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Meio Ambiente

Medidas para contenção de mudanças climáticas são insuficientes
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Relatório do IPCC propõe evitar emissão de gases efeito estufa Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), das Nações Unidas, divulgado nesta segunda-feira (20), aponta que o ritmo e a escala das medidas tomadas até agora, assim como os planos anuais, são insuficientes para lidar com as mudanças climáticas. O documento alerta que são necessárias medidas mais ambiciosas e mostra que, "se agirmos agora, ainda é possível garantir um futuro sustentável e habitável para todos". O IPCC foi criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Meio Ambiente) e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) em 1988. A proposta é fornecer avaliações científicas regulares sobre a mudança do clima, suas implicações e possíveis riscos futuros, além de propor opções de adaptação e mitigação. O painel tem 195 países membros, entre eles o Brasil. “Em 2018, o IPCC destacou a escala sem precedentes do desafio de limitar o aquecimento a 1,5 °C. Cinco anos depois, o desafio é ainda maior devido ao aumento constante das emissões de gases de efeito estufa”, aponta o relatório. Para se chegar a esse índice de 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, é necessário reduzir pela metade as emissões globais até 2030. “A queima de combustíveis fósseis e o uso desigual e insustentável de energia e terra por mais de um século causaram um aquecimento global de 1,1°C acima dos níveis pré-industriais. Como resultado, eventos climáticos extremos ocorreram mais frequentes e intensos que têm gerado impactos cada vez mais perigosos para a natureza e as pessoas em todas as regiões do mundo”, aponta o documento. Aditi Mukherji, uma das autoras do relatório de síntese, diretora do Instituto Internacional de Gestão da Água (IWMI, pela sigla em inglês), aponta que a justiça climática é crucial, pois aqueles que menos contribuíram para a mudança climática são afetados desproporcionalmente. Ao todo, 93 pessoas contribuíram com o documento. “Quase metade da população mundial vive em regiões altamente vulneráveis ​​às mudanças climáticas. Na última década, o número de mortes em decorrência de inundações, secas e tempestades foi 15 vezes maior em regiões altamente vulneráveis”, disse, em nota, Mukherji sobre o relatório. Para alcançar as metas de contenção das mudanças climáticas, o IPCC propõe ações que visam reduzir ou evitar a emissão de gases efeito estufa, como o acesso à energia e a tecnologias limpas, eletrificação de baixo carbono e estímulo ao transporte público. “Os benefícios econômicos para a saúde humana derivada apenas da melhoria da qualidade do ar seria aproximadamente a mesma, ou talvez até maior, do que os custos de reduzir ou evitar emissões.” Matéria publicada originalmente pela Agência Brasil. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil Para receber os boletins e notícias direto no seu Whatsapp, adicione o número da Rede Estação Democracia por este link aqui e mande um alô.

Politica

TSE pede acesso ao inquérito da minuta golpista; CPI no Senado sobre 08/01 não atinge mínimo de assinaturas
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O ministro Benedito Gonçalves, corregedor-geral da Justiça Eleitoral (TSE), pediu no domingo, 19, para ter acesso à perícia feita na minuta do golpe, documento que previa impedimento de apuração das eleições do ano passado. O pedido foi feito dentro da investigação do tribunal que apura possível crime eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro em reunião com embaixadores, em julho do ano passado. O documento foi encontrado na casa do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres.  O PDT pediu que a minuta fosse incluída por Gonçalves na ação de investigação judicial eleitoral (Aije). Para o ministro, pode haver relação entre a reunião com os embaixadores e o texto do documento. A perícia, realizada pela Polícia Federal (PF), buscou identificar as digitais de pessoas que tiveram acesso ao papel. Além do acesso, o Gonçalves pediu ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a inclusão do depoimento de Anderson Torres no inquérito que apura os atos antidemocráticos no dia 08 de janeiro. Pedido de CPI não tem assinaturas o suficiente O requerimento para abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os atos golpistas não teve o número mínimo de 27 assinaturas necessárias no Senado Federal, um terço da Casa. O pedido foi feito pela senadora Soraya Thronicke (União-MS), em janeiro. Na época, o requerimento recebeu 38 assinaturas. Porém, com a posse dos novos parlamentares, perdeu-se a validade. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pediu que os senadores confirmassem a assinatura até sexta-feira, 17. Dos 38, apenas 15 se mantiveram favoráveis a abertura da CPI. Com informações da Agência Brasil e do g1. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil Para receber os boletins e notícias direto no seu Whatsapp, adicione o número da Rede Estação Democracia por este link aqui e mande um alô.

Educação

Novo Ensino Médio prejudica acesso acesso dos estudantes ao Ensino Superior, afirma UNE
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De Congresso em Foco Criado em 2017 pela Lei 13.415, o Novo Ensino Médio (NEM) foi alvo de inúmeros protestos e mobilizações nesta semana por todo o país. As novas diretrizes de ensino são criticadas, principalmente, por não levarem em conta a situação das escolas públicas brasileiras, o que amplia as disparidades entre o ensino público e o privado, além de prejudicar o acesso dos alunos ao ensino superior. Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Bruna Brelaz afirma que é preciso abrir “novos diálogos” para se definir o futuro do ensino médio, mais alinhado aos interesses e realidade dos estudantes e do corpo docente. “O Novo Ensino Médio não está conectado ao século 21 e traz um aumento na desigualdade entre público e privado. Oferece um ensino técnico para os mais pobres e mais científico para os mais ricos”, afirmou Bruna ao Congresso em Foco. Um dos principais pontos do NEM é a flexibilização do que o estudante aprende na escola, formado por uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) — onde os alunos estudam matérias básicas como Português e Matemática — que é complementada por um itinerário composto por outras disciplinas com ênfases em áreas de linguagem, matemática, ciências da natureza, ciências humanas ou ensino técnico. No entanto, a oferta dessas outras matérias depende da disponibilidade de cada escola, o que exige recursos e equipe. “O NEM não prepara o aluno para entrar no ensino superior. Os estudantes têm dificuldade para acessar o itinerário completo. Às vezes, tem que mudar de escola, mudar de bairro, para conseguir estudar o que precisa. Os professores dentro desse NEM também tem um trabalho cada vez mais precarizado”, reforçou a presidente da UNE. A reforma do ensino médio não veio acompanhada por uma mudança na maneira que os estudantes são avaliados para entrar no ensino superior, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e vestibulares, que continuam apresentando questões multidisciplinares e de diversos assuntos, ao contrário do que é disponibilizado pelo NEM. Na avaliação de Bruna, esse é um dos pontos mais urgentes que precisam ser revistos nas novas diretrizes. A entidade estudantil também defende a revogação completa do NEM, para então um novo modelo ser construído conjuntamente entre governo, alunos e profissionais. O Ministério da Educação (MEC) abriu na semana passada uma consulta pública válida por 90 dias para avaliar e reestruturar a política nacional de ensino médio. A abertura do processo sinaliza que o governo pretende fazer um aperfeiçoamento no NEM, ao invés de seguir para uma revogação completa, como defende a UNE. Com a consulta, o MEC espera dialogar com a sociedade civil, a comunidade escolar, os profissionais do magistério, as equipes técnicas dos sistemas de ensino, os estudantes, os pesquisadores e os especialistas do campo da educação para tomar decisões quanto ao futuro do NEM. “Eu acho que tem condições da gente fazer uma boa conversa com o MEC. Nesse primeiro ano, o foco é diminuir algumas crises que acontecem nas escolas”, destacou Bruna. “A gente deve resolver as pautas emergenciais e dar esse próximo passo para construir a viabilidade de revogação. Essa deve ser uma pauta nossa para que o MEC entenda que a reforma da reforma não vai resolver o problema”, concluiu. Em nota, o MEC afirmou que qualquer tomada de decisão e reavaliação quanto ao Novo Ensino Médio terá como base o “diálogo amplo e democrático” e que a prioridade é a oferta de um “ensino médio público de qualidade”. O ministério reforçou o papel da consulta pública aberta na semana passada, destacando o objetivo de “ampliar e qualificar o debate público”. O ministério também informou que editará uma portaria para recompor o Fundo Nacional da Educação (FNE), reintegrando as entidades e movimentos populares nos processos de discussão, inclusive no que envolve o NEM. “O MEC segue aberto ao debate com estudantes, comunidade escolar, profissionais do magistério, equipes técnicas dos sistemas de ensino, pesquisadores, especialistas do campo da educação e toda a sociedade”, destacou o ministério. Por Caio Matos Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil Para receber os boletins e notícias direto no seu Whatsapp, adicione o número da Rede Estação Democracia por este link aqui e mande um alô.


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O TPI e o mandado de prisão de Bolsonaro

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O TPI e o mandado de prisão de Bolsonaro
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De JEFERSON MIOLA* O Tribunal Penal Internacional [TPI] emitiu mandado de prisão do presidente russo Vladimir Putin sob alegação da prática de crimes de guerra e contra a humanidade. Putin foi enquadrado no artigo 5 do Estatuto de Roma, norma da ONU aprovada em 17 de julho de 1998 na Conferência Diplomática das Nações Unidas que instituiu o TPI. O TPI é um tribunal permanente de justiça internacional com sede em Haia, na Holanda, com jurisdição para investigar, julgar e condenar indivíduos acusados de crimes considerados internacionais: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão. Como, no entanto, a Rússia não é signatária do Estatuto de Roma, na prática esta decisão do TPI tem efeito mais simbólico e político-propagandístico do que concreto, pois o Tribunal somente pode atuar quando o indivíduo acusado pertence a um país submetido à sua jurisdição; ou seja, quando é um nacional de um país que aderiu ao Estatuto de Roma. A iniciativa do TPI em relação ao presidente Vladimir Putin, mesmo assim, serve de alento à sociedade brasileira, que pode – e deve – insistir nas demandas apresentadas ao Tribunal em relação a Jair Bolsonaro. O genocida brasileiro foi denunciado em vários processos por genocídio e crimes contra a humanidade que, todavia, não prosperaram no âmbito do TPI. Depois da célere decisão do TPI sobre Putin, seria contraditório o Tribunal não acelerar, também, a análise das denúncias contra Bolsonaro, uma vez que ele é denunciado por infringir o mesmo artigo 5 do Estatuto de Roma usado no enquadramento de Putin. Diferentemente da Rússia, porém, o Brasil é signatário do Estatuto de Roma, que foi assinado em 7 de fevereiro de 2000 e ratificado em 20 de junho de 2002, com o que esta norma internacional integra a legislação brasileira; faz parte do ordenamento jurídico nacional. Neste sentido, o julgamento de Bolsonaro pelo TPI estaria dentro das normas legais, e com certeza contaria com a facilitação das instituições nacionais para sua concretização. O TPI bem que poderia emprestar a mesma determinação e a mesma celeridade empregadas contra Putin para se pronunciar com urgência sobre as denúncias contra Bolsonaro, sobretudo depois da revelação do bárbaro extermínio do povo Yanomami. O TPI demonstrou, no caso Putin, que quando tem vontade e, em especial, forte motivação política, age com rigor. As organizações internacionais e brasileiras comprometidas com os direitos humanos e com o julgamento dos crimes de genocídio e contra a humanidade cometidos por Bolsonaro e outros membros do governo fascista-militar devem aproveitar a vontade política demonstrada pelo TPI e pressionar pela investigação, julgamento e condenação dos genocidas brasileiros em Haia. O julgamento de Bolsonaro pelo cometimento dos crimes internacionais sob jurisdição do TPI é de interesse mundial, pois a extrema-direita por ele liderada, que professa ideias fascistas e racistas que violam o direito internacional, é uma peça fundamental da engrenagem fascista internacional. A decisão do TPI que é inócua para Putin vale, porém, para Bolsonaro e para delinquentes civis e fardados do governo fascista-militar. Eles precisam responder nos tribunais nacionais e internacionais pelo genocídio do povo Yanomami e pela prática de outros crimes contra a humanidade perpetrados contra o povo brasileiro no período de 2019 a 2022. É chegada a hora do TPI expedir o mandado de prisão do Bolsonaro e toda camarilha genocida. *Analista político. Artigo publicado originalmente no blog do autor. Ilustração: Aroeira / As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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Rui Facó, o intérprete do Brasil Profundo

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Rui Facó, o intérprete do Brasil Profundo
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De LINCOLN PENNA* É na economia política que convém procurar a anatomia da sociedade civil. (K. Marx. Prefácio Para a Crítica da Economia Política).   Há sessenta anos morreu Rui Facó. Escritor talentoso, intelectual pertencente a uma geração que subsidiou o Partido Comunista do Brasil e autor de uma obra genial intitulada Cangaceiros e Fanáticos: gênese e lutas, na qual sustenta que ao sertanejo pobre e oprimido só resta a escolha entre o cangaço e o messianismo. Essa situação foi muito bem sublinhada por Carlos Alberto Dória, em seu artigo “O Nordeste: `Problema Nacional` para a esquerda”, que faz parte do livro História do Marxismo no Brasil coordenado por João Quartim de Moraes e Marcos Del Roio e publicado pela Unicamp. A exemplo de Nelson Werneck Sodré, Alberto Passos Guimaraes, Caio Prado Junior e tantos outros estudiosos da realidade brasileira em meados do século XX, a presença do latifúndio responde pela miséria no campo, pela seca crônica da região nordeste, em especial, e esses intérpretes entendiam ser essa a razão que impunha a essas populações a saída da região em direção ao Sul e Sudeste. Aos que permaneciam, a alternativa era uma dessas formas de inserção apontada acima, isto, tornarem-se cangaceiros ou aderirem ao misticismo. Em ambas as formas procuravam se desvencilhar da opressão que se encontra presente em suas vidas uma componente insurgente, capaz de potencialmente enveredar para confrontos em face das estruturas que os oprimem. Como se sabe, desde a “lei das terras”. De 1850, a posse foi banida praticamente dos costumes de apropriação nas chamadas terras devolutas, ou seja, da União. Logo de ninguém. A partir dessa data, somente a compra daria lugar ao título de propriedade fundiária. Era, então, a primeira manifestação da internalização do capitalismo no campo. Todavia, os latifundiários, através da grilagem, passaram a incorporar essas terras, uma vez que pela via legal a tal lei se tornava praticamente inócua, uma vez que somente quem tinha condições poderia adquiri-las. Assim, os latifundiarios lançavam mão de expedientes extralegais para se apropriaram de modo a expandir as suas grandes propriedades rurais, grande parte delas improdutivos como sói a acontecer com as terras do latifúndio. Portanto, com a introdução do capital como meio de aquisição de terras, quem não possuía renda estava cexcluído a partir da implantação da tal lei. Facó associa em seu livro o fanatismo à ação dos cangaceiros, cuja recepção nas elites letradas levou a duas situações quanto a interpretação. Primeiro, que o fanatismo tal como ficou conhecido era uma forma de desqualificar a luta de resistência sertaneja, empregada de maneira preconceituosa, como ocorrera com o episódio de Antônio Conselheiro, em Canudos, no final do século XIX. Ou da mesma forma que a ditadura anos depois passaria a denominar de terroristas os militantes que se empenhavam em derrubar o regime militar e empresarial de 1964, seja pela via do confronto armado ou não. A outra coisa, ou observação, é a de que mais do que fanatizados essa gente pobre, explorada e excluída de toda e qualquer assistência por parte do estado. Era muita mais vítima de um sistema social dos mais perversos, que de costume acaba por ser naturalizado como algo derivado do destino. O misticismo é quase sempre o resultado gerado por um inconformismo diante de uma sensação de impotência estimulada pelos próprios opressores dentro dessa lógica da suposta loteria da vida. Costumo para isso lembrar sempre que posso os ensinamentos de Marx em “Sobre a questão judaica”, quando se refere à religiosidade. Diz Marx: “A miséria religiosa é a expressão da miséria real e ao mesmo tempo o protesto contra a miséria real. A religião é o gemido da criatura oprimida, a alma de um mundo sem coração, assim como o espírito de uma situação sem espírito” E conclui: “Ela é o ópio do povo”. Como amparo é tão ilusória a religião quanto ilusória é a possibilidade de alcançar uma felicidade sem remover tudo que impede a verdadeira libertação de quem é oprimido. Facó faleceu em 15 de março de 1963, em um momento em que vivíamos tempos de esperança. Já tinha se passado, então, três meses que o presidente João Goulart havia recuperado as suas prerrogativas presidenciais com o plebiscito realizado em janeiro daquele ano, que restaurou o sistema presidencialista. Os periódicos de esquerda, inclusive os comunistas, circulavam livremente, e dois dias antes tinha ocorrido o Comício da Central do Brasil no qual foi lido o decreto de Reforma Agrária e tambem do decreto que encampava as refinarias petrolíferas particulares. Muito embora o clima de tensão não estivesse ausente, parecia a todos nós que o futuro estava chegando, finalmente. A morte de Facó ofuscou o pensamento crítico e libertário brasileiro. No momento em que se busca resgatar os nomes que pensaram a realidade brasileira e fundamentaram a via da revolução, com base no conhecimento dessa realidade, o nome de Rui Facó não deve ser esquecido. Seja pelo valor de seu trabalho como pensador marxista, ou pela determinação que infelizmente o levou a nos deixar muito cedo, sem que completasse os seus cinquenta nos de idade. Fica, porém, a certeza de que sua vida relativamente curta foi, no entanto, valiosa pela riqueza de suas contribuições. A releitura de sua obra é uma das inúmeras imposições àqueles que desejam realmente pensar nos processos de transformação de que o Brasil está a precisar. Nascido em Beberibe, Ceará, em 4 de outubro de 1913, sua morte se deu na Cordilheira dos Andes, em 15 de março de 1963. *Doutor em História Social, conferencista honorário do Real Gabinete Português de Leitura, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Imagem considerada "oficial" de Rui Facó que circula pela internet. As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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TEXTO 10: Senza paura – sem medo (de ser feliz)

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TEXTO 10: Senza paura – sem medo (de ser feliz)
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De ADELI SELL* E la mamma dice "chiamo l'uomo nero Chiamo il babau ti mangia tutto intero Nella notte scura ti fa la puntura Ti fa la puntura ti fa la puntura"   Esta parte da letra de Ornella Vanoni hoje seria CANCELADA. Vinícius gravou com adaptação de letra... lembram “boi da cara preta”? Seria algo como, em tradução livre: A mamãe diz “chamo o homem preto Chamou o uau uau (cão) para te comer inteiro Na noite escura te faço uma injeção Te faço uma injeção, te faço uma injeção. Medo! A música é Senza Paura – Sem Medo. Mas mete medo. Mete medo ter que ver e escutar as resistências em aceitar erros por aqui. Pior, os Inomináveis continuam em ação. Os direitistas continuam a praticar crimes. Veja a “patriota” de Bento Gonçalves que teima em atacar, mentir, caluniar. É um áudio que circula por aí. Não entrarei em mais detalhes pois não reproduzo coisas de terroristas de extrema direita. Um pessoal fez uma postagem sobre uma reclamação do século 17 acerca da pressão que sofriam os indígenas, povos originários, por parte dos colonizadores locais e padres catequizadores sobre o plantio e moenda da erva mate. Li, com pavor, com medo, os ataques não só à postagem, mas aos indígenas, aos que cobram alguma coisa em relação à escravidão contemporânea na Serra. Uma disse que “queriam que os “índios (sic) tivessem wi fi”? É como o vereador que falou: “de certo querem um hotel cinco estrelas”. Tudo vinho (avinagrado) da mesma pipa (imunda). Vocês (estes que falam assim, estes direitistas) me envergonham. Já apelamos ao padroeiro Santo Antônio e indicamos falar com ele, ajoelhados. Nada parece adiantar. Vocês vão ao Santuário, como robôs, para pedir o “fim do comunismo” ou pedir perdão pelos “gringo” escravizadores? Vamos ter que pedir às entidades das religiões afros. Comecemos com Xangô: Orixá considerado deus da justiça, dos raios, dos trovões e do fogo, além de ser conhecido como protetor dos intelectuais. Quem sabe juntos Santo Antônio, Xangô e a Constituição Federal possam nos ajudar. “Meu Pai me ensina a pensar, a escolher a justiça, a não lutar se não for importante. Meu pai é Xangô!” E se não adiantar com entes religiosos, respeitando quem crê e quem não crê; não podemos fugir da LEI. Art. 5º: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)” Se vocês foram ou ficaram amedrontados, não podem se rebaixarem a ser avestruzes. Ho paura che dobbiamo abbandonarlo anche noi. (Os medos que temos, até nós deveríamos abandonaá-los”.). Levantem suas cabeças e sem nariz empinado (da meritocracia), enfrentem “a vida como ela é”, para lembrar o grande Nelson Rodrigues: afinal, “toda nudez será castigada”, porque vocês estão nus, pelados, diante da Humanidade. Levantem suas cabeças, pois como citei, está rodando um vídeo de uma senhora senza paura – sem vergonha na cara, melhor dizendo – que ataca os outros pelos erros e atos inconcebíveis cometidos. Para lembrar. Memória é tudo. Contra o Esquecimento: É PRECISO AGIR Bertold Brecht (1898-1956) Primeiro levaram os negros Mas não me importei com isso Eu não era negro Em seguida levaram alguns operários Mas não me importei com isso Eu também não era operário Depois prenderam os miseráveis Mas não me importei com isso Porque eu não sou miserável Depois agarraram uns desempregados Mas como tenho meu emprego Também não me importei Agora estão me levando Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém Ninguém se importa comigo Sempre houve quem se importasse com vocês: - governo imperial vos deus as terras; - Júlio de Castilhos deu a primeira ajuda para os plantios e melhorias na uva; -Borges e Carlos Barbosa fizeram a ferrovia; - a Embrapa fez as pesquisas em tudo. Como já descrevi: vocês foram ajudados em vossas vidas: ganharam terras há 150 anos, enquanto milhões ainda vivem Sem Terra. Vocês foram ajudados por (quase) todos os governos. Em especial pelo Getúlio – o bombachudo de São Borja - que vocês devem ainda achar comunista por causa das leis trabalhistas, pelo PT que vocês tem MEDO DE LASCAR – PAURA, PAURA, PAURA – de ser comunista “comedor de criancinha”, mas que fez o Instituto Federal e tantas outas coisas por aí. Sei que dá medo, uma PAURA danada, saber que vocês não viram gente comendo comida estragada, morando numa espelunca, trabalhando feitos bois de canga, porretes/cassetetes (que não era um cabo de vassoura largado ali), spray de pimenta. Para quem vocês pensam em vender agora vosso VINHO CANÔNICO? Vocês vão culpar a CNBB, como faz a Revista Oeste, este lixo eletrônico. Ou vocês pensam em mudar os rótulos, colocar outra marca, inventar uma empresa laranja e tocar o barco? La nave (non) vá... Vocês podem até baixar os preços, fazer promoções, encantar pessoas com menor poder aquisitivo, algumas que até nem se tocam com marcas, mas o boicote vai doer no bolso de vocês. Vai doer no bolso de vocês, talvez isto vocês vão começar a entender... Depois de duas semanas vocês não amoleceram vossos corações, nem abriram vossas mentes, logo tem que CANCELAR e BOICOTAR. No último dia 8 de março – Dia Internacional da Mulher - o Procurador feral do Trabalho em reunião com o governador Eduardo Leite disse: "Toda responsabilidade" é das vinícolas. “ Elas são donas da atividade econômica. A responsabilidade tem que ser não só de fazer seu trabalho mas de fiscalizar aquelas empresas que contrata. Temos que lembrar que a responsabilidade das empresas quando contratam é muito grande. Se essa empresa terceirizada não pagar, essas empresas terão sim que fazer o pagamento", insistiu. Ou seja, como disse no primeiro texto: “dilligenza dovuta”, diligência prévia e devida, “due dilligence” é com as vinícolas. Vocês colocam no “sitio eletrônico” que cumprem a lei, mas no “sítio real” praticam o contrário. Ou não é verdade? E tem duas entidades que querem aplicação do artigo 243 e seu parágrafo único da Constituição da República, com a didática e necessária EXPROPRIAÇÃO das terras em que se verificou a existência de trabalho escravo, bem como o CONFISCO de todo e qualquer bem que possa ser havido em decorrência da exploração do trabalho escravo, a serem revertidos para fins de reforma agrária ou a fundo com destinação específica. Quem sabe vocês aceitem nossa dica de um PACTO CIVILIZATÓRIO e assinem um ACORDO interpartes? Vocês, mais dia menos dia, vão ser questionados pelos vizinhos decentes que vão perder visitantes, turistas e compradores. Vocês estão se isolando do mundo civilizado e se adentrando mais e mais na barbárie. *Escritor, professor e bacharel em Direito. Este artigo é o décimo e último da série “Dossiê Bento Gonçalves”, composta por 10 artigos inéditos de Adeli Sell que foram publicados nos últimos dias. As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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Contribuições e confusões de David Graeber

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Contribuições e confusões de David Graeber
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De CARLOS ÁGUEDO PAIVA* One of David’s books is titled Possibilities. It is an apt description of all his work. It is an even better title for his life. Offering unimagined possibilities of freedom was his gift to us. Marshall Sahlins, David Graeber 1961-2020, The New York Review   David Graeber: um herói do nosso tempo Para a tristeza de todos, David Graeber faleceu há dois anos atrás com apenas 59 anos de idade, no auge de sua produtividade teórica. Enquanto influência e referência intelectual, contudo, ele está mais vivo do que nunca. Seus livros e ensaios estão sendo lidos, citados e comentados como nunca foram antes. Nos últimos anos, ele se consagrou como aquele autor que nenhum cientista social pode deixar de ler. O que não é gratuito. David Graeber não foi apenas um dos mais ricos, originais e produtivos intelectuais do final do século XX e das primeiras duas décadas do século XXI. Ele foi um autor que alcançou mobilizar sua inesgotável curiosidade e capacidade produtiva como uma arma política potente no desmascaramento do caráter ideológico do evolucionismo, do economicismo e do discurso neoliberal, que hegemonizou corações e mentes nas últimas décadas. Seja com suas investigações sobre as distintas formas e instrumentos de intercâmbio ao longo da história (Dívida: os primeiros 5 mil anos), seja com suas pesquisas sobre a longa transição do paleolítico para o neolítico e sobre padrões democráticos e não especificamente estatais de gestão das cidades emergentes neste mesmo período (O despertar de tudo: uma nova história da humanidade; escrito em parceria com o arqueólogo David Wengrow), Graeber impôs um duro golpe em todos os modelos pretensamente consolidados de “ordenamento histórico”. Especialmente em seu trabalho com Wengrow, Graeber procura demonstrar, a partir do resgate e sistematização de um amplo conjunto de pesquisas antropológicas e arqueológicas recentes, que a história dos diversos grupamentos humanos após a última grande glaciação é irredutível ao padrão evolucionista: “de bandos para as tribos; das tribos para as chefaturas; das chefaturas para o Estado”. Ainda mais importante: a crítica de Graeber e Wengrow a este (pretenso) padrão de evolução está baseada na demonstração de que diversos grupos sociais que alcançaram se organizar de forma mais complexa – e, pretensamente, mais “evoluída” - realizaram inflexões de percurso, na medida em que foram sendo evidenciados os custos associados à emergência da estratificação social e da desigualdade de poder político e econômico entre os membros da comunidade. Neste processo, Graeber e Wengrow revalorizam a história oral e os mitos das civilizações ágrafas e impõem o questionamento da própria divisão tradicional entre História e Pré-História. Mas, do nosso ponto de vista, o elemento efetivamente revolucionário dos trabalhos de Graeber encontra-se naquele aspecto apontado por Marshall Sahlins na epígrafe que abre este texto: a retomada das “possibilidades”. Graeber tem um espírito romântico e sua produção teórica carrega um sabor de século XIX, o século da esperança nas possibilidades de homens e mulheres construírem o seu futuro a partir de projetos e opções conscientes. Neste sentido, há algo de hegeliano e marxista em Graeber: ele resgata a tese destes autores de que há História em sentido rigoroso: no sentido de transformações sujeitas a decisões conscientes de coletivos humanos organizados. Após décadas de hegemonia dos teóricos do fim da história – sejam liberais e otimistas, como Fukuyama; sejam os algo niilistas pós-modernos com suas incontáveis críticas às metanarrativas e aos programas messiânicos de emancipação – os trabalhos e pesquisas de David Graeber representam um alento, um novo sopro de esperança. Num certo sentido, podemos dizer que Graeber foi o mais radical dos intelectuais contemporâneos, capaz de unir uma produção teórico-científica rigorosa e inovadora com uma militância política diuturna pela transformação social. Este, na verdade, é o ponto: Graeber resgatou os ventos da revolução, unindo subversão teórico-científica a distintos projetos de transformação social. Não obstante, ousamos pretender que, se a praxis teórico-política de Graeber comporta algo de “marxismo” (no sentido mais amplo e não rigoroso do termo), sua compreensão da obra do grande pensador alemão deixa bastante a desejar. Na verdade, não só a compreensão de Marx, mas de diversos outros autores com os quais Graeber busca dialogar. E isto não é gratuito. Desde logo, o caráter extraordinariamente ambicioso do seu projeto de pesquisa – a produção de uma nova História da Humanidade – o obriga a borrar as fronteiras (essencialmente artificiais, diga-se de passagem) entre as diversas Ciências Sociais e lidar com um conjunto tão amplo e diversificado de autores e temas que seria humanamente impossível conquistar um domínio profundo dos mesmos. Além disso, a despeito de sua contribuição para o resgate da utopia e do projeto histórico - e, por extensão, para a crítica do niilismo pós-moderno -, Graeber não deixa de ser filho do desconstrutivismo que emerge na esteira do pós-68. Parte da iconoclastia de Graeber se alimenta da crítica feroz (e algo desrespeitosa) do pós-modernismo a todos os “sistemas, metanarrativas e projetos utópico-ideológicos milenaristas”. Em suma: há que entender e ter tolerância com passagens e afirmações de Graeber em que a pretensão de estar fazendo terra arrasada de construções teóricas consolidadas se baseiam, de fato, numa compreensão parcial e limitada destas construções. Mas tolerar não implica deixar de perceber e criticar este problema. Observemo-lo mais de perto. Graeber e “A Nova História Econômica” O seu trabalho sobre a Dívida é monumental, e é difícil apontar um único foco ou contribuição central. Mas se nos víssemos obrigados a fazê-lo, diríamos que este foco se encontra na crítica do “mito do escambo” e na demonstração de que os processos de intercâmbio prévios à emergência da moeda cunhada (ou em períodos em que esta última perde expressão e circulação, como na Idade Média) estavam baseados em relações de crédito e débito e, por extensão, em relações que, de alguma forma, envolviam fidúcia, confiança e solidariedade. Perfeito. Ao trazer este ponto à luz com toda a clareza, Graeber dá, sem dúvida, uma contribuição importante à historiografia econômica. O grande problema é que, ao invés de extrair desta contribuição a derivação necessária – vale dizer, de que as sociedades pré-capitalistas onde prevalecia o (que Graeber chama de) “dinheiro de crédito” não são sociedades especificamente mercantis, Graeber vai na direção diametralmente oposta. E conclui que, por oposição ao capital, mercado, mercadoria e dinheiro são categoria presentes há milênios nas mais diversas formações históricas. Donde se conclui que, se pode haver dinheiro sem capital, este último não é um desenvolvimento necessário do primeiro. Na verdade, em Graeber não há qualquer relação direta entre “mercado & dinheiro” e “capital & capitalismo”. Esta tese encontra-se em praticamente todo o seu livro sobre a dívida, mas emerge de forma particularmente clara no décimo capítulo – A Idade Média (600 DC – 1450 DC). Para que possamos entender seus argumentos é preciso definir a “Idade Média” de Graeber. Este é um período universal, comum a todas as sociedades eurasianas, cuja identidade e peculiaridade se encontra na oposição com a “Idade Axial”, que a precede. Esta última é a “idade da revelação” filosófico-religiosa na Eurásia. Ela é aberta por Zoroastro e encerrada por Maomé, e permeada por Buda, Mahavira, Confúcio, Sócrates, Platão, Aristóteles, Mêncio, Jesus Cristo, São Paulo, Ário e Santo Agostinho (dentre outros). Segundo Graeber, esta verdadeira explosão intelectual da Idade Axial estaria baseada na aceleração, aprofundamento e ampliação do escopo geográfico das trocas culturais e econômicas no período. As quais, por sua vez, seriam indissociáveis de um estado de beligerância virtualmente permanente levado à frente por um novo tipo de exército “composto, tanto na China, na Índia e no Egeu, não de aristocratas e seus serviçais, mas de profissionais treinados para o combate” (Graeber, 2016, p. 289). A sustentação destes exércitos profissionais em campanhas militares arriscadas e distantes de seus territórios de origem leva, por sua vez, ao desenvolvimento do dinheiro metálico e à cunhagem. Que – num movimento de retroalimentação – leva à expansão das trocas econômicas e à mercantilização crescente da produção. Por oposição ao período Axial, a Idade Média “Eurasiana” teria se caracterizado, ou pela retração dos grandes impérios (como no caso do Império Romano do Ocidente) ou pela estabilização dos mesmos (como no caso das dinastias Tang e Song, na China). Em qualquer dos dois casos, na percepção de Graeber, o estado de beligerância anterior, ou é posto sob controle (como na China), ou deixa de ser organizado a partir de grandes exércitos profissionais remunerados com dinheiro em espécie (como na Europa feudal). O desdobramento disto é a perda de expressão do dinheiro metálico e o retorno, ao primeiro plano, do dinheiro de crédito. Este processo é indissociável de uma relativa depressão das trocas econômicas e culturais de longa distância e ao aprofundamento das trocas econômicas e culturais intra-civilizacionais, representadas, de um lado, pela emergência de feiras e sistemas de crédito bancário que abarcam toda a Europa, todo o Islã e a maior parte da China e da Índia, mas que (malgrado exceções) são circunscritos a estes territórios e, de outro lado, pela emergência de instituições Universitárias voltadas ao resgate, estudo sistemático e interpretação dos clássicos. É esta caracterização da Idade Média por parte de Graeber que lhe permite afirmar que, ao contrário do que usualmente se pensa, a Europa não atinge a Idade Média precocemente, mas com “grande atraso”, por volta dos séculos XII e XIII (Graeber, 2016, p. 376). Alguém poderia ver nesta proposta de cronologia de Graeber um viés economicista, em que os diversos períodos da humanidade são definidos primordialmente pela forma de dinheiro em circulação: a “Idade Axial” corresponderia à emergência e prevalência do dinheiro metálico, enquanto a “Idade Média” seria definida pela retomada do “dinheiro de crédito”. Mas esta crítica se assenta sobre um equívoco. O problema de Graeber é justamente o oposto: a desvalorização relativa dos elementos econômicos. Para ele, as diferenças entre as Idades Axial e Média não poderiam se encontrar na forma do dinheiro pois, seja como metal, seja como crédito, seu conteúdo é o mesmo: ser dinheiro. Mercados e dinheiro existem sempre. Apenas com abrangências e formas distintas. É esta perspectiva que lhe permite afirmar, nas distintas seções do capítulo sobre a Idade Média, que “... os confucionistas eram pró-mercado, mas anticapitalistas. Mais uma vez, isso parece estranho, pois estamos acostumados a assumir que o capitalismo e mercados são a mesma coisa, mas, como afirmou o historiador francês Fernand Braudel, em muitos aspectos eles podiam ser igualmente concebidos como opostos. Enquanto os mercados são formas de trocar produtos através do dinheiro.... (na abreviação econômica, M – D – M’, mercadoria – dinheiro – outra mercadoria), o capitalismo para Braudel é, antes de tudo, a arte de usar o dinheiro para obter mais dinheiro: D – M – D’. (Graeber, 2016, p. 322; grifos meus) E, logo adiante, na seção sobre o Oriente Médio, que “as classes mercantis do Oriente Médio Medieval levaram a cabo um feito extraordinário. Ao abandonarem as práticas usurárias que as tornaram tão detestáveis aos olhos dos vizinhos durante incontáveis séculos, elas conseguiram se tornar – junto com os mestres religiosos – os líderes efetivos de suas comunidades ..... A propagação do Islã permitiu que o mercado se tornasse um fenômeno global, quase sempre independente dos governos, funcionando de acordo com suas leis internas. Mas o próprio fato de esse mercado ... ser genuinamente livre, e não criado pelo governo e mantido por meio da força policial e de prisões – um mundo de acordos selados com apertos de mão e promessas assinadas em papel, mas garantidas somente pela integridade do signatário - fez com que ele nunca tenha sido de fato o mundo imaginado por aqueles que, posteriormente, adotaram muito das mesmas ideias e argumentos: um mundo de indivíduos puramente mercenários disputando vantagens materiais a qualquer custo. (Graeber, 2016, p. 358; grifos meus) O mais interessante é que Graeber maneja com desenvoltura um volume extraordinário de dados e pesquisas históricas e conta entre suas referências teóricas com autores que – como Karl Polanyi e, até certo ponto, o próprio Marx – poderiam ter sido mobilizados para a compreensão de que há uma diferença abissal entre os “mercados” (e as formas de dinheiro) antigos e o sistema de mercado (e a forma de dinheiro que lhe é consistente) que emerge na Europa na transição do feudalismo para o capitalismo. Tomemos como ponto de partida a relação devidamente apontada por Graeber entre dinheiro metálico, transações econômicas com estrangeiros e guerra de conquista. Para Graeber (e para Marx, que é citado pelo primeiro), o dinheiro metálico é a única forma de transação possível entre agentes reciprocamente estranhos e carentes de qualquer laço de fidúcia, solidariedade e/ou hierarquia. Por oposição, o dinheiro de crédito pré-capitalista é aquele que está baseado, ou em relações de fidúcia e solidariedade (como nos contratos entre mercadores muçulmanos, “garantidas somente pela integridade do signatário”) ou por relações de hierarquia e controle (como os contratos firmados entre proprietários e trabalhadores e/ou por organizações religiosas e camponeses nas cidades antigas do Oriente Médio). Ora, estas relações de fidúcia e/ou hierarquia não são relações especificamente mercantis. Graeber diz a mesma coisa (ainda que em outros termos) sempre que afirma (corretamente) que a “economia”, seja enquanto espaço de sociabilidade específico e diferenciado, seja enquanto objeto de investigação científica, é uma construção da modernidade. Sem dúvida! Apenas acrescentamos nós: não é uma construção da mente. É uma construção do peculiar mercado moderno. Quando Marx fala de mercado, mercadoria e dinheiro ele se refere exclusivamente à sua forma moderna. É possível empregar estes mesmos termos em sentido distinto? Evidentemente, sim. Mas se queremos estabelecer uma relação dialógica construtiva, então é preciso partir do reconhecimento das diferenças. Algo que Graeber não faz. Aparentemente, por não se dar conta das mesmas. Do meu ponto de vista, o que falta a Graeber (para além do pleno domínio das categorias básicas da crítica marxiana da Economia Política) é um elo histórico fundamental que está na base da leitura de Marx sobre a emergência das relações especificamente mercantis no interior da sociedade europeia na crise do feudalismo. A questão de Marx é: como foi possível que um padrão de intercâmbio que só se manifestava esporadicamente nas fronteiras da sociedade, nas relações entre “estranhos” sempre no limite da beligerância, tenha se tornado o padrão recorrente e normal de intercâmbio interno, realizado entre “iguais”. A resposta a esta questão encontra-se dispersa nos mais diversos trabalhos de Marx, mas há uma passagem nas Formen que é particularmente esclarecedora. “A história antiga clássica é a história das cidades, porém de cidades baseadas na propriedade da terra e na agricultura; a história asiática é uma espécie de unidade indiferenciada de cidade e campo (a grande cidade, propriamente dita, deve ser considerada como um acampamento dos príncipes, superposto à verdadeira estrutura econômica); a Idade Média (período germânico) começa com o campo como cenário da história, cujo ulterior desenvolvimento ocorre, então, através da oposição entre cidade e campo; a (história) moderna consiste na urbanização do campo e não, como entre os antigos, na ruralização da cidade. (Marx, 1981, p. 74)” Vale dizer: para Marx, a peculiar emergência de relações especificamente mercantis “internas” é indissociável da “oposição” entre cidade e campo, na transição do feudalismo europeu para o capitalismo. Neste período, não há, nem solidariedade e confiança, nem subordinação e autoridade, entre cidade e campo. Tal como Marx explica ao longo das Formen, pela primeira vez na história da humanidade a divisão do trabalho impõe a emergência de relações de intercâmbio especificamente mercantis (ou, se se quiser, nos termos de Graeber, “puramente econômicas”) entre produtores urbanos e rurais. A troca é impositiva para os agentes urbanos, pois não há como produzir na cidade os alimentos e as matérias-primas nos volumes necessários à reprodução material das mesmas. Mas a troca não é impositiva para os produtores rurais independentes (vale dizer, para os camponeses livres após o fim da servidão). Pelo contrário: em territórios setentrionais, com invernos longos e rigorosos, a sazonalidade da produção rural estimula a emergência de sistemas de produção autárquicos, voltados à produção para o autoconsumo. Inclusive de bens tipicamente “urbanos”, como vestuário, calçados, móveis, etc. E não existe qualquer relação de autoridade entre artesãos e camponeses. Nem qualquer agente público ou sistema de organização social capaz de articular (e impor) o processo de intercâmbio entre (o novo) campo e (a nova) cidade. Para ir no ponto: os artesãos urbanos só alcançarão enfrentar as tendências autarquizantes da nova economia camponesa através: 1) da contínua melhoria da qualidade de seus produtos; 2) da sistemática depressão de seus preços; e – last but not least – 3) pela aquisição dos bens agrícolas com pagamento a vista em dinheiro sonante. Tal como nas relações de troca entre “estrangeiros” no mundo antigo, as relações de troca entre produtores independentes urbanos e rurais na crise da ordem feudal não estavam baseadas em relações de confiança ou autoridade e não tinham como pressuposto qualquer continuidade. Cada intercâmbio é uma “conquista”; tão mais fácil de ser obtida quanto menos arriscada e mais atraente a transação for para o vendedor. E nada deprime tanto os riscos e atrai tanto o potencial vendedor do que o encerramento imediato de cada transação pelo pagamento em espécie, em dinheiro-mercadoria. É por perceber a particularidade histórica do padrão de intercâmbio local que emerge na Europa por volta dos séculos XIII e XIV (justo o momento em que Graeber vê o continente ingressando tardiamente na Idade Média) que Marx escreve nos Grundrise: “é tão piedoso quanto tolo desejar que o valor de troca não se desenvolva em capital, ou que o trabalho produtor de valor de troca não se desenvolva em trabalho assalariado” (Marx, 2011, p. 191). Esta passagem se encontra numa seção dedicada à crítica de Proudhon. Mas, como veremos, cabe perfeitamente bem como crítica a Graeber. Mercado, capitalismo e o desenvolvimento contraditório da igualdade O primeiro capítulo de O Despertar de Tudo tem como subtítulo porque este não é um livro sobre as origens da desigualdade. A resposta a esta pergunta só vai ser dada ao longo de todo o livro. Creio, porém, que cabe um spoiler: Graeber e Wengrow vão tentar demonstrar que não existe um único padrão de desigualdade e, muito menos, uma única origem da(s) mesma(s). As sociedades não só se organizam sobre distintos padrões de estratificação e reconhecimento de diferenças como, de forma geral, tentam impor freios ao desenvolvimento de padrões de desigualdade capazes de minar a identidade e a cola social. Na verdade, dois pontos cruciais levantados por Graeber e Wengrow são:o que é, afinal, uma sociedade igualitária? Qual o critério pelos qual deve ser avaliada e “medida” a desigualdade? Qual o peso que cabe aos diferenciais de renda e patrimônio? Qual o papel que cabe à capacidade de participação política e na tomada de decisões? E no acesso ao conhecimento? E nas relações entre homens e mulheres? E nas relações entre jovens, adultos e anciãos? E entre guerreiros e produtores? E no acesso efetivo à liberdade e à autonomia (de ir e vir, discordar, desobedecer, etc.)? Em que momento e de que forma cada sociedade se coloca a questão da “igualdade e da desigualdade”? Como uma sociedade estratificada toma consciência da estratificação como um “problema”, um “desvio de uma certa norma ideal”? E, em particular, como esta questão/problema emerge na sociedade estamental europeia dos séculos XVII e XVIII e se transforma no eixo articulador do debate iluminista a partir de Hobbes e Rousseau? o que é, afinal, uma sociedade igualitária? Qual o critério pelos qual deve ser avaliada e “medida” a desigualdade? Qual o peso que cabe aos diferenciais de renda e patrimônio? Qual o papel que cabe à capacidade de participação política e na tomada de decisões? E no acesso ao conhecimento? E nas relações entre homens e mulheres? E nas relações entre jovens, adultos e anciãos? E entre guerreiros e produtores? E no acesso efetivo à liberdade e à autonomia (de ir e vir, discordar, desobedecer, etc.)? Em que momento e de que forma cada sociedade se coloca a questão da “igualdade e da desigualdade”? Como uma sociedade estratificada toma consciência da estratificação como um “problema”, um “desvio de uma certa norma ideal”? E, em particular, como esta questão/problema emerge na sociedade estamental europeia dos séculos XVII e XVIII e se transforma no eixo articulador do debate iluminista a partir de Hobbes e Rousseau? As respostas de Graeber e Wengrow ao primeiro conjunto de questões são particularmente interessantes, mas não nos cabe resgatá-las aqui. Só podemos recomendar a leitura desta obra fundamental. Porém, as respostas dadas ao segundo grupo de questões acima e, em especial, a resposta dada à origem deste debate no interior do iluminismo, nos parecem profundamente equivocadas e, mais uma vez, se assentam diretamente na incompreensão das peculiaridades da ordem especificamente mercantil e, por extensão, na incompreensão da obra de Marx. Segundo Graeber e Wengrow, a origem do tema das desigualdades sociais na filosofia iluminista deitaria suas raízes no contato dos europeus com sociedades igualitárias na América. Os autores procuram demonstrar esta tese a partir do resgate de alguns eventos conhecidos e comprovados (como a publicação e circulação na Europa de diversos relatos sobre a vida dos ameríndios) e sua articulação com um conjunto de hipóteses que não contam com apoio empírico rigoroso (viagem de embaixadores Iroqueses à corte de Luís XV; suposta presença de Kondiaronk, líder político da tribo Wendat, afamado por sua retórica, na tal embaixada; suposto contato de Montesquieu com estes embaixadores, etc.). E chegam à conclusão de que parcela não desprezível da teoria política iluminista - em especial em sua vertente utópico-igualitarista e democrática (por oposição ao eixo racionalista, materialista e hedonista) - deitaria raízes na descoberta do Novo Mundo e no intercâmbio cultural da França com os povos originários. O problema maior desta construção não se encontra na subversão da crença de que os europeus pouco ou nada teriam a aprender com os “selvagens” americanos. Nem, tampouco, em seu caráter essencialmente especulativo, dada a fragilidade dos indícios empíricos. O problema substantivo encontra-se no fato de que a própria questão posta por Graeber e Wengrow é falsa. Se eles tivessem entendido o que há de radicalmente novo nas relações mercantis que emergem na Europa a partir do século XIV e que se disseminam ao longo da Idade Moderna, eles teriam respondido facilmente à (pseudo) charada que colocam e pretendem resolver. Tal como Marx esclarece nos Grundrise “... no próprio dinheiro como dinheiro circulante, dinheiro que ora aparece em uma mão, ora em outra, .... a igualdade se põe inclusive de maneira objetiva. Considerado o processo de troca, cada qual aparece ante o outro como mero possuidor de dinheiro; no limite, como dinheiro mesmo. Por isso, a indiferença e a equivalência estão explicitamente presentes na forma da coisa. A diversidade natural particular que existia na mercadoria está apagada e é constantemente apagada pela circulação. Um trabalhador que compra uma mercadoria por 3 shillings aparece ao vendedor na mesma função, na mesma igualdade – na forma de 3 shillings –, em que apareceria o rei que fizesse o mesmo. Toda diferença entre eles é apagada. O vendedor enquanto tal aparece apenas como possuidor de uma mercadoria com o preço de 3 shillings, de maneira que ambos são completamente idênticos; só que os 3 shillings existem uma vez em prata, outra em açúcar etc. Na terceira forma do dinheiro, poderia parecer que surge uma determinação diferente entre os sujeitos do processo. Mas como o dinheiro aparece aqui como material, como mercadoria universal dos contratos, toda diferença entre os contratantes é, ao contrário, apagada. (Marx, 2011, p. 189) Vejam como a passagem acima comporta críticas que atingem, simultaneamente, o âmago dos dois trabalhos mais famosos de Graeber, o Dívida e O Despertar de Tudo. Marx está dizendo que o dinheiro especificamente mercantil, em seu nascedouro, tem a forma necessária de dinheiro-mercadoria, do dinheiro metálico cunhado. E isto pelo mesmo motivo que este tipo de dinheiro emerge nos primeiros anos da Idade Axial: porque ele tem que ser mais do que um símbolo (de solidariedade); tem que comportar uma materialidade que evidencie o seu valor e o torne aceitável em transações entre agentes que, a princípio, não comungam de qualquer outra relação de sociabilidade. Ao contrário do que parece pretender Graeber, para Marx o dinheiro não é qualquer instrumento viabilizador-facilitador de relações de intercâmbio. Há, sem dúvida, trocas - e instrumentos de troca – em qualquer formação econômico-social concreta. Mas os diversos e diversificados instrumentos de troca só podem ser identificados igualmente como “dinheiro” por uma (má) analogia, pela abstração das formas específicas de sociabilidade que subjazem aos distintos padrões de intercâmbios. Marx tem plena consciência que o dinheiro em sentido rigoroso - aquele que emerge na sociedade propriamente mercantil como dinheiro-mercadoria - irá se desenvolver no capitalismo como dinheiro de crédito. Mas, para ele, o crédito moderno não pode ser confundido com o sistema creditício pré-capitalista. Desde logo, a emergência do moderno sistema de crédito está assentada: 1) na transformação do dinheiro em capital, mais especificamente, em capital a juros (D - D’); e 2) na construção e consolidação de uma superestrutura jurídica e policial capaz de garantir os direitos de propriedade do credor capitalista. Nas sociedades mercantis, o crédito já não está – e nem pode estar – baseado no conhecimento e na confiança recíproca entre credor e devedor. E, portanto, não há nada surpreendente no fato de não contarmos, hoje, com as anistias periódicas e globais de dívidas, tão comuns no mundo antigo. Tal fato apenas demonstra que estas sociedades não eram, nem especificamente mercantis, nem capitalistas. O capitalismo está organizado em torno de um único “valor”: o valor que se valoriza, o capital. Em última instância, a ausência de anistias globais é mais uma demonstração do abismo que separa os antigos sistemas crédito e aquele que emerge dentro do sistema capitalista. Como se isso não bastasse, na breve citação do Grundrisse reproduzida acima, Marx também faz a crítica da segunda problemática organizadora de O Despertar de Tudo: a questão da emergência do tema “desigualdade” na consciência europeia do século XVIII. Para Marx, a ordem mercantil é aquela que põe, em sua máxima radicalidade, a igualdade formal entre os agentes. E isto porque na troca mercantil os agentes intercambiantes são apagados; eles só valem pelo que eles portam de valor. Nesta troca, o único valor que interessa é o valor (de troca) das coisas; sejam elas mercadoria, seja dinheiro. O que leva à secundarização e, no limite, ao apagamento de qualquer estratificação social não-quantitativa. Se o “cliente” tem dinheiro, o fato dele ser muçulmano, judeu ou cristão; branco, negro ou asiático; homem, mulher, homossexual ou transgênero; adulto, velho ou criança; nobre ou plebeu; analfabeto, doutor ou com curso técnico; é de somenos importância. A tolerância com a diversidade – da qual a sociedade ocidental contemporânea tanto se vangloria como uma conquista ética e moral ímpar – deita suas raízes na universalização da indiferença que caracteriza as frias relações de mercado. Na verdade, o falso problema de Graeber e Wengrow parece estar fundado na dificuldade em entender a unidade contraditória entre igualdade formal e desigualdade real no capitalismo. A ordem mercantil desenvolvida exponencia ambas simultaneamente. Na medida em que o conjunto das relações sociais passam a ser mediadas pelo dinheiro, a igualdade formal abstrata ganha fóruns de senso comum. Ao mesmo tempo, a transformação do dinheiro em capital impõe a revolução permanente da base técnica, a instabilização das relações de trabalho (e a negação crescente do trabalho e do emprego) e a crescente centralização e concentração do patrimônio e do poder político. Estas contradições tendem a reatualizar conflitos sociais tipicamente pré mercantis. Afinal, na medida em que o desenvolvimento capitalista circunscreve os espaços de inclusão produtiva dos despossuídos e aprofunda a insegurança acerca de sua reprodução material, emerge uma tensão social e um excedente de energia contestatória que tende a ser parcialmente canalizada para os conflitos “intramuros”, vale dizer, entre os próprios despossuídos. É neste contexto que reemerge o nacionalismo, a xenofobia, o racismo, o etnicismo, o machismo e a intolerância religiosa. Para a surpresa de toda a intelectualidade que bebe na fonte do iluminismo e toma a igualdade formal e o respeito às diferenças (ocultas pela ordem mercantil) como o ápice civilizacional da humanidade. Concluindo David Graeber é um iconoclasta que se tornou um ídolo. E isto não é gratuito. Ele é como o rio de Brecht, que tudo arrasta com a violência de suas águas na luta diuturna contra a violência das margens opressoras. Nas quatro décadas em que Graeber nos brindou com sua obra, a produção teórica em Ciências Sociais passou por um crescente estreitamento de suas margens. Foram banidas as grandes narrativas, as totalizações, as tentativas de transcender às áreas de especialização, os projetos de revolução teórica e epistêmica, e a produção politicamente comprometida. Toda a originalidade passou a ser percebida como carência de rigor científico e acadêmico. A produção teórica foi sendo encerrada dentro dos muros da academia e submetida a sistemas de controle de qualidade e produtividade voltados à punição da ousadia e à premiação da quantidade e da produção em série. Graeber foi a antítese de tudo isto; foi um radical nadando contra a corrente do conformismo e da mediocridade. Um genuíno anarquista abalando a ordem teórica e acadêmica estabelecida. Não há como deixar de saudá-lo. Mas se o furor iconoclasta de Graeber pode e deve ser comemorado, também é preciso entender e reconhecer os elevados custos associados à sua ousadia. Ao romper resolutamente com as fronteiras das diversas Ciências Sociais, avançando criticamente sobre teses tradicionais da Economia, da Sociologia, da História e da Ciência Política, para propor novas e subversivas leituras do desenvolvimento humano, Graeber incorreu em leituras simplificadas e, muitas vezes, desrespeitosas de pensadores e intérpretes que lhe antecederam. Ele mesmo reconhece este fato no brilhante posfácio de seu Dívida, onde admite, por exemplo, que a interpretação de Smith (e de seu mito do escambo) apresentada no corpo do texto se baseava numa compreensão insuficiente deste autor. Sem dúvida. Mas ouso pretender que a autocrítica Graeber ainda foi insuficiente. A verdade é que ele nunca conseguiu entender que o mito do escambo era exatamente isto: um mito! Voltado tão somente a demonstrar que sociedades especificamente mercantis (onde as relações entre produtores são exclusivamente “econômicas”) não poderiam emergir sem o “dinheiro-coisa”. Nem Smith, nem Marx (que desdobra o dinheiro da mercadoria), tinham por objeto de pesquisa os instrumentos histórico-concretos de mediação das trocas não-especificamente-mercantis nas diversas civilizações, modos de produção ou formações sociais. A única função do mito do escambo é demonstrar que, em sociedades mercantis simples, a transformação de valores de uso em mercadorias não pode se consolidar sem a eleição de uma mercadoria particular como meio de troca: a emergência do dinheiro se impõem de forma virtualmente simultânea à emergência do mercado. Por fim: a despeito de inúmeros equívocos presentes em seus trabalhos, as contribuições de Graeber são tantas e se espraiam por uma área tão vasta que, sem dúvida, sua obra é um must read. Mas, se nos permitem um alerta (e um conselho; que vos dou de graça), é preciso ler Graeber com cuidado, sem abusar da crítica (como ele mesmo, por vezes, abusou, em função de leituras apressadas dos clássicos), mas, também, sem condescendência. As Ciências Sociais (onde, por suposto, incluo a Economia) já têm uma longa tradição e acúmulo teórico conceitual. Ideias novas são sempre bem-vindas. Mais ainda quando – como em Graeber - elas estão embasadas em pesquisas sérias, contam com um arcabouço lógico-teórico rigoroso e tomam para si objetos tão ambiciosos que passam a desafiar consensos e paradigmas passados. Mas é sempre bom lembrar que – como nos ensina Hegel (autor, aliás, que é uma ausência marcante e significativa dentre as referências teóricas de Graeber) – o impulso inicial para o desenvolvimento é a negação. Mas só há, de fato, desenvolvimento, na síntese. Graeber é a negação. Uma relação efetivamente construtiva e respeitosa com sua obra seminal passa, necessariamente, por sua análise crítica e superação. *Doutor em economia e professor do mestrado em desenvolvimento da Faccat (Faculdades Integradas de Taquara). Imagem em davidgraeber.org. Bibliografia: GRAEBER, David e WENGROW, David. O Despertar de Tudo: uma nova história da humanidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. GRAEBER, David. Dívida: os primeiros cinco mil anos. São Paulo: Editora Três Estrelas, 2016. GRAEBER, David. Turning modes of production inside out: or, why capitalism is a transformation of slavery. In: Teoria & Pesquisa: Revista de Ciência Política.Vol. 17, N.1, 2008. MARX, Karl. Formações econômicas pré-capitalistas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. MARX, Karl. Grundrisse. São Paulo: Editorial Boitempo; Rio de Janeiro: Ed UFRJ, 2011. As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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O alerta para uma crise bancária mundial

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O alerta para uma crise bancária mundial
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A queda do BANCO DO SILICONE VALEY - e mais outros dois bancos -, já trouxe prejuízos imensos à banca europeia, inclusive CREDIT SUISSE. Já abalada por uma inflação elevada que intensifica as pressões sociais, a União Europeia vê sua moeda , o euro, desabar e corre o risco de entrar em colapso. De PAULO TIMM* A economia de mercado, por definição, opera com base em trocas e as trocas se fizeram, ao longo dos séculos, com o recurso a uma mercadoria capaz de funcionar como denominador comum de valores: Primeiro conchas, depois o sal – de onde os “salários”- , mais tarde o boi, por fim os metais: prata e ouro. Neste último caso, a mercadoria de referência tinha a vantagem, além de funcionar como meio de troca, também como reserva de valor, pois não se degradava ao longo do tempo. Cumpriu, aliás, um importante papel para o enriquecimento de certas pessoas e grupos sociais. Com o advento dos Modernos Estados Nacionais os metais foram substituídos pelo papel moeda, através do compromisso dos Governos de honrarem “em ouro” aquilo que estes papeis supunham representar. Com o tempo, porém, este lastro foi desaparecendo. Em 1971 o Presidente Nixon, por exemplo, desvinculou o dólar do ouro… No Brasil, o Plano Real, de FHC, também o desvinculou. Claro que o poder de emissão deu um poder imenso aos Estados, embora os descuidos com a quantidade de moeda derramado num mercado restrito pudesse levar à inevitável desvalorização dela. Daí a preocupação de certos economistas, mais ortodoxos, à direita, até, hoje com os Gastos Governamentais. Mais ainda quando os déficits governamentais começaram a ser preenchidos com a emissão de Títulos Governamentais, vendidos ao mercado sob o pagamento de uma certa remuneração compensatória à “poupança” dos “investidores”. Mercado, aliás, e investidores são palavras que se referem, cada vez mais, ao sistema financeiro. Tudo isso tornou-se mais complexo ainda, com a criação de Bancos como lugares onde aqueles que detêm algum recurso líquido, seja em decorrência de salários ou outros rendimentos, seja em decorrência da venda de um bem, depositam, por segurança ou comodidade, estes recursos. Estes Bancos acabam cumprindo um papel significativo no sistema econômico, além de guardar dinheiros:. Intermediam pagamentos, financiam operações de crédito, mobilizam capitais para investimentos. Bancos fazem tudo isso multiplicando os recursos depositados emprestando-os a terceiros mediante uma pequena retenção para efeitos de segurança, enquanto aplica seus lucros e parte dos depósitos num lastro de ativos que lhes dá certa garantia patrimonial. Economistas chamam este processo como de criação de “moeda escritural”. Tanto que, se de uma hora pra outra. todos os depositantes correrem aos caixas dos bancos para pegar seu dinheiro depositado, eles não têm como pagar imediatamente. Isso posto, o valor de suas ações em Bolsa, eis que são normalmente empresas abertas, despenca e entram em colapso. Se este colapso se irradiar, teremos uma crise de proporções gigantescas. O mundo financeiro, que já é fictício, eis que fundado em moedas sem lastro e em operações sem conexão com o mundo real da economia, desaba. Isso aconteceu em outubro de 1929, que arrastou vários países para uma crise sem precedentes, inclusive Estados Unidos. Outros mergulharam em profunda crise política que acabou na II Guerra Mundial. Mais recentemente, em 2008 e 2009, a crise se repetiu e repercutiu no mundo inteiro, com reflexos até hoje, exigindo vultosos recursos governamentais para que a economia não viesse abaixo. De lá para cá, alguns fatores do festim financeiro especulativo só o acentuou pois o  imenso poder do segmento financeiro tem conseguido impedir a intervenção governamental corretiva e limitadora em seus mercados. A fórmula da governança mundial hoje, consagrada pelo chamado CONSENSO DE WASHINGTON é : “O Governo não é solução, é problema”, ditado pelo ex-Presidente Reagan há 40 anos. Com isso, os mercados financeiros e o sistema bancário que lhe corresponde ficaram cada vez mais soltos e voláteis. A queda do BANCO DO SILICONE VALEY  – e  mais outros dois bancos -, já trouxe prejuízos imensos à banca europeia, inclusive CREDIT SUISSE. Já abalada por uma inflação elevada que intensifica as pressões sociais, a União Europeia vê sua moeda , o euro, desabar e corre o risco de entrar em colapso. Não por acaso, Reino Unidos enfrenta uma vigorosa greve geral, que potenciou a greve do setor de saúde e a França se mobiliza de novo em busca da recuperação do poder de compra dos trabalhadores. Tudo muito confuso. Perigoso. *Publicada originalmente pela A Folha Torres. Foto: Pixabay As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia. Para receber os boletins e notícias direto no seu Whatsapp, adicione o número da Rede Estação Democracia por este link aqui e mande um alô.

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