a gente não está nem criando riqueza, nem limpando a matriz, está errando em ambos os lados. Combater o desmatamento é fundamental, mas precisamos olhar para os outros setores: indústria, energia, transporte e obviamente agricultura. O desmatamento não é uma licença para os outros setores continuarem carbonizando. Você disse que uma das suas prioridades é desenvolver os planos setoriais, e que isso também ajudaria a traçar prioridades, definir quem deveria reduzir emissões primeiro e quem pode talvez esperar um pouco mais. Poderia explicar isso melhor, por favor? O Brasil já tem duas metas muito importantes: chegar na neutralidade de carbono até – a palavra “até” é importante – 2050, e cortar 50% das emissões até 2030. Para o modelo econômico e social que o Brasil quer para o seu futuro, a gente já sabe que vai ter que descarbonizar no máximo até 2050. Poderíamos, deveríamos e queremos descarbonizar muito antes e com mais ambição? Quais são as vantagens e desvantagens, as escolhas difíceis que teremos que fazer – e que talvez tenham oportunidades também? Porque só falamos do custo da descarbonização, mas talvez tenham oportunidades. Por exemplo, se os produtos brasileiros estão sendo produzidos com menos carbono do que outros países, talvez a gente tenha vantagens competitivas também em relação a outros. Vamos fazer os planos setoriais para cada uma das áreas e verificar quais setores têm mais facilidade para descarbonizar. O que quer dizer mais facilidade? Não só custa menos, mas também gera mais emprego e é socialmente melhor. Ou a transição, em termos dos trabalhadores, é mais factível, em comparação a outros. Se a gente acabar com o desmatamento – temos esse compromisso de fazê-lo até 2030 –, os outros setores teriam bastante capacidade de performar muito melhor do que era esperado antes para que possamos descarbonizar até mais. Mas tem que ter viabilidade econômica, assegurar que é socialmente justo e ter a viabilidade política, que vai ser muito importante também, porque o tema de clima não é mais só de cima para baixo, vai ter que ser construído em um pacto da sociedade brasileiro. É esse o desenvolvimento que a gente quer. Já temos um parâmetro da onde a gente tem que chegar, então dentro desse parâmetro, como a gente divide as caixinhas agora? Se o Brasil realmente conseguir combater o desmatamento rapidamente, como é necessário, qual seria a próxima prioridade de redução das emissões?  Tem a área de agricultura, a pecuária em particular, que tem que descarbonizar, obviamente. Já estamos trabalhando na área da eficiência energética, que é fundamental e vai ajudar a descarbonizar todas as matrizes. Tem também o tema dos transportes, que é um calcanhar de Aquiles e é bom tanto para saúde como para a descarbonização. Ônibus elétrico é um ganha-ganha, ajudaria muito se a gente conseguisse avançar com os ônibus elétricos em todas as cidades. Agora, quanto custa? O que precisa ser feito? Quais são os meios de implementação que a gente tem pra para que isso aconteça? Se pudéssemos oferecer para todos os municípios ônibus elétricos, duvido que teria um prefeito que falasse não, até porque a gente sabe o quanto tem de custo para a saúde a poluição do ar nas cidades. Mas a gente consegue oferecer ônibus elétrico para todos os municípios? E acho que vamos ter que priorizar não só a perspectiva do carbono, que obviamente é fundamental, mas também aspectos sociais e econômicos. Não dá para começar a descarbonizar o setor que mais emprega antes de assegurar que esses trabalhadores serão requalificados para outras atividades. Serão necessários alguns critérios que norteiem essas escolhas – carbono é obviamente um, mas não pode ser o único. Esse comentário que você está fazendo agora ressoa como o discurso, por exemplo, que o pessoal do carvão mineral em Santa Catarina adota. Eles falam muito da perda de empregos que a desativação da termelétrica pode trazer. Quando você menciona que é preciso pensar em descarbonização mas também na justiça social, não teme que esse argumento poderia ser empregado, por exemplo, para aumentar a sobrevida do uso do carvão? Espero que não, porque não é esse o objetivo. Acho sim que o argumento social e de emprego é absolutamente fundamental, mas não pode ser uma desculpa. O argumento ser válido – e eu acho que ele é válido e importante – é uma coisa. Ele ser desculpa para pedir que os subsídios ao carvão continuem por mais 40 anos é uma outra coisa. Temos de usar o critério dos trabalhadores e dos empregos para ajudar nas escolhas, e não para atrasá-las, porque a gente vai ter que fazer escolhas difíceis. Sabemos exatamente como é que a gente chega lá. Então, entre gastar uma certa quantia de subsídio ao carvão e treinar as pessoas para [que se qualifiquem para outros empregos], tenho uma escolha a fazer. Continuo com a mesma premissa de que os trabalhadores são fundamentais, mas uma coisa é dar mais 40 anos de subsídio às empresas carvoeiras versus pegar todos esses subsídios e tirar das empresas para requalificar seus trabalhadores. O mesmo dinheiro que o governo dá hoje de subsídio poderia ser usado para a requalificação desses empregados. Aproveitando o tema da energia, gostaríamos de saber o que você pensa sobre, por exemplo, a exploração de petróleo pela Petrobras na bacia da Foz do Amazonas, considerada uma área ambientalmente sensível. Será tomada uma decisão sobre isso levando em conta a questão climática no governo?  Antes de falar desse tema da Foz do Amazonas, acho que tem uma coisa maior: a política energética brasileira talvez ainda não tenha incorporado todos os elementos de meio ambiente e clima necessários. Isso é um trabalho que vai ser feito conjuntamente entre o MMA e o Ministério de Minas e Energia. Se analisarmos os critérios ambientais e climáticos usados para as realização dos leilões, acho que isso ainda tem sim que ser fortalecido entre todos os ministérios. A questão do offshore [exploração longe da costa] é ainda onde pega. Sobre onshore já tem muito debate e regulamentações de licenciamento, mas talvez o offshore tenha sido menos observado nas questões ambientais, às quais acho que Ibama e Conama começam a estar mais alertas porque estamos usando o offshore não só para a extração de combustíveis fósseis, mas também para energia eólica e pesca. Como já existe na parte terrestre, a gente começa a ter agora uma concorrência no offshore, e aí acho que tem um olhar mais atento a quais serão as salvaguardas socioambientais para esses projetos, pois serão necessárias tanto para a energia eólica como para os combustíveis fósseis. Especificamente em relação à Foz do Amazonas, existe um debate aqui no ministério. Estou chegando agora a esse debate, que se iniciou antes da minha entrada. Entendo que está no Ibama, e tendo o Rodrigo Agostinho como presidente do órgão, alguém totalmente consciente dos temas climáticos, tenho certeza que isso será levado em consideração. Mas o Ibama implementa o licenciamento, as regras não são dadas por ele. Por isso, volto a chamar a atenção para as salvaguardas que temos no offshore, quais são as regras que a gente precisa. Espero que vá para o caminho que a gente espera que vá, mas acho que a gente deveria ter um olhar mais atento para o problema maior: primeiro o offshore, e segundo a política energética inteira. A Foz do Amazonas é o símbolo da falta de uma governança mais ampla e estruturada para as escolhas difíceis que temos que fazer na área de energia. Há um tema que queria mencionar que é: infelizmente todas as fontes energéticas têm impactos ambientais e sociais. Todas elas: solar, eólica, e obviamente os combustíveis fósseis. Temos visto comunidades com muitos problemas em relação à indústria eólica em algumas religiões do Nordeste. As renováveis não podem cometer os mesmos erros que a indústria de combustível fóssil fez no passado. Ou seja, precisaremos de um planejamento ambiental e social específico para que a energia limpa que queremos e da qual precisamos possa vir sem a bagagem e os erros do passado. Temos visto uma disposição do governo federal em incorporar as questões climáticas, mas isso não acontece na Câmara e no Senado. Não há um movimento majoritário de inserir as pautas climáticas no debate legislativo. No entanto, algumas mudanças recentes importantes na política energética vieram do Congresso, como por exemplo a obrigatoriedade de construção de termelétricas a gás natural que foi embutida na autorização de privatização da Eletrobras. Como será a relação da pauta climática do do governo com o Congresso, que em sua maioria parece hostil a essas questões? Isso se chama democracia. Da perspectiva do governo federal, o presidente Lula, a ministra Marina, todos eles já deixaram absolutamente clara essa postura de querer ser um líder de clima e pensar na descarbonização em todos os seus âmbitos. O governo federal não tem a maioria no Congresso em tudo que quer. Isso serve para a política climática como serve para a reforma tributária. O diálogo entre governo federal e Congresso vai ter que ser estabelecido para todas as políticas e também para a política climática, não resta dúvida. Eu não diferenciaria as dificuldades da política climática de muitos outros temas. Para o bem ou para o mal, já temos uma boa legislação em muitos aspectos ambientais e climáticos – por exemplo, para acabar com o desmatamento. Temos que nos defender para que isso não piore. Mas está na mão agora do Executivo e dos governos estaduais diminuir as emissões, o Congresso até pode ajudar, mas não tem muito como atrapalhar. Talvez em algumas outras áreas, como a política energética, isso seja diferente. Por isso os planos setoriais são tão importantes. Todo mundo sabe que a área de energia tem que descarbonizar. Mas quanto, quem, o quê? Não tem um plano de descarbonização da área de energia. Esse pacto não foi dado nem pelo governo federal, muito menos pelo governo federal com o Congresso, muito menos com o setor privado, com os municípios, com os estados. Realmente acho que a gente vai ter a oportunidade de criar grandes pactos, e aí espero e quero que o governo federal lidere, porque está muito comprometido com a agenda de descarbonização. No meio tempo, [a questão] é como a gente atua no Congresso para não piorar e reverter o que for possível. Serão escolhas muito difíceis, e tem um desbalanço na capacidade de influência [entre as áreas]. Agora, não é só porque elegeu um governo federal comprometido com o tema clima que os problemas foram resolvidos – não foram. As diferenças continuam muito vivas na sociedade. Esse embate continuará, não sei até quando, mas certamente vai continuar nos próximos quatro anos. Não só não temos um Congresso com a pauta climática incorporada, como nos últimos anos houve um aumento do negacionismo climático no Brasil. Era algo que já existia, mas de modo periférico. Nos últimos quatro anos esse discurso foi incorporado pelo próprio governo e as desinformações acabaram se espalhando. É algo que te preocupa? Fico me perguntando se a sociedade brasileira se tornou mais negacionista ou se ela foi induzida a ser mais negacionista. Tinha um megafone para os negacionistas até recentemente. Esse megafone talvez tenha influenciado bastante essa opinião. Em geral, todos os dados que eu vejo, é que numa situação normal sem esse megafone, digamos assim, a população brasileira não é anticlima, ela entende o que está acontecendo, tem consciência, está vivendo na pele. Fico ainda com esperança que esse negacionismo que a gente detectou na população nos últimos anos seja fruto do megafone que havia dentro do governo federal e não da perspectiva real das pessoas. Acho que a gente só saberá disso daqui a pouco, daqui a um ano, dois anos, e vai precisar de mais pesquisa para entender exatamente onde a população brasileira está. Quando os lobistas negacionistas não tiverem tantos recursos, não estiverem à frente de políticas, saberemos até que ponto isso era induzido ou se era real. Sobre a Autoridade Nacional de Segurança Climática, que está prestes a ser criada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, como ela funcionará e qual será a interface entre essa nova autarquia e a sua secretaria? Está ocorrendo um debate muito interessante aqui dentro sobre essa autoridade, qual seria o seu papel, como é que ela falará com os diversos órgãos. A gente está tentando montar um sistema de governança muito robusto para clima. Temos a Secretaria de Clima, mas temos clima em diversos órgãos do governo federal, tem o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, que tem que ser robustecido porque agora tem muito mais interesse sobre o tema e esse vai ser um órgão muito importante. O presidente Lula e a ministra Marina acordaram em criar a Autoridade Climática, assim como também um conselho de clima mais amplo. Tomara que a gente consiga deixar o legado de uma governança climática robusta para o país, que não será só do governo federal. Não temos ainda no Brasil – e talvez a autoridade esteja sendo desenhada pensando nisso – um lugar que traga para todos os órgãos [o questionamento sobre] se nossas políticas públicas estão coerentes com nossas metas climáticas, com nosso plano de mitigação. Ainda não temos um, mas quando tivermos. As políticas públicas que estamos aprovando estão coerentes com a política de clima em termos de emissão? Acho que a autoridade pode nos ajudar muito a fazer essa pergunta, porque depois que a política pública foi elaborada e está sendo implementada, tem que se avaliar se realmente está contribuindo para a política de clima. E falo não só de políticas públicas a nível federal, mas a nível estadual, o próprio setor privado. Onde temos hoje no Brasil um lugar em que se possa verificar se todas as políticas que estão sendo desenhadas são corretas para ajudar na implementação de um plano de clima? Se conseguirmos que a autoridade seja esse lugar, acho que vai trazer muito mais transparência para todo mundo em relação às políticas que realmente fazem parte de um processo de implementação da política climática [mais abrangente]. Essa tem sido um pouco a intenção do que está sendo desenhado, e vamos ver se sai, como sai. Ainda tem muita conversa com diversos ministérios. Por Anna Beatriz Anjos e Giovana Girardi Foto: Pedro Kirilos/Wikimedia Commons Para receber os boletins e notícias direto no seu Whatsapp, adicione o número da Rede Estação Democracia por este link aqui e mande um alô.

Artigo

Os melancólicos 251 anos de Porto Alegre

Artigo

Os melancólicos 251 anos de Porto Alegre
RED

De ADELI SELL* Porto Alegre sempre foi uma cidade bastante festeira. Está aí Festa de Navegantes para comprovar esta tradição. A Feira do Peixe que não é festa acaba virando festa. Até o estrangeiro Saint Patrick Day virou festa na capital... Não se faz mais a Festa do Divino, mas é bom se lembrar de que lotava a Praça da Matriz de antanho com carroças, gente na maior estica, comes e bebes. São Jorge ainda nos dias que correm é dia de festança, assim como tem festança no 1° de maio, na Paróquia Nossa Senhora do Trabalho. Porto Alegre teve dois festejos para o seu bicentenário: para tentar “faturar” politicamente, o prefeito Loureiro da Silva se valeu do historiador Walter Spalding para criar um evento em 1940, mas na realidade o bicentenário para valer só veio com mais festas em 1972. Sérgio Jockyman, em memorável crônica, fala da Porto Alegre da Belle Époque, anos 40 e 50. Sérgius Gonzaga fala da juventude dos anos 60. Como não se lembrar das crônicas de Theodemiro Tostes e Paulo de Gouvêa, com os cafés da cidade. Porto Alegre foi por anos e anos uma cidade exuberante, com carnaval de rua, de clubes, de periferia... Loureiro da Silva alargou a Avenida Farrapos, hoje é um lugar sujo, (quase) abandonado, inseguro. Otávio Rocha começou a plantar árvores, por conselhos do Protásio Alves, agora há um arboricídio total. Guilherme Socias Villela fez os corredores de ônibus, hoje sobram buracos e cocorutos nas paradas, sujeiras, deterioração. Olívio Dutra colocou asfalto nas vilas, passados 30 anos as crateras estão visíveis em todos os becos da periferia. Dói ver o Centro Histórico tão sujo e abandonado. Queria fazer versos aos encantos da cidade, como na crônica de Sérgio Jockyman, mas eu vivo em Porto Alegre da melancolia, de governos perversos, da exclusão. Só posso fazer uma crônica assim! *Escritor, professor e bacharel em Direito. Foto dos primórdios da cidade - divulgação site da Prefeitura de Porto Alegre. As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

Artigo

A criança devorada

Artigo

A criança devorada
RED

De SOLON SALDANHA* Um magnata irlandês chamado James Jameson, herdeiro de uma grande produtora de whiskey, comprou no Congo, em 1888, uma menina negra de dez anos de idade. Entediado com a vida, trocou seis dos seus muitos lenços de seda pura por ela, mas com um objetivo ainda mais torpe do que a compra em si. Após adquirir a criança, como se fosse uma simples mercadoria, ele a entregou para um grupo de canibais. Seu objetivo era desenhar a cena dela sendo devorada por eles, de tal modo que tivesse depois boa história – e ilustrada – para contar nas rodas de conversa da aristocracia à qual pertencia. Isso é real. Está amplamente documentado. A criança foi amarrada no tronco de uma árvore e fatiada aos poucos, ainda viva. Cada pedaço que dela retiravam era lavado nas águas de um rio próximo e devorado a seguir. Apenas no final sua cabeça foi cortada. O patrocinador assistiu tudo comodamente sentado e fazendo os desenhos que se propusera. Oito anos antes deste fato, James havia herdado uma vasta fortuna. Ele era tataraneto de John Jameson, que foi o fundador da famosa empresa Irish Whiskey. Como tantos outros ricos da mesma época – será muito diferente hoje em dia? –, ele se considerava um aventureiro, acima das necessidades dos pobres mortais, como trabalhar, por exemplo. Então, dedicava tempo para acompanhar expedições de exploradores. Foi por isso que estava em grupo que buscava prestar socorro a Emin Pasha, liderada pelo renomado Henry Morton Stanley, na África Central. Pasha era o líder de uma província otomana no Sudão, que enfrentava uma revolta. Em tese, a proposta era levar mantimentos para ele. Mas, na realidade, havia um segundo propósito, que era anexar mais terras para a colônia que os belgas tinham no Congo. Aqui, faço um parêntesis: no período em que os belgas governaram o Congo, em especial quando do reinado de Leopoldo II, o tratamento dado às populações locais era terrível. Há registro, por exemplo, do que ficou conhecido como “O Holocausto Congolês”, quando algo entre oito e dez milhões de habitantes foram mortos e muitos outros mutilados, durante ocupação que visava a extração de látex. Voltando ao crime bárbaro cometido por James, existem relatos dele inclusive no diário de sua própria esposa e no daquele que era seu tradutor, o sudanês Assad Farran. E teria sido praticado quando ele estava circunstancialmente no comando de uma coluna da expedição, em Ribakiba. Esse era um posto comercial, que ficava em região remota do Congo e onde se sabia existir população canibal. Então entrou em contato com Tippu Tip, um comerciante de escravos, a quem revelou o desejo de assistir a um ato de canibalismo. Este, que era uma espécie de líder miliciano dos nossos tempos, entrou em contato com chefes de aldeias e intermediou o negócio de compra da menina. Foi ele também que informou aos nativos que o irlandês branco pretendia presenteá-los com a “presa”. O próprio James deixou relato escrito no qual afirma que foram três os homens que atacaram primeiro, não tendo sobrado ao final nenhum pedaço do corpo da criança. Absurdo maior está de forma unânime nos relatos de todas as testemunhas: ela não emitiu um som, não lutou, apenas se deixou ser imolada. Jameson fez alguns esboços no local, sendo que mais tarde, de memória e em sua tenda, terminou de elaborar os desenhos que tanto desejava. A história saiu inclusive na imprensa, não apenas a europeia. O jornal New York Times também a publicou. E, mesmo com todos os registros e as provas testemunhais, James Jameson jamais enfrentou problemas com a justiça. As poucas acusações que foram formuladas contra ele, todas por “má conduta”, foram abafadas pela sua família, com a ajuda do governo da Bélgica. O que aliás foi feito com muitas outras atrocidades cometidas pelos brancos invasores. James morreu algum tempo depois, vitimado por uma febre misteriosa. E as expedições civis, que não eram de interesse científico, foram aos poucos sendo suspensas. Mesmo assim, aquelas ditas oficiais, promovidas pelos governos europeus, tiveram continuidade. Assim como muitas outras, de ordem estritamente militar. Todas elas com o objetivo de “desbravar e pacificar” o continente africano. O bônus deixado pelo autor é o clipe da música Estado Violência, com os Titãs. https://www.youtube.com/watch?v=-dj2dpG8VHs *Jornalista e blogueiro. Apresentador do programa Espaço Plural – Debates e Entrevistas, da RED. Texto publicado originalmente no Blog Virtualidades. Imagem de James Jameson, um típico “homem de bem”: branco, rico, canalha e intocável. As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

Artigo

As Reformas de Base

Artigo

As Reformas de Base
RED

De LINCOLN PENNA* "O Brasil dos nossos dias não mais admite que se prolongue o doloroso processo de espoliação que, durante mais de quatro séculos, reduziu e condenou milhões de brasileiros a condições subalternas de existência". (Mensagem do presidente João Goulart ao Congresso Nacional). La se vão 60 anos. É tempo para dar início a essas linhas de lembranças que me parecem oportunas nesse novo governo Lula, cujo DNA contém fortes componentes de natureza popular. Arrisco um paralelo com a presidência de João Goulart, guardadas, é claro, as devidas diferenças. E na aposta de que o atual governo nao terá o mesmo fim trágico de Jango, tendo em vista o golpe perpetrado pelas forças do atraso, da reação organizada política e institucionalmente e pelo velho algoz dos povos, o imperialismo, forças que impediram o curso de nossa história soberana. Se tal exercício de memória pode vir a ser útil nesse momento, admito dúvidas, mas pessoalmente tenho certeza de que diz respeito a minha geração, nascida durante a vigência da Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945). Da mesma forma que entra na cena política a questão das reformas por parte de um governo iniciado há apenas três meses, nada mais conveniente que evocar a política de reformas adotada pelo presidente João Goulart. Eleito pela segunda vez como vice-presidente da República pelo PTB, como fora anteriormente, em 1955 com JK. Em setembro de 1961 o então vice-presidente João Goulart, Jango, tão logo foi empossado na presidência da República, após a renúncia de Jânio Quadros, deu início ao Programa de Reformas de Base. Apesar de ter tido a sua presidência reduzida pela Emenda que instituiu o sistema parlamentarista, adotado para limitar os poderes presidenciais, a disposição de Jango não foi arrefecida. Entendeu que era preciso administrar esse aparente revés e pôs-se à luta para a retomada de suas prerrogativas presidenciais. Para tanto contou ao longo da vigência desse sistema com três primeiros-ministros, Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima, que empreenderam a sua orientação voltada para a retomada do nacional-desenvolvimentismo com acentuado teor reformista. Cada qual com as suas características, e tendências partidárias, como o PSD, o PTB e o PSB, respectivamente. Todos, no entanto, leais a Jango. Assim, durante o período de setembro de 1961 a janeiro de 1963, o governo parlamentarista do presidente João Goulart agiu em duas direções: abrir o debate para a implantação dos fundamentos das Reformas de Base assentadas nos pilares que dão suporte à soberania nacional e o trabalho diligente de pôr fim ao parlamentarismo de ocasião, cuja manobra só retardou as prerrogativas constitucionais. Desse modo, quando através de um plebiscito Jango teve restaurado o sistema presidencialista, ele pôde assumir mais diretamente à condução do processo de seu programa de reformas anunciado previamente e que vinha sendo amadurecido já por ocasião do segundo governo Vargas, especialmente no fórum constituído pelo ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros). Nesse período parlamentarista coube ao economista Celso Furtado elaborar uma proposta visando a contenção do processo inflacionário, que se encontrava acima dos 70% impossibilitando toda e qualquer política distributiva. Seu objetivo era o de alcançar uma taxa de crescimento de 7%, de modo a possibilitar uma política de distribuição de renda, só atingível mediante a retomada do desenvolvimento. O contraponto do que viria a ser o Plano Trienal era a adoção de um congelamento de salários e preços enquanto a economia se estabilizava, condição que contou de imediato com o repúdio sindical, até então base sólida com que contava Jango. Criticado pela direita e por parcelas da esquerda, o Plano foi deixado de lado. Como ministro extraordinário do Planejamento, Furtado era uma das figuras confiáveis do presidente. Sua indiscutível competência, no entanto, esbarrou com o conflito de interesses imediatos manifestado pelos trabalhadores e assalariados de um modo geral. A imprensa alternativa que sustentava a linha política e programática do governo, como os jornais sindicais e os órgãos que reuniam jornalistas e intelectuais, como o Jornal de Debates, entre outros, reagiram com expectativa, no início, e depois com forte condenação ao Plano Trienal. Iniciava-se com a restituição dos poderes presidenciais de governo o mais duro combate contra as forças reacionárias do país, sempre com apoio dos poderosos agentes externos das forças-tarefas do imperialismo. Jango jamais se acovardou, muito embora tivesse consciência da força dos inimigos internos e externos. Mesmo quando em visita aos EUA lhe mostraram a força bélica a serviço do combate ao comunismo e sua ameaça para o continente americano, ele não se sentiu intimidado. Aproximou-se mais ainda de sua base sindical e operária, cuja mais forte demonstração foi a de ter como conselheiro o bravo e leal líder sindicalista Clodesmidt Riani, que juntamente com Hércules Correa, liderança comunista, articularam o grande Comício da Central do Brasil no dia 13 de março de 1964. Neste evento foi lido também o decreto de encampação de refinarias petrolíferas particulares, além de um discurso dos mais lúcidos e determinados, sem arroubos meramente apelativos. Jango mostrou-se decidido. Antes, porém, todo o ano de 1963 foi grandemente ocupado para criar um ambiente que ao mesmo tempo mantivesse as forças populares mobilizadas tanto quanto possível, e por outro, intensificar as negociações para que as reformas fundamentais de seu programa não enfrentassem tantos obstáculos, como a Agrária, principalmente. Esta acabaria se restringindo a terras da União, às margens das rodovias nacionais sem, contudo, ferir os interesses do latifúndio. Seria um começo, que acabaria não se concretizando em razão do golpe de 64. A criação da CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura) e a formação do PUA (Pacto de Unidade e Ação), instrumentos que fortaleciam a base de apoio do governo Jango, traria novo alento diante das pressões que se faziam presentes no correr do mandato já com vistas às eleições do ano de 1965, que poderia alavancar a pauta reformista de maneira mais consequente. Para que isso pudesse acontecer era necessária uma ampla frente popular que alcançasse o eleitorado menos politizado, numa época em que o analfabeto não tinha direito ao voto. Daí, a ampliação da experiência bem-sucedida de Paulo Freire no Nordeste tornando-a um Programa nacional. Para isso, duas providências se impunham: um vasto programa de aumento do contingente eleitoral, que o PNA (Programa Nacional de Alfabetização) proporcionaria, e uma ação política mais decisiva no curso do programa das Reformas de Base, por sinal com alguma margem de aprovação por parte de parlamentares até da oposição, a despeito da correlação de forças ser em princípio desfavorável. Na primeira das providências, a alfabetização, é possível dizer que houve êxito. Mesmo com seu início relativamente tardio, ainda assim fez seus bons resultados. Foi pouco tempo, uma vez que durou mais de seis meses ate a sua real execução, mesmo assim, transformou-se em um legado deixado pelo entusiástico governo de Jango. *Doutor em História Social, conferencista honorário do Real Gabinete Português de Leitura, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

Artigo

Uma história repugnante

Artigo

Uma história repugnante
RED

De CID BENJAMIN* O leiloeiro Alberto Lopes anunciou em seu portal na internet um pregão online em que oferecerá, entre outros produtos, uma declaração com firma reconhecida em cartório, do militar da Aeronáutica Marco Aurélio de Carvalho dando detalhes sobre a tortura e a morte do preso político Stuart Edgar Angel Jones. Os episódios aconteceram em 15 de maio de 1971, na Base Aérea do Galeão. O pregão ocorrerá no dia 5 de abril próximo, a partir das 19h. O endereço do leiloeiro é Estrada Coronel Pedro Corrêa, 740 - sala 515, no bairro de Jacarepaguá, Rio de Janeiro. Diz o site do leiloeiro: “O documento contém duas páginas datilografadas, com assinatura do oficial reconhecido em cartório, na data de 30 de março de 1976. Trata-se de documento NÃO OFICIAL, particular, de livre e espontânea vontade do declarante. Excelente oportunidade para colecionismo e pesquisadores, sobre dos momentos mais sombrios e nebulosos da história do Brasil”. O site informa, ainda, que o lance mínimo inicial é de R$ 800. O militar Marco Aurélio Carvalho informa que serviu durante dois anos na Base Aérea, do Galeão, sendo oficial da “área de informações”. Diz que participou da prisão e do interrogatório de Stuart, que, ele afirma, foi pendurado no pau-de-arara e submetido a choques elétricos e afogamentos. Assim, Carvalho é réu confesso das torturas em Stuart. Ele afirma ainda que, depois disso, o preso foi levado ao pátio da base, amarrado ao para-choque de um jipe, sendo em seguida arrastado. No essencial, essas informações não são inéditas. A tortura e a morte de Stuart tinham sido denunciadas numa corajosa carta do ex-preso Alex Polari de Alverga, que conseguiu ver, por entre as grades da janela de sua cela no Galeão, o martírio de Stuart e seu sufocamento ao ter a boca colocada no cano de descarga do jipe. O episódio nos traz, porém, algumas reflexões sobre a Lei da Anistia e suas interpretações. É possível considerar que os crimes cometidos pelos assassinos como crimes conexos aos que Stuart era acusado (participar de uma organização clandestina que lutava contra a ditadura?) Ora “crime conexo” a um assalto a banco, por exemplo, é o roubo de um carro a ser usado no assalto. Assim, o crime maior incorpora, para efeito penal, o menor. Mas um torturador que, por hipótese, estupra uma presa política estará cometendo um “crime conexo” ao que teria sido cometido por ela? O absurdo dessa interpretação é patente. No entanto, ela tem sido aceita (até pelo STF!) para inocentar torturadores de presos políticos. Mais: é sabido que a anistia não foi estendida aos opositores da ditadura acusados de terem cometidos o que esta classificou de “crimes de sangue”. Assim, mesmo depois de a anistia ter sido aprovada, muitos presos políticos continuaram presos e só ganharam a liberdade com a revisão da Lei de Segurança Nacional, que permitiu aos advogados de defesa pedirem o recálculo das penas. Como, então, essa coisa de “crimes de sangue” não se estendeu aos crimes dos agentes da ditadura, permitindo que – além do absurdo da interpretação dos tais “crimes conexos” – eles tenham sido beneficiados com a anistia, mesmo tendo assassinado presos? Bom, dito isso, resta registrar minha repulsa pelo fato de que há gente (o próprio torturador, parentes seus ou o leiloeiro) querendo ganhar dinheiro com episódios desse tipo. É de dar asco. PS.: Minutos depois que a denúncia começou a circular, o leiloeiro retirou este item do pregão. *Jornalista. O artigo foi publicado na Revista Fórum. Foto de Stuart Angel: Divulgação Comissão Nacional da Verdade As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.  

Newsletter

Receba nossas publicações direto no seu email!

Newsletter

Receba nossas publicações direto no seu email!

Luiz Alberto Cassol fala sobre sua carreira – Estação Prata da casa
POLÊMICA SOBRE O NOVO ENSINO MÉDIO – Espaço Plural 22/03/2023
AO VIVO | Um espetáculo pela liberdade da mulher! – Espaço Plural 21/03/2023
AO VIVO | CATADORES NA PAUTA DO GOVERNO FEDERAL – Espaço Plural 20/03/2023
Conheça nossos programas
Choro nosso de cada dia Estação Sarau Voador Debate de Conjuntura Ciência Fácil Estação Prata da Casa Estação Gaia Espaço Plural, Debates e Entrevistas Berimbau não é gaita Bom dia, Democracia
Nossos parceiros
Política na Veia | 24 | Sergio Moro, Tacla Durán e Jair Bolsonaro retornam aos holofotes
52. CONVERSAS e CAFÉ com Raphael Alberti, sobre A espionagem durante a polarização no Governo Jango
Política na Veia | 21 | Aumento dos combustiveis: Lula herdou uma ‘bomba relógio’?
O Programa Quarta com Elas – Procuradorias da Mulher

Vídeos de Parceiros

Ver todos vídeos de parceiros >

X

Ouça nossa rádio ao vivo!

Ouça nossa
rádio ao vivo!

Ou baixe
nosso aplicativo!

X